Opinião

Projeto de reforma política tem aparente aforquilhamento de propósitos

Autor

  • Thiago Boverio

    é advogado especialista em Direito Eleitoral e Político secretário do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade) e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-DF.

11 de setembro de 2015, 9h00

Salomão, o rei bíblico que governou com equidade durante 40 anos, cunhou a metáfora de que, “assim como a mosca morta produz mau cheiro e estraga o perfume, também um pouco de insensatez pesa mais que a sabedoria e a honra”. Tal ensinamento faz refletir sobre um aparente aforquilhamento de propósitos nesta longa estrada em que se transformou o projeto de reforma política. Por um caminho aprumado segue a tendência da inovação que reflete boas propostas, embora dotadas de uma perspectiva ainda embrionária sobre a eficácia e o potencial que terão para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral. Soma-se também a boa intenção dos parlamentares protagonistas na condução dos projetos que estão em processo de votação, tais como os debates sobre a necessidade de um novo modelo de financiamento eleitoral, fim da reeleição para o Poder Executivo, fidelidade partidária, cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais, dentre outros tantos.

Pela rota da estrada enevoada, ao que parece, seguem os furbescos costumes que introjetam no senso comum a ideia de que no Brasil o exercício da política seria algo abjeto. A prática do chamado “jeitinho”, dos atalhamentos e das expertises impróprias provocam o distanciamento da sociedade exatamente daquilo que lhe é primordial: valores e respeito aos agentes e às instituições políticas legitimamente constituídas. Verifica-se nesse trajeto os debates ocorridos na sessão realizada pelo Senado na noite do dia 2 de setembro, em que foi aprovada a proposição apelidada de “janela” para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo. Dentre tantas salutares propostas, conduzidas com o devido comprometimento dos parlamentares em relação à sociedade, passou uma vil. É o perfume que se estraga. É a honra que se macula pela falta de bom senso.

A teor dessa nova regra, no 13º mês que antecede as eleições, qualquer parlamentar estará investido de uma inquestionável supremacia para negociar o seu ingresso em outra legenda ou, ainda, casuisticamente terá a absoluta propriedade para renegociar sua permanência no partido que o elegeu, e isso poderá ocorrer sem que haja qualquer justificativa legítima. É o critério circunstancial sobrepondo ao interesse público. Significa, portanto, a institucionalização da promiscuidade política.

Não bastasse a impureza da proposta, o presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros, bem como o próprio relator da matéria, senador Romero Jucá, alertaram que, além de impróprio, tal projeto feria a Constituição da República por não tramitar pela égide de uma Emenda Constitucional, bem como desafiaria a orientação do Supremo Tribunal Federal que, ao definir a regra sobre fidelidade partidária, vaticinou que as migrações partidárias devem ser devidamente justificadas, isto é, o trânsfuga não perderia o mandato somente nas hipóteses de não concordar com a incorporação ou fusão do partido que o elegeu; para ingressar em uma legenda recém-criada; caso haja mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário ou; por sofrer grave discriminação pessoal interna corporis.

Nas palavras da ministra Cármen Lúcia, ao proferir seu voto no julgamento do Mandado de Segurança 26.604, que conferiu legitimidade para a migração partidária somente nessas hipóteses acima, “aceitar, portanto, ser do próprio parlamentar o mandato, de modo a permitir que o seu comportamento no sentido da desvinculação a qualquer organização partidária pudesse ser inconsequente, política e juridicamente, seria fazer tábula rasa dos princípios, como o da soberania popular, o da representação mediante a imprescindível e decisiva participação dos partidos políticos”.

Diante do quadro aqui brevemente explicitado, retrata-se o dilema sobre o traçado da reforma política que está sendo conduzida pelo Congresso Nacional. De um lado, caminha a expectativa de muitos avanços importantes, que vão ao encontro dos anseios da sociedade, mas pela estrada velha que leva o país ao retrocesso transita uma temática que em nada contribui para o aperfeiçoamento do sistema político brasileiro.

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  • é advogado especialista em Direito Eleitoral e Político, secretário do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade) e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-DF.

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