Opinião

Audiência de custódia e Lei Maria da Penha são compatíveis

Autor

  • Adriana Mello

    é juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Rio de Janeiro professora escritora presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica Familiar e de Gênero da EMERJ presidente do Núcleo de Pesquisa em Gênero Raça e Etnia (NUPEGRE) possui mestrado em Direito pela Universidade Cândido Mendes mestrado em Criminologia pela Universidade de Barcelona e doutorado em Direito Público e Filosofia Juridicopolítica pela Universidade Autonoma de Barcelona.

18 de setembro de 2015, 6h42

A audiência de custódia surge no processo penal com a intenção de conter o poder punitivo, de potencializar a função do processo penal como instrumento de proteção dos direitos humanos. Criada, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, junto a toda estrutura de primeiro grau do Poder Judiciário, talvez seja marco fundamental para que o Brasil, enfim, dê efetivo cumprimento aos pactos e tratados internacionais de direitos humanos aos quais manifestou adesão, como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Não obstante, o juiz da audiência de custódia jamais poderá olvidar as disposições contidas na Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que estabelece mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher[1].

Vale lembrar que, o juiz/a da audiência de custódia não deverá deferir a liberdade do agressor (cônjuge ou companheiro) sem antes determinar, no mínimo, que este se abstenha de manter contato, de se aproximar e de frequentar os mesmos lugares que a vítima, advertindo o agressor expressamente que o descumprimento da medida protetiva de urgência importará no seu regresso ao cárcere.

O conceito de custódia se relaciona com o ato de guardar, de proteger. A audiência de custódia consiste, pois, na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como verificar questões de maus tratos e/ou tortura(Paiva, 2015:31).

A audiência de custódia e a Lei Maria da Penha não são incompatíveis e os presos decorrentes da praticada violência doméstica e familiar contra a mulher não devem ser excluídos das audiências, mas devem ser observados pelos operadores da justiça os postulados da Lei Maria da Penha e da Convenção de Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, denominada Convenção de Belém do Pará. 

O projeto violeta que visa dar atendimento rápido e eficaz as mulheres em situação de violência que necessitam de uma proteção imediata, é totalmente compatível com o rito da audiência de custódia, uma vez que prevê o atendimento especializado à mulher que acabou de sofrer a violência doméstica e familiar dando a proteção prevista na Lei Maria da Penha em poucas horas após o crime.[2]

Assim, o preso decorrente da pratica de violência doméstica e familiar contra a mulher pode ser encaminhado à audiência de custódia e a mulher vítima deste ato pode ser encaminhada ao projeto violeta, a fim de que a sua situação seja avaliada, sem demora,  e  lhes sejam deferidas as medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha, inclusive, com o encaminhamento desta mulher a uma casa abrigo para mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Segundo dados do Dossiê Mulher 2015 do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro as mulheres predominam como vítimas de delitos de estupro, de ameaça e de lesão corporal dolosa, tendo, na maioria das vezes, como prováveis agressores seus companheiros ou pessoas do seu convívio familiar. [3]

Dispõe o artigo 21 da Lei Maria da Penha:

Art. 21.  A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Segundo o artigo 3º da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, denominada Convenção de Belém do Pará, “Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada.”

O artigo 7º da mesma Convenção estabelece que

“Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em:

a.       abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação;

b.       agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher;

c.       incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;

d.       adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade;

e.       tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher;

f.         estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos;  

Artigo 8º            Os Estados Partes convêm em adotar, progressivamente, medidas específicas, inclusive programas destinados a:

(…)

c.       promover a educação e treinamento de todo o pessoal judiciário e policial e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei, bem como do pessoal encarregado da implementação de políticas de prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher;

Os presos decorrentes da pratica de crimes de violência e familiar contra a mulher devem ser incluídos nas audiências de custódia, mas urge que seja feito um curso de capacitação para o treinamento de todo o pessoal judiciário e policial e demais funcionários responsáveis pela audiência de custodia em direitos humanos, na Lei Maria da Penha e  na erradicação da violência contra a mulher, a fim de que saibam que como proceder nas audiências de custódia nos casos de presos em decorrência da prática de violência domestica e familiar contra a mulher.

A cada cinco minutos uma mulher é agredida no Brasil. A cultura do machismo e do patriarcado triunfa no País, ceifando a vida de milhares de vítimas. Temos uma recente Lei ( 13.104/15) que qualifica o feminicídio e não podemos permitir que a proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar seja olvidada nas audiências de custódia.


Bibliografia
DOSSIÊ MULHER 2015 / organização: Andréia Soares Pinto, Orlinda Cláudia R. de Moraes, Joana Monteiro. – Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública, 2015

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito constitucional Internacional. Max Limonad..4ª Edição.2000.

PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o processo penal brasileiro, 1ª Edição. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.


[1]  A Convenção Interamericana  para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher, conhecida como a Convenção de Belém do Pará foi outro grande avanço na proteção internacional dos direitos humanos das mulheres e que reconheceu de forma enfática, a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado número de mulheres. A Convenção preconiza que a violência contra a mulher constitui grave violação aos direitos humanos e ofensa à dignidade humana, sendo manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.

·         [2]  O  projeto foi o vencedor do Prêmio Innovare 2014 na categoria Juiz. O objetivo é garantir a segurança e a proteção máxima das mulheres vítimas de violência doméstica e Familiar com maior celeridade. As mulheres fazem o registro de ocorrência da violência sofrida e são encaminhadas no mesmo momento ao I Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Capital para que o juiz aprecie na mesma hora o pedido, após a escuta da vítima pela equipe multidisciplinar do Juizado. Tal pratica tem diminuído de forma considerável o tempo entre o fato e o deferimento pelo juizado de violência doméstica contra a mulher. Varias mulheres já foram atendidas pelo projeto violeta. Esse projeto foi feito em parceria com a Delegacia especializada do Centro do RJ, a Defensoria Pública e o Ministério Público. Vide em: http://www.premioinnovare.com.br/praticas/projeto-violeta-20140527232412433005/. Acesso em 01/09/2015.

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