Opinião

Prorrogação do novo Código de Processo Civil não é a solução

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16 de setembro de 2015, 12h25

No último dia 8 de setembro, o deputado Victor Mendes (PV-MA) apresentou o PL 2.913/2015 propondo a alteração da redação do artigo 1.045 da Lei 13.105/2015 (Novo CPC) para aumentar o prazo de vacatio legis de um para três anos[1]. Em sua justificação, o eminente deputado sustenta que “mesmo após a publicação do novo diploma legal adjetivo, ainda vários conceitos permanecem sem exata definição, muito embora a doutrina e a comunidade jurídica em geral já tenham se debruçado fortemente sobre o texto. Dita imprecisão, para além de causar diversidade de entendimentos no dia-a-dia forense, pode provocar insegurança quando do emprego das recentes regras procedimentais, que serão imediatamente aplicadas após a vigência, frise-se, conforme característica própria das normas processuais, no que tange à sua eficácia no plano temporal.”

Salientou a necessidade de o Poder Judiciário adaptar-se ao novo sistema processual e deu como exemplo o suposto equívoco na retirada do juízo de admissibilidade dos recursos na origem, circunstância que, segundo o autor do projeto, levará ao aumento significativo de processos nos Tribunais Superiores. “Assim, entende-se necessário amadurecer o Código de Processo Civil brasileiro instituído por meio da Lei 13.105, de 16 de março de 2015, seja porque apresenta significativas alterações estruturais nas relações jurídicas processuais, seja porque ainda revela necessidade de melhoria em numerosos dispositivos.”

Em arremate, afirma que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), “entende ser imprescindível o elastecimento do período de ‘vacatio legis’, por ser demasiadamente escasso o prazo aprovado para que norma tão complexa e relevante produza efeitos no ordenamento jurídico nacional” e que o Encontro do Colégio de Corregedores Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil (Encoge), pela Carta do Rio de Janeiro de 28 de agosto de 2015, propôs a dilação do prazo de vacatio legis do Novo CPC.

A Revista Eletrônica Consultor Jurídico divulgou[2] no dia 11 de setembro reportagem dando notícia sobre o mencionado projeto de lei trazendo, ainda, a manifestação do presidente da AMB, João Ricardo Costa, que “o prazo determinado na lei sancionada é demasiadamente escasso para que uma norma tão complexa produza efeitos no ordenamento jurídico nacional de forma quase que imediata” e, para tanto, afirma que “Podemos buscar outros caminhos para a coletivização dos litígios de danos massificados no primeiro grau, que foi vetado pelo Poder Executivo. Isso permitirá resolver litígios de forma integral na sociedade. Acreditamos que esse é um dos únicos caminhos para garantir a celeridade que todos esperam com o novo código”.

A pergunta que se coloca é: a quem serve a prorrogação da vacatio legis do Novo CPC?

Algumas premissas devem ser apresentadas para a resposta a esta questão. A Lei 13.105, de 16 de maio de 2015, é o primeiro Código que tramitou e foi aprovado em processo legislativo em ambiente exclusivamente democrático. A comissão de juristas responsável pela apresentação do anteprojeto foi constituída em 30 de setembro de 2009, pelo Ato 379/2009, do presidente do Senado. O anteprojeto foi apresentado ao Senado Federal onde teve seu início pelo PLS 166/2010, com rápida tramitação e remessa para a Câmara ainda no final do ano de 2010. O projeto foi recebido na Câmara dos Deputados pelo PLC 8.426/2010 onde tramitou até março de 2014, com amplo debate e participação popular de todos os segmentos da sociedade, em verdadeira construção plural de uma lei, como nunca antes se viu na história de nossa recente democracia.

Ressalte-se que as comissões regularmente instaladas em vários momentos do processo legislativo se dirigiram a praticamente todas as capitais brasileiras e outras cidades de grande porte, além de ter recebido pela internet diversas propostas que foram levadas em consideração pelo parlamento, tanto de estudiosos do tema quanto de entidades que defendem suas classes, inclusive a AMB, de forma que muitos dos assuntos que se consideram inovadores foram efetivamente discutidos de forma inusitada em nosso país.

Pois bem. Surgiu o Código com todos os méritos e as possíveis imperfeições de uma obra humana. E qual foi o período de vacância eleito por ambas as Casas, devidamente cientes dos desafios que seriam impostos ao Poder Judiciário e a todas as demais instituições e atores processuais que se relacionarão com a lei em tela? Um ano a contar da publicação (após a sanção presidencial), como é a regra de qualquer grande alteração no ordenamento jurídico brasileiro.

Necessário relembrar que o novo CPC foi aprovado, em votação final pelo Senado, nos dias 16 e 17 de Dezembro de 2014, seguindo para sanção presidencial em 24 de Fevereiro de 2015, tendo sua sanção apenas no dia 16 de Março, com publicação no dia seguinte, 17.

Apenas agora, passados quase seis meses da publicação da lei, um deputado apresenta Projeto de Lei visando à ampliação do prazo de vacatio legis para 3 anos. A proposta surgiu, ao que tudo indica, de sinalização do ministro Gilmar Mendes[3] que, temeroso com os efeitos que o novo CPC trará aos diversos processos em trâmite no Supremo Tribunal Federal, procurou o presidente da Câmara para propor a prorrogação do período em 3 a 5 anos. O fundamento de Sua Excelência é que o novo CPC retirou o “filtro” da dupla análise do juízo de admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinário, o que levará a uma avalanche de processos para as cortes superiores.

Com o devido respeito ao fundamento lançado, é flagrante que a extensão da vacatio em nada influenciará na alteração do problema apresentado. Pelo contrário, existem na Câmara (PLC 2.468/2015) e no Senado (PLS 414/2015) projetos de leis que visam o retorno da dupla análise no juízo de admissibilidade, como sugerido pelo ministro. Logo, mesmo que se tivesse razão, o que não se concorda, o problema seria resolvido sem a extensão agora proposta.

Ademais, os fundamentos utilizados pelo autor do projeto de lei para a prorrogação demonstram muito mais o apego pelo status quo e o medo do “novo”, do que propriamente o alegado objetivo de preparação do ambiente processual para a recepção da nova lei.

É induvidoso que até o momento os tribunais e o Conselho Nacional de Justiça pouco (ou nada) fizeram visando à adequação de sua estrutura, de seu regimento e das rotinas de secretaria para os diversos desafios impostos pelo Novo CPC. Isso não se deve, com a devida vênia, à escassez de tempo, pois até o momento os responsáveis pelas diversas mudanças que devem ser feitas permaneceram em inércia, como se uma força mágica tivesse a possibilidade de promover as adequações e as soluções adaptativas da Lei 13.105/2015.

Não houve vontade e nem atuação finalística neste sentido até o momento. Foram pouquíssimos os eventos voltados para a atualização de juízes e servidores e menores ainda os esforços para a capacitação profissional de conciliadores e/ou mediadores para atuarem nas novas audiências de mediação e conciliação. Note-se que não se vê nos tribunais qualquer movimentação para a contratação desses novos auxiliares. E será que se, por acaso, passar essa famigerada extensão, os tribunais usarão esse prazo para se estruturar?

Até o momento não se tem notícia de como os Tribunais farão a tramitação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e tampouco se tem notícia de estudos acerca dos impactos (maléficos ou benéficos) dos artigos 12 e 153 do novo CPC na dinâmica dos juízos e tribunais.

Ainda, pelo que se sabe, quase não existem esforços para a promoção das adequações dos sistemas de gerenciamento de autos físicos e das plataformas de processos virtuais para as novas exigências da lei vindoura, mormente para a contagem dos prazos em dias úteis.

Esses são problemas que o Poder Judiciário deve resolver ainda no período de vacatio legis. Note-se que tal período visa exatamente isso, a compatibilização de estrutura e de sistemas, bem como a atualização de pessoal para que com a entrada em vigor do diploma ele tenha condições de alcançar os seus objetivos.

Entretanto, soa no mínimo estranha a alegação de que o prazo de vacância de um ano é muito exíguo para a preparação do Poder Judiciário para os diversos desafios que se apresentam, mormente quando se leva em consideração que os primeiros seis meses deste lapso não serviram sequer para que a maioria dos tribunais entendessem o que está se passando.

Neste ambiente democrático, o que se esperava é que os tribunais estivessem atentos à tramitação do processo legislativo do diploma, inclusive porque foram formalmente convidados, em diversos momentos, para participação e colaboração. Os desafios e as mudanças necessárias deveriam ter sido planejados durante a formação da lei, para que fossem executadas durante o período de vacatio.

Mas a verdade é que até o momento grande parte dos tribunais dormiu e apenas agora acordou, restando a metade do período de vacatio legis, dizendo que não terão tempo para as mudanças.

O mais absurdo é a posição da AMB, instituição da qual os autores deste ensaio integram, manifestar-se favoravelmente à “virada de mesa”, sem sequer colher a posição de seus associados. É necessário lembrar ao presidente da AMB que ele não fala em nome próprio, que representa mais de 14 mil magistrados do Brasil, logo uma manifestação como a feita pelo colega deve ser tomada com a gravidade dessa condição e não o foi, motivo pelo qual nos insurgimos, na qualidade de magistrados e estudiosos do processo civil e do novo texto normativo. Discordamos da posição publicizada e emitida sem ouvir os integrantes da associação.

Ao que parece, a AMB, já atenta às eleições da entidade que virão, quer criar um acontecimento que julga ser aprovado pelos juízes, principalmente pela ausência de conquistas significativas para os magistrados durante a atual gestão, pois indiscutivelmente a associação não soube fazer ao longo da tramitação do Código o trabalho necessário para que a instituição crescesse dentro de sua grandeza. Pelo contrário, apequenou-se com a posição ora tomada. Como salientado acima, a associação teve participação ínfima durante a tramitação legislativa do Novo CPC e agora quer se valer da “virada de mesa” para, quem sabe, promover as mudanças almejadas pela maior parte da magistratura.

Precisamos nos livrar desse estigma do “jeitinho brasileiro” arraigado nos comportamentos particulares e institucionais, que normalmente se vê quando não estamos preparados para determinado acontecimento ou não queremos nos preparar. O medo do novo sempre nos apavora e queremos sempre mais tempo.

A vacatio legis de um ano é prazo bastante alargado e suficiente para a preparação de todos os atores processuais para os desafios de um novo Código, tal como aconteceu, sem maiores traumas, com o código civil de 2002. E naquele momento histórico também se defendeu a mesma postura de agora e como se viu o tempo acabou acomodando as novidades e a partir do cotejo entre o novo e a própria realidade muitos dos problemas restaram equacionados.

De certo, a interpretação do Novo CPC — objeto de estudo efervescente da doutrina brasileira com a produção de inúmeras obras jurídicas e artigos científicos — será formada pela construção da experiência prática (pragmatismo jurídico), pois um código apenas é verdadeiramente conhecido com sua aplicação. Antes disso, temos apenas a prospecção doutrinária, que pode ou não se mostrar adequada para os objetivos propostos pela nova legislação.

Ainda, as mudanças e reformas legislativas que virão ao texto legal não podem ser óbices para sua entrada em vigor. Durante o processo legislativo tudo pode acontecer, não havendo qualquer certeza acerca da aprovação de qualquer mudança até a publicação da lei. E sobre as modificações legislativas antes do início da vigência de uma lei, a história registra alguns casos, como se vê com a Lei 5.925/73 que alterou o CPC/73 antes de entrar em vigor.

Apresentamos voto e manifestação de repúdio ao Projeto de Lei 2.913/2015, pois parte de pressuposto viciado pela letargia estatal nas providências necessárias para a concretização do Novo CPC. A assunção de responsabilidades pelos atos e omissões é uma das pedras fundamentais da Lei 13.105/2015 e deve, neste ambiente democrático, regido pelas normas constitucionais, pautar o comportamento dos nossos Tribunais e do legislador. Esperamos a entrada em vigor do Novo CPC no prazo originalmente previsto e que ultrapassemos todos os seus desafios a partir de 18 de março de 2016.

E fazemos questão de registrar nosso posicionamento contrário pela certeza que temos da qualidade de nossa magistratura, a qual vem demonstrando ao longo desses últimos anos a grandeza necessária para cumprir a Carta Magna, robustecida pelo Novo CPC. Por mais que tenhamos motivos para questionar alguns retrocessos desse novo texto — como talvez todos o tenham —, a magistratura não pode ser tida como entrave histórico para consolidação desta lei, que visa, substancialmente, a alteração comportamental dos atores processuais, atuando de modo a atingirmos, pelo valor aos precedentes e à probidade processual, a duração razoável do processo e a melhor qualidade das postulações e das decisões judiciais.


1 O projeto de lei pode ser encontrado no endereço http://migre.me/rvhXW.

2 Acesse a reportagem por este link http://migre.me/rvizF

3 Acesse a matéria aqui http://migre.me/rvOWJ

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