Opinião

Mudança de paradigma alterou alcançados por ações penais

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22 de setembro de 2015, 6h23

Em março de 1977 tive a minha primeira aula de Direito Penal ministrada pelo saudoso professor João Marcelo de Araújo na faculdade de Direito da UERJ, que fez uma série de perguntas aos alunos para depois demonstrar, pelas respostas dadas, que muitos cometiam crimes que nem sequer seriam apurados pelo sistema penal, pois este somente atingia cerca de 5% dos crimes praticados e que a impunidade dos alunos decorria da sorte de não serem apanhados.

Ao longo do curso aprendemos que o percentual de crimes praticados que se transformavam em ações penais tem geralmente como autores pessoas negras, pobres e prostitutas.  O famoso Código Penal dos três pês. Quando vemos tantas pessoas que não se enquadram nos três pês  respondendo a ações penais, cabe a indagação: a que se deve isso?

Ouso dizer que essa mudança tem duas vertentes.  A primeira, de ordem legislativa; a segunda, decorrente da inovação e disseminação da tecnologia em nosso país. Com a redemocratização, não há mais espaço para a prática da ditadura da prisão para averiguações. Mas ela se tornou legal com a edição da Lei 7.960/89, que instituiu a prisão temporária, de constitucionalidade para lá de duvidosa, face ao princípio constitucional da presunção de inocência. No ano seguinte, com o advento do fim do título ao portador pela Lei 8.021/90 sancionada pelo presidente Fernando Collor, passou a ser possível identificar e seguir valores que transitam pelo sistema financeiro.  O dinheiro passou a ter necessariamente origem e destino, por mais paradas que façam em contas correntes pelo caminho até o seu último depósito ou saque no sistema bancário. 

Com a tipificação da conduta de lavagem de dinheiro pela Lei 9.613/98, passou-se a punir a ocultação de valores provenientes de infração penal. O que não era crime, dar aparência lícita ao produto adquirido criminosamente, passou a ser infração penal. E por último, o advento da Lei 12.850/2013, sancionada pela presidente Dilma, que criou a colaboração premiada, a qual vem sendo invocada por muitas pessoas que tem a possibilidade legal de obter vantagens pessoais em troca de informações úteis e verdadeiras para que possa o Estado investigar e eventualmente punir a conduta de outras pessoas.

Por outro lado, o mundo mudou e muito. Lembro-me que as comunicações telefônicas eram difíceis antes do advento da telefonia celular. Hoje pode-se saber para quem foi feita a ligação e, se autorizado pelo juiz, até mesmo o teor das conversas. Câmeras de vídeo estão espalhadas por toda a parte a registrar o comportamento das pessoas para o bem ou para o mal, valendo lembrar que a maior parte dos telefones móveis possuem câmeras ao ponto de hoje as pessoas preferirem filmar um crime acontecendo do que impedir  o seu cometimento.

Enfim, houve uma mudança de paradigma e muitas pessoas não se deram conta disso. Hoje é possível legalmente seguir o dinheiro e há todas as condições tecnológicas para isso e para formar um conjunto probatório, com base nas comunicações telefônicas, digitais e pessoais filmadas em lugares públicos, que podem demonstrar ser verdadeiras  as informações passadas pelo colaborador da Lei 12.850/2013.

Não adianta dizer que a máquina de escrever elétrica é um equipamento que serve ao fim que se destina quando já existe o editor de texto que roda em um computador, tampouco o prefeito do Rio de Janeiro ficar dando apoio aos táxis contra o Uber, quando várias pessoas foram às ruas pedir melhoras na mobilidade urbana, além de que há um número enorme de pessoas no mundo inteiro querendo escolher qual o serviço que quer tomar. Quando se muda o paradigma tem que se mudar a conduta.  E muitos parecem que não notaram isso, provavelmente achando que jamais seriam alcançados pelo sistema penal.

A realidade é que hoje não está fácil para ninguém se livrar de uma acusação criminal. Não está fácil para o pobre nem para quem tem colarinho branco.

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