Uma associação de procuradores federais impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal para lograr a suspensão dos procedimentos de instalação dos novos tribunais regionais federais — inclusive o do Paraná que deverá ser sediado no atual Canal da Música, bairro das Mercês, Curitiba, conforme uma disposição do Governo do Estado —, constituídos à luz da EC 73/2013, norma promulgada após mais de 10 anos de luta e processamento exaustivos. O então ministro-presidente da suprema corte concedeu a providência de urgência, em parte, seguramente, porque o Conselho da Justiça Federal antecipou, de modo equivocado, o envio do anteprojeto de lei correspectivo ao Congresso Nacional, no qual foi indexado oficialmente, sem o crivo do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça. Isso já demonstrava o quanto forças obscuras agiam nos bastidores desse processo para obterem solução diversa da vontade do constituinte.
Nada obstante, essa ADI está fadada ao insucesso ante uma série de motivos, inclusive a impertinência do interesse processual aventado pela proponente, que se aventurou, episódica, na tarefa de tutora da nação. Mas, entre contar a nação com uma teratologia jurídica que se vinha desenhando interna corporis, a pretexto de regulamentar a EC 73/2013, silenciar sobre isto e admitir, pelo silêncio, uma restrição arbitrária na distribuição dos novos cargos consoante o formato de regionalismos estanques, pela qual restaria desnaturada a Justiça Federal enquanto unidade de sentido com violação do artigo 60, parágrafo 4º, inciso I, da Constituição (cláusula pétrea)[1], e não contar com os novos TRFs, preferir-se-ia, é claro, a segunda alternativa. Sob um tal dilema, o qual não corresponde ao desígnio da EC 73/2013, vale a Federação e a República em face dos interesses paroquiais.
Nada obstante, prepondera a firme convicção de que os novos TRFs das 6ª (PR), 7ª (MG), 8ª (BA) e 9ª (AM) Regiões serão implantados na forma e na extensão da vontade do Constituinte Reformador, conforme tem de ser. Afinal, a soberania política emana do povo e no seu nome deve ser exercida, antes que subtraída por quem quer que seja no âmbito da República.
Outrossim, a iniciativa dos tribunais superiores a que se refere o artigo 96, inciso II, alíneas “c” e “d”, da Constituição Federal, integra a inteligência do comando do artigo 61 (iniciativa das leis). Desse modo, não pode restar dúvida quanto à plausibilidade jurídica da criação dos referenciados novos TRFs por iniciativa do Poder Constituinte. Aliás, o cenário normativo evoca o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), dando-lhe complementação, haja vista necessidade de equalização da matéria constituída em 1988 sem os vícios do passado. Agora, o Constituinte decidiu, à luz da geografia política do país, onde sediar os novos TRFs para conferir ao seu conjunto um nítido sentido de sistema federativo, até agora inocorrente. Esse vício de origem, a propósito, gerou, para mais ou para menos, sérios problemas operacionais para a efetividade da jurisdição federal comum de segundo e primeiro graus.
Com efeito, não pode um órgão infraconstitucional ordenar, pautar ou limitar o exercício do Poder Constituinte, ainda quando derivado (reformador). Os novos TRFs não foram concebidos como substrato de lei autônoma, mas pela razão do Poder Constituinte Reformador, que é vinculante. A lei que disciplinará concretamente os quadros e serviços atinentes aos novos TRFs terá um caráter meramente regulamentar. Cumpre-lhe, pois, obedecer ao comando da Carta Política, porque não reúne conteúdo primário, como se norma constitucional aplicável inexistisse. Sobre isto, de fato não há vício de iniciativa para a EC 73/2013, dado que o STJ não detém competência para dar início a uma PEC (art. 60, incisos I, II e III, da Carta), cujos limites são aqueles preconizados no mesmo artigo 60, parágrafo 4º, a saber: forma federativa do Estado; voto direto e secreto, universal e periódico; separação dos poderes; direitos e garantias individuais. Em decorrência disso, a criação de tribunais não integra nenhuma dessas restrições maiores (cláusulas pétreas). Logo, poderia ter atuado, como atuou, o Constituinte Reformador. Sua proposição quanto aos novos TRFs sempre foi e é válida. É tudo o que se deve considerar a respeito.
O mais, além do capricho das provocações e dos interesses oportunistas que, em tese, podem envolver práticas até mesmo antirrepublicanas (algumas que conspiram, outras que açambarcam), é combater com tenacidade, determinação e conhecimento de causa todas essas iniciativas que intentam malbaratar o avanço da democracia brasileira, ainda que mediante articulações conjunturais, sempre passageiras, adjudicar subjetivamente para os seus cultores os benefícios do poder e induzir interpretação arbitrária para que tudo isso aconteça na base de proposições inventivas. Sejam quais forem essas iniciativas, com que intensidade se apresentem e partam de quem partirem!
A sociedade paranaense, em particular, diante de um histórico de trabalho em favor desses objetivos para os quais se associa às sociedades mineira, baiana e amazonense, tem uma importância ímpar nessa construção racionalizadora e emancipatória no contexto da nação. Fiquemos todos atentos para os desdobramentos de mais um episódio do “calvário” dos novos TRFs!
1 Acesso em: http://www.jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/anteprojeto_lei_trfs_0.pdf