Futuro penal

Precedentes da "lava jato" vão prejudicar mais pobres, diz procurador

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11 de setembro de 2015, 10h06

O procurador de Justiça Rômulo de Andrade Moreira, do Ministério Público baiano, está distante cerca de 2.500 km de Curitiba, mas teme os impactos que a operação “lava jato” podem gerar no processo penal brasileiro. Para ele, os precedentes criados com o famoso caso de corrupção na Petrobras vão atingir pobres de todo o país que estão presos sem julgamento.

“Os tribunais têm reconhecido a prisão preventiva por mais de 500 dias, por exemplo, com base no princípio da proporcionalidade e na manutenção da ordem pública. Se a jurisprudência diz que isso pode ocorrer, o argumento pode ser usado até para um suspeito de roubar uma galinha”, afirma Moreira, que participou na última quinta-feira (10/9) do 2º Encontro Nacional do Ministério Público, em São Paulo.

“Esse requisito de [justificar a prisão preventiva para] garantir a ordem pública precisa ser urgente extirpado do nosso ordenamento jurídico, porque ninguém sabe definir o que é isso, o conceito é muito genérico”, disse ele durante o evento, na Escola Superior do MP paulista. “Em nome da ordem pública, se prende preventivamente um réu ou indiciado com base nos motivos mais incríveis. Clamor público não pode ser confundido com ordem pública.”

O procurador declarou ainda que prender alguém de forma preventiva “não é meio idôneo para combater a corrupção”, defendendo que medidas cautelares só devem ser impostas quando há perigo para a condução do processo, independentemente do mérito. “Se [a prisão do investigado] é [necessária] para conveniência da instrução criminal, coloque a pessoa em casa, sem poder sair, com tornozeleira eletrônica”, afirmou.

Segundo ele, no Brasil já se prende muito antes do julgamento e de forma mal fundamentada. Moreira baseia-se nos processos de Habeas Corpus que recebe diariamente em seu gabinete. “É preciso refletir que [os presos provisórios] são seres humanos, como nós. Nada impede que um dia poderemos estar lá.”

Alternativas
Também participante do debate, o pesquisador argentino Leonel González Postigo afirmou que o Brasil seguiu tendência de outros países latino-americanos ao fixar, em 2011, um cardápio de medidas cautelares além da prisão, como o recolhimento domiciliar, o monitoramento eletrônico e a proibição de que o investigado deixe o país (Lei 12.043).

Coordenador do Centro de Estudos de Justiça das Américas (ligado à Organização dos Estados Americanos), González afirmou que o problema é constatar que quase metade da população carcerária brasileira ainda é formada por presos provisórios (42%, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça). Para melhorar esse cenário, ele elogiou a aplicação das audiências de custódia — direito do preso em flagrante ser ouvido por um juiz em 24 horas, conforme modelo implantado em alguns estados pelo CNJ.

O promotor Everton Luiz Zanella, coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) Criminal do MP-SP, disse que o monitoramento eletrônico esbarra na falta de equipamentos no Judiciário, como em São Paulo. Outro entrave para diminuir as prisões preventivas, segundo ele, é que juízes da capital paulista têm convertido as prisões em flagrante sem ouvir o Ministério Público, pois o repasse prévio dos autos para a instituição não está expressa no Código de Processo Penal.

“É evidente que o MP, como titular da ação penal, fiscal da lei e responsável pelo controle externo da atividade policial tem de ter vista antes desse procedimento. Entendo que o Judiciário sequer poderia converter flagrante em preventiva sem pedido expresso do Ministério Público”, avalia Zanella.

MP “descafeinado”
Mais cedo, membros do MP discutiram o papel da segunda instância da instituição. O procurador de Justiça Cláudio Barros Silva, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, avalia que os representantes do cargo são mal utilizados e acabam ficando enfraquecidos. O promotor paranaense Márcio Soares Berclaz concordou com essa avaliação e classificou a atuação do MP em segunda instância de “descafeinada”.

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