Reparação de danos

TJ tutela direito ao nome e à imagem e compensa danos extramateriais

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9 de setembro de 2015, 20h50

O STJ validou, recentemente, a tutela dos direitos ao nome e à imagem, ao julgar o Recurso Especial 1.432.324, sob a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino[1] (DJ-e de 4.2.2015), ao conceder reparação por danos à imagem e ao nome de por publicidade lesiva veiculada por duas lesantes e isso é de extrema relevância para reafirmar a concreta tutela desses direitos, reformando acórdão do TJ-SP.

Para verificar o acerto decisório do STJ, inicia-se a análise a partir do recorte fático-jurídico feito pelo ministro Sanseverino:

O autor é conhecido piloto de automobilismo e apontou que as rés utilizaram-se indevidamente de seu nome e sua imagem em campanha publicitária; diante do alegado, pediu indenização por danos morais (fls. 02/09), o que foi afastado pela sentença de fls. 290/292 e 297.

A propaganda questionada, veiculada pela mídia impressa e televisiva, está nos autos (fls. 63, 130 e 131) e não contém o nome completo do autor, tampouco a sua imagem.

No anúncio mencionado há foto de uma criança em um carro de brinquedo com a frase: "Rubinho, dá pra ser mais velog?".

A vinculação com o autor é, contudo, inegável, usando a propaganda o apelido pelo qual o requerente é conhecido pelos fãs do automobilismo, em contexto relacionado ao esporte, ainda que de forma indireta. (fls. 280/281)

Consta, ainda, que a criança da propaganda estaria usando um macacão vermelho, mesma cor da equipe de Fórmula 1 do autor, na época da veiculação da publicidade.

Diante disso, o TJSP considerou: (i) “o nome e a imagem do autor seriam de domínio público, tendo-se divulgado apenas o nome da empresa recorrida e o seu serviço, não o nome do recorrente. Aduziu que deveriam prevalecer as garantias constitucionais relativas à liberdade de expressão e informação” (trecho do acórdão analisado, p. 5-6); (ii) “Afirmou o Tribunal, ainda, que o uso com intuito meramente ilustrativo, "sem a intenção de macular a imagem ou reputação, ou mesmo de obtenção de lucro pelo uso do nome do autor, bem como considerando tratar-se de figura pública de reconhecimento geral, não se caracteriza ofensa aos direitos da personalidade e, portanto, ausente a obrigação de indenizar" (fl. 282)” (trecho do acórdão analisado, p. 6).

O STJ, contudo, decidiu em sentido diametralmente oposto, com o ministro Sanseverino tendo se lastreado nos seguintes argumentos:

  1. o acórdão do TJ-SP “concluiu, analisando a campanha publicitária, que a "vinculação com o autor é, contudo, inegável, usando a propaganda o apelido pelo qual o requerente é conhecido pelos fãs do automobilismo, em contexto relacionado ao esporte, ainda que de forma indireta" (fl. 281)” (trecho do acórdão analisado, p. 6);
  2. o STJ[2] reiteradamente já entendeu que “os danos morais por violação do direito de imagem decorrem exatamente do seu próprio uso indevido, sendo prescindível a comprovação da existência de outros prejuízos por se tratar de modalidade de dano in re ipsa”;
  3. a publicidade viola o art. 18 do CC e o Enunciado 278 (CEJ): “A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade”. Para tanto cita literatura jurídica no mesmo viés: “entende-se que o comportamento tolerante das figuras públicas não legitima a divulgação de sua imagem indiscriminadamente pelos meios de comunicação, que devem sempre respeitar o direito à imagem legalmente tutelado, devendo em casa caso se avaliar se estão presentes ou não as situações excepcionais que legitimam a limitação da autodeterminação pessoas sobre a própria imagem”.[3]

Com base na argumentação acima, o ministro Sanseverino conclui: “No presente caso, não há qualquer dúvida de que a publicidade foi veiculada, com fins lucrativos, divulgando-se o apelido do autor, amplamente conhecido do público em geral, em um contexto que indicava claramente a sua atividade (criança, em um carro de brinquedo, com um macacão na mesma cor que o autor usava em sua equipe de Fórmula 1), ainda que sem mencionar o seu nome completo, mas levando o consumidor a prontamente identificá-lo”. Isso ensejou a possibilidade reparatória pedida por Rubens Barrichello, mas, por considerar que haviam outros pedidos postos na petição inicial que deveriam ser julgados pelo TJ-SP.

Dos fundamentos do voto do ministro Sanseverino emergem algumas reflexões:

(i) um diálogo com o que há de mais contemporâneo acerca do direito à imagem representando toda a forma de reprodução da figura humana, em sua totalidade ou de forma parcial,[4] ao tutelar a “imagem-atributo – soma de qualificações de alguém ou repercussão social da imagem”,[5] visto que a utilização da imagem para fins publicitários necessita de autorização daquele que terá a imagem exposta,[6] realizando um diálogo entre os fundamentos do julgado e a literatura jurídica citada. O voto reforça a autonomia do direito à imagem como autônomo e desvinculado de qualquer outro direito da personalidade;[7]

(ii) um diálogo com o que há de mais atual acerca da tutela à identidade pessoal (CC, art. 18) significa “o direito de ser identificado por símbolos e signos, principalmente o de ter nome”,[8] com o Min. Sanseverino tendo tutelado o apelido de Barrichello veiculado na citada publicidade lesiva, fato pouco comum nos casos em relação ao nome, normalmente envoltos ao próprio nome e sobrenome.

(iii) o uso devido da imagem e do nome, a rigor, reforça a ideia de exercício regular do direito –no sentido atribuído acima – por aquele que quer realizar uma campanha publicitária de pessoa pública (ou não) deve pedir a sua autorização, pois isso se coaduna com pelo menos três formas de expressão do Direito pátrio, quais sejam, lei (arts. 18 e 20 do CC), decisões do STJ, literatura jurídica, inclusive pela citação expressa do Enunciado 278 CEJ.

(iv) O voto possibilita a tutela de todos os direitos daqueles que estão envoltos no âmbito da relação jurídica, ratificando a correção judicativa da ratio decidendi explanada no voto ora estudado. Há a valorização do papel da literatura jurídica com a sua correta utilização como razão decisória, a demonstrar o quão certo estão aqueles que propugnam a importância dessa forma de expressão do Direito ontem, hoje e no porvir.[9]

(v) O voto ratifica a própria literatura jurídica produzida pelo Min. Sanseverino ao abranger o dano à imagem e ao nome como espécies de danos extrapatrimoniais: “prejuízos sem conteúdo econômico que violam “a esfera existencial da pessoa humana”, a evidenciar “a estreita ligação entre direitos da personalidade e danos extrapatrimoniais”, sempre respeitando as peculiaridades do caso concreto.[10]

Além do mais, o acórdão ora analisado deve servir de norte para as futuras decisões do STJ em matéria similar, porque concretiza a abertura do Direito para os valores ético-políticos delineados pela faticidade jurídica de cada caso concreto, criando, com a decisão que o interpreta, a norma jurídica do caso.[11]

É nesse constante diálogo teórico-prático, beneplacitado pelo acórdão aqui tratado, é que poderemos construir um Direito consentâneo com os problemas que da sociedade emergem, reforçando o sentido, as transformações e os fins do Direito Civil contemporâneo,[12] a tutela concreta dos sujeitos de direito, mormente a pessoa humana em sua plenitude, nos limites e nas possibilidades que cabem ao Direito, que, no caso da reparação de danos materiais e extramateriais deve se dar em respeito, entre outros, ao princípio da reparação integral, muito bem delimitado pelo Min. Sanseverino em sua tese de doutoramento na UFRGS, publicada como livro em 2010.[13]


 

[1] Outra relevante contribuição do Min. Sanseverino no STJ para a consagração do método bifásico de quantificação dos danos extramateriais, com a valorização do caso concreto e da posição jurídica do lesado), como se verifica nos RESPS 1359156; 1493022; 1395250; 1279173; 1197284; 1243632; 1331805; 1152541 e 959780.

[2] STJ – REsp 299.832; REsp 794.586; AgRg no AREsp 148.421/SP.

[3] SILVA, Andréa Barroso. Direito à imagem, o delírio da redoma protetora. In: MIRANDA, Jorge; RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz; FRUET, Gustavo Bonato (Orgs.). Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2012, p. 281-332, p. 302-303.

[4] LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, (capítulo V, item 5.5).

[5] DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 43

[6] CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V. A. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra editora, 1995, p. 254-255.

[7] AMARAL, Francisco. O direito à imagem na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo (Coords.). O Superior Tribunal de Justiça e a reconstrução do direito privado. São Paulo: RT, 2011, p. 349-368, p. 355.

[8] LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, (capítulo V, item 5.5).

[9] O Min. Sanseverino diversas vezes fundamenta seus votos prestigiando a literatura jurídica, além de produzir importantes livros e artigos para a comunidade jurídica como, por exemplo, SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

[10] SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 257, 264 e 270.

[11] CASTANHEIRA NEVES, António. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”, “função” e “problema” − modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do direito. In: SANTOS, Luciano Nascimento (Coord.). Estudos jurídicos de Coimbra. Curitiba: Juruá, 2007, p. 229-268.

[12] FACHIN, Luiz Edson. Direito Civil: sentidos, transformações e fim. Renovar: Rio de Janeiro, 2014.

[13] SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2010.

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