Opinião

STF abre precedente de prazo em dobro para resposta preliminar

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5 de setembro de 2015, 10h31

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu na sessão do dia 1º de setembro que o senador Fernando Collor terá prazo em dobro para que sua defesa possa se manifestar sobre a denúncia oferecida pelo procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, no Inquérito 4112.

O relator do caso, ministro Teori Zavascki, havia concedido 15 dias para resposta da defesa, prazo previsto na Lei 8.038/1990, que trata de procedimento nas ações penais originárias, assim redigido:

Art. 4º Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias.
§ 1º Com a notificação, serão entregues ao acusado cópia da denúncia ou da queixa, do despacho do relator e dos documentos por este indicados.

§ 2º Se desconhecido o paradeiro do acusado, ou se este criar dificuldades para que o oficial cumpra a diligência, proceder-se-á a sua notificação por edital, contendo o teor resumido da acusação, para que compareça ao Tribunal, em 5 (cinco) dias, onde terá vista dos autos pelo prazo de 15 (quinze) dias, a fim de apresentar a resposta prevista neste artigo."

A defesa do senador recorreu da decisão do relator, por meio de agravo regimental interposto, requerendo que, com base no que prevê o artigo 191 do Código de Processo Civil, o prazo constante do art. 4º, parágrafo 1º, da Lei 8.038/1990 fosse contado em dobro. Pediu, ainda, que esse prazo só começasse a contar depois que fosse disponibilizada à defesa cópia integral das mídias digitais que instruem o processo.

Como o prazo para resposta já está correndo, o relator decidiu levar o caso para julgamento pela Turma. O relator votou no sentido de manter sua decisão. De acordo com Zavascki, todo o material pertinente às imputações apresentadas pelo procurador-geral está à disposição da defesa na secretaria do tribunal.

Além disso, não haveria motivo para aplicar analogicamente o disposto o no artigo 191 do Código de Processo Civil, uma vez que não se trata de prazo para recurso nem para contestação, como diz o dispositivo. Para ele, não se trata sequer de citação, mas sim de notificação prévia, “em autêntica fase pré-processual”.

Os ministros concordaram com o relator no sentido de que todo o material ligado à denúncia está à disposição do defensor e que, portanto, não se deve alterar a data em que começou a correr o prazo para resposta da defesa.

O ministro Gilmar Mendes, contudo, abriu a divergência quanto ao voto do relator no que se refere ao prazo para resposta, votando no sentido de deferir o prazo em dobro, ressaltando a importância dessa fase processual, em que se debate de maneira bastante profunda acerca da controvérsia penal. O ministro citou o fato de levantamentos demonstrarem que muitos processos se exaurem nessa fase, no recebimento da denúncia, o que demonstra a importância do direito de defesa nesse momento. Veja o art. 191 do Código de Processo Civil:

"Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos."

O ministro Celso de Mello concordou com o ministro Gilmar. Para o decano da corte, mesmo na fase pré-processual, a defesa pode arguir preliminares e se manifestar sobre o mérito da imputação penal, e o Judiciário pode emitir juízo de absolvição quanto ao mérito. O presidente da Turma, ministro Dias Toffoli, também acompanhou a divergência e destacou que esse entendimento assegura o direito à ampla defesa.

Ora, a prevalecer esta tese, e excluindo-se a possibilidade de privilégios em uma República e em um processo penal democrático, evidentemente que este precedente haverá de ser aplicado, doravante, em todo e qualquer procedimento de natureza penal, afinal de contas, se vale para um senador da República vale igualmente para um traficante de drogas, mesmo porque regra procedimental idêntica está contida na Lei 11.343/06.

Não esqueçamos, e tomara que haja coerência e coragem aos ministros do Supremo Tribunal Federal, “para que haya un proceso penal propio de un Estado de Derecho es irrenunciable que el inculpado pueda tomar posición frente a los reproches formulados en su contra, y que se considere en la obtención de la sentencia los puntos de vista sometidos a discusión”.[1]

Aliás, segundo o ministro Gilmar Mendes,

o direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana. Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (“rechtliches Gehör”) e fere o princípio da dignidade humana ["Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs."] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck , 1990, 1I 18).“ (HC 85294).

Boas notícias!

 


[1] Klaus Tiedemann, Introducción al Derecho Penal y al Derecho Penal Procesal, Barcelona: Ariel, 1989, p. 184.

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