Legislações em contraste

Brasil é laboratório de Direito Comparado, diz eleito para a Academia de Haia

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5 de setembro de 2015, 12h46

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A Justiça brasileira muitas vezes aplica o princípio da boa-fé sem rigor algum, de forma ampla, e o faz mesmo quando existem artigos específicos para julgar o tema. Por outro lado, o Direito Ambiental brasileiro é visto com muita atenção e admiração pelo restante do mundo, por ser difuso, efetivo e colocar em prática conceitos como a responsabilidade civil das empresas e a responsabilidade objetiva.

Essas são algumas das observações que o advogado Luiz Fernando Kuyven fez ao participar como ouvinte de congressos da Academia Internacional de Direito Comparado de Haia. Agora, porém, o jurista poderá também falar, já que foi eleito para integrar a instituição, um das mais importantes do mundo no estudo do Direito.

“O Brasil hoje é um laboratório de Direito Comparado, pois é um sistema que nasceu puramente europeu, mas que com o tempo passou a absorver conceitos norte-americanos de common law e civil law. A gente é um laboratório, com essa mistura de influências que cada imigrante trouxe. E essa singularidade tem chamado a atenção dos juristas internacionais, eles têm se mostrado bastante interessados”, afirmou Kuyven, em entrevista à revista Consultor Jurídico.

Com doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialização em direito comparado pela Faculté Internationale de Droit Comparé (França), Kuyven teve uma forte aproximação com o mundo jurídico internacional ao dar aulas na Universidade de Paris e de Estrasburgo. Além disso, de 2006 a 2009, foi consultor jurídico do Parlamento Europeu. Atualmente, é sócio do escritório Carvalhosa e Eizirik Advogados e professor na Universidade Mackenzie.

“Não sei quem apresentou meu nome para a eleição, se foi algum colega brasileiro ou francês, já que dei aula nos dois países. Uma vez apresentado o nome, os membros votam e são cerca de 500 juristas que formam a academia. Ela é composta por professores e juízes de cortes internacionais, como a Interamericana de Direitos Humanos e a Europeia de Direitos Humanos”, diz o professor. O mandato da academia é vitalício, e o próximo evento oficial é um congresso em Montevidéu no ano quem vem. Em 2018, o Japão irá sediar um congresso geral de mais de sete dias.

Kuyven terá a companhia de alguns conterrâneos na academia. A mais ilustre é a de Luiz Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal. Além deles, formam a ala brasileira os advogados Gustavo Tepedino, Arnoldo Wald, Luiz Olavo Baptista e Véra Maria Jacob de Fradera. “Essa presença brasileira passou a trazer boas ideias e está arejando um pouco o nosso Direito.”

Leia a entrevista:

ConJur – O Brasil já possui importantes juristas como membros da Academia Internacional de Direito Comparado. Essa presença brasileira na instituição já refletiu em alguma mudança de pensamento jurídico no país?
Luiz Fernando Kuyven –
O Brasil tem sabido se aproveitar bem desses conhecimentos e isso levou o país a avançar em alguns setores. Ajudou a ratificar algumas convenções que estavam paradas, como a Convenção de Viena, sobre compra e venda internacional, e a Convenção de Nova York, sobre arbitragem. Muito disso é por causa desse intercâmbio que temos tido com acadêmicos de outros países.

ConJur – Nos primeiros congressos dos quais irá participar como membro efetivo, quais temas pretende levar para a discussão na academia?
Luiz Fernando Kuyven – Eu trabalho muito com Direito Societário aqui no Brasil e aqui temos muitas peculiaridades em matéria societária. Em alguns congressos internacionais eu levo temas dessa área e surpreende muita gente. Então quero expor isso para tentar resolver os problemas que temos por aqui nessa área. Refletir e debater para achar soluções que internamente não estamos conseguindo achar. Mas eu vou mais para ouvir.

ConJur – Como os juristas internacionais veem o Direito brasileiro? O que eles apontam como aspectos ruins?
Luiz Fernando Kuyven – Em um congresso ao qual fui, lembro-me que criticaram a questão da boa-fé no Brasil. Foi conversado como se aplica aqui esse princípio, que ele é utilizado de forma muito ampla, sem qualquer limite, nos temas mais variados. Enquanto que no restante do mundo a boa-fé é um meio de interpretação quando há uma lacuna, aqui não. Mesmo quando a gente tem um artigo específico, jogamos a boa-fé em cima para dar uma reforçada. A nossa jurisprudência aplica a boa-fé tanto do ponto de vista francês, quanto alemão, quanto americano em causas iguais.

O interessante é que nós trouxemos conceitos de fora, caso da boa-fé, mas muitas vezes fazemos uma aplicação que não corresponde com o que foi pensado no sistema de origem. É bom a gente escutar os professores, porque muitas vezes foram até eles mesmo que criaram essas regras lá fora, para saber qual era realmente a finalidade e disciplinar a aplicação no Brasil.

ConJur – E boas práticas?
Luiz Fernando Kuyven – No Congresso Geral que teve em Viena em 2014, o Direito Ambiental do Brasil foi um tema que interessou muito os participantes de outros países. A forma como ele tem sido efetivo foi muito elogiada, pois tem sido aplicado. É um direito difuso, um sistema que eles não estão ambientados, que fala sobre a responsabilidade civil das empresas e responsabilidade objetiva. Tudo isso são coisas que mesmo para países avançados são novidades. Falou-se também da expansão da arbitragem no Brasil, que é um país que está respeitando muito as decisões arbitrais, principalmente o STJ [Superior Tribunal de Justiça]. 

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