Opinião

Guia do Cade é fonte valiosa para compliance officers

Autores

9 de setembro de 2015, 6h28

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

No último dia 19 de agosto, o Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade) divulgou a versão preliminar de seu Guia de Programas de Compliance. Incentivados por força das disposições contidas na Lei 12.846/2013, a chamada Lei Anticorrupção[1], os programas de compliance tem como objetivo assegurar o cumprimento da legislação de determinada empresa, atuando na mitigação de riscos e minimização de eventuais efeitos. Mais do que isso, um programa de conformidade eficiente busca que todas as pessoas envolvidas pautem sua conduta não só pelo atendimento dos preceitos legais, mas também pelos valores, princípios e objetivos daquela determinada organização.

A adoção de tais programas parece ser essencial para que haja uma verdadeira mudança de paradigma no mercado brasileiro, deixando para trás relações fisiológicas e pouco transparentes até então existentes dando lugar a uma conduta ostensiva de conformidade, onde o negócio limpo, conforme a lei, seja justaposto. Com efeito, tal mudança aqui defendida não é algo aplicável somente ao Brasil. Ela insere em um contexto mundial, uma vez que diversos países, com o auxílio de organismos internacionais, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento econômico (OCDE), estão colocando em prática mecanismos sérios de combate à corrupção. Um exemplo é a recente lei italiana de combate à corrupção, cuja fonte inspiradora é a mesma da brasileira.

A divulgação do Guia do Cade representa um grande passo nesse sentido, uma vez que infrações à concorrência são, na maioria das vezes, o pano de fundo das principais denúncias de corrupção em voga em nosso país. Este é o caso, por exemplo, das denúncias envolvendo o Metrô de São Paulo e, como não poderia deixar de ser, a operação "lava jato".

O interessante, no entanto, é verificar que o guia divulgado pelo Cade, além de frisar a importância de questões fundamentais para o desenvolvimento de um programa de conformidade efetivo, como a relevância da participação e engajamento da alta direção da empresa (o chamado Tone of the top), a necessidade de autonomia do programa (e de quem o gerencia) e o grande valor de treinamentos periódicos, traz disposições importantes sobre práticas violadoras da concorrência e a conduta esperada das empresas, quando se depararem com tais questões.

Dessa forma, por exemplo, ao abordar o tema cartel, define o que se entende por tal prática, apontando os malefícios de tal conduta e as penalidades que determinada empresa envolvida em um cartel está sujeita. Diante disso, o Guia de Programas de Compliance traz reflexões setoriais mais profundas, destacando o fato de que as práticas de conformidade devem ser reforçadas nos treinamentos dos funcionários, já que condutas ditas Hardcore, isto é, provenientes de carteis considerados institucionalizados, mesmo de ilicitude patente, são de menor questionamento pelas autoridades e de fácil assimilação por parte dos colaboradores.

Todavia, esse menor questionamento e essa fácil assimilação, por óbvio, não é algo que acontece diante de práticas que requerem análises econômica e jurídica mais complexa e controversa. As possíveis eficiências que possam mitigar eventuais efeitos competitivos não são facilmente verificáveis mediante a intenção recorrente e duradoura entre as partes cartelistas cuja contrariedade à regulação é evidente.

Portanto, mais do que um mecanismo de incentivo à adoção de um programa de Conformidade, o Guia oferecido à sociedade pelo Cade é uma fonte preciosa de entendimentos e práticas esperadas que deve ser visitado pelos Compliance Officers no momento de revisar e atualizar os programas sob sua responsabilidade.

A versão preliminar deste guia, está disponível para download no site do órgão, e a todos está aberta a possibilidade de apresentar críticas e sugestões ao documento até o dia 18 de outubro de 2015. Contudo, para além de ir ao detalhe das nuanças do referido guia, o objetivo do presente artigo é chamar a atenção para a sedimentação da cultura de compliance em nossas instituições nacionais. O tema, antes restrito àquelas negociações em que uma das partes envolvidas tinha negócios nos Estados Unidos, a partir da regulação americana, está se consolidando no mercado brasileiro e ganhando em especificidade.

Vislumbra-se que a iniciativa do Cade seja seguida por outros órgãos e seja possível, em breve, que abordagens sérias como essa para questões envolvendo a conformidade no esporte, na medicina, nas repartições públicas, etc. Assim, atingindo essa maturidade, propugna-se um ambiente corporativo em que a transparência e o fair play negocial sejam preceitos básicos de nosso mercado o que certamente beneficiará empreendedores, consumidores, toda a cadeia empresarial, enfim, todo o país. A mesma tecla de compliance continua sendo tocada, como mecanismo de anticorrupção, e a ferramenta está nas mãos da sociedade. A governança corporativa especula avanços, mas tudo ainda não passa de propensão!


1 Afirmamos que os programas de compliance foram incentivados pela Lei 12.846/2013 tendo em vista que a existência de um programa efetivo é uma das poucas atenuantes previstas para mitigar a imposição das severas penalidades impostas pela referida legislação. Tal incentivo também pode ser aferido pelo grande interesse do mercado que a área despertou após a edição da Lei. 

Autores

  • é advogado, mestrando em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/FGV).

  • é advogado. Mestrando em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Membro do Conselho Deliberativo do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/FGV).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!