Direito Comparado

Como se produz um jurista? O modelo colombiano (Parte 31)

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

28 de outubro de 2015, 19h58

Spacca
Evolução da educação jurídica colombiana
O Colégio Maior de Santa Fé de Bogotá teve seu funcionamento autorizado por el rey D. Filipe IV, o penúltimo dos monarcas espanhóis da Casa de Habsburgo. Nessa instituição ministraram-se aulas de Direito para os filhos da elite colonial. A matriz curricular do período estruturava-se no Direito Romano, no Direito Canônico e nas “Interpretações”, com objeto de estudo muito peculiar: teologia e sentenças latinas.[1]

Nos tempos da Casa de Bourbon, que sucedeu no trono aos austríacos após a sangrenta Guerra de Sucessão Espanhola, a Ilustração reverteu a ascendência religiosa sobre a formação jurídica e o Reino de Granada, o nome de parte do território correspondente à Colômbia moderna, secularizou a “matriz curricular” (ou plano de estudos, na linguagem colombiana). É desse período a marcante “proliferação de normas jurídicas, o tratamento casuístico da lei, pelas contínuas reformas seguidas de dezenas de recopilações e codificações que tornavam dificultosa a aplicação da lei exata para um caso determinado e fomentavam o descumprimento das leis”. De modo chistoso, dizia-se que “se obedece, mas não se cumpre”.[2]

Fora das universidades, no entanto, em tertúlias e em grupos literários, bem assim pela aquisição pessoal de livros e a formação de bibliotecas particulares, nasceu o espírito independentista, que contagiaria boa parte da elite colonial colombiana. Um dessas tertúlias era organizada por Antonio Nariño, futuro líder pró-independência e cujo sobrenome serve para designar a sede do Executivo colombiano. Nesses espaços, começou-se a formar a clivagem da elite colombiana entre liberais e conservadores, aqueles ligados aos maçons e estes últimos à Igreja Católica.[3]

No período republicano, a conformação das matrizes curriculares dos cursos jurídicos foi objeto de influência permanente dos titulares do poder central na Colômbia. A Lei sobre a Organização da Instrução Pública de 1826, baixada pelo presidente Francisco de Paul Santander, prócer da independência colombiana, previa as seguintes disciplinas para o curso jurídico: Legislação Universal; Direito Constitucional; Ciência da Administração e do Estado; Direito Civil Romano e Civil Nacional; Econômica Polícia e Estatal; e Direito Internacional.[4]

No final do século XIX até a década de 1930, houve diversas reformas universitárias, as quais refletiram as alterações no cenário político-ideológico na Colômbia, especialmente com o período de poder liberal. Um exemplo dessas mudanças está no Decreto 369, de 28 de março de 1906, que altera o nome do curso jurídico de “Direito e Jurisprudência” para “Faculdade de Ciências Jurídicas Sociais”, no âmbito da Universidade Nacional da Colômbia. O currículo agora se comporia de Direito Romano, Direito Civil, Direito Penal, Direito Processual, Direito Internacional, Direito Comercial, Direito Administrativo, Economia Política e Filosofia do Direito.[5] Em paralelo, a Universidade Externato da Colômbia, uma instituição privada, surgia como uma alternativa inovadora na formação do currículo do curso de Direito.[6]

As mudanças do período de 1930-1990 implicam-se com as transformações sociais do país, especialmente com a reação ou a assimilação dos levantes populares, da aliança das elites contra a formação de um estado ditatorial militar e o combate às guerrilhas. O marco da Constituição de 1991 foi relevante como divisor de águas, na medida em que constitucionalizou a noção de autonomia universitária como um princípio, embora isso tenha coincidido com a explosão do número de cursos jurídicos no país.[7]

Cursos jurídicos pós-1990: qualidade, privatização e ampliação
A virada dos anos 1980 para a década de 1990 não veio desacompanhada de uma intensa transformação no número de cursos jurídicos colombianos: em 1989, havia 37 faculdades de Direito e, no ano de 1999, chegava-se a 66 faculdades.  Ainda em 1992, o número de bacharéis em Direito na Colômbia era de 90 mil pessoas, o maior da América Latina à época.[8]

Essa expansão dos cursos jurídicos deu-se em bases muito semelhantes a que ocorreria no Brasil na segunda metade da década de 1990: a) baseou-se na iniciativa privada; b) trouxe consigo uma expansão regional; c) implicou uma queda sensível na qualidade média do egresso, que procuraria suprir as lacunas de formação com cursos de pós-graduação em instituições de elite; d) o ingresso deixou de ser uma questão de mérito. A reação a isso veio as administrações de Andrés Pastrana (1998-2002) e Álvaro Uribe (2002-2010), que, por meio de decretos, criaram padrões de qualidade para os cursos de graduação em Direito, bem como requisitos mínimos para a oferta de cursos superiores.[9]

A realidade atual dos cursos jurídicos colombianos é bastante ambígua. De acordo com o QS Wolrd University Ranking, organizado pela consultoria Quacquarelli Symonds (QS), do Reino Unido, com dados de 2015, as dez melhores faculdades de Direito da Colômbia são as seguintes: 1) Universidad de los Andes (7ª na América do Sul; 262ª no mundo); 2) Universidad Nacional de Colombia (13ª na América do Sul; 316ª no mundo) 3) Universidad de Antioquia (27ª na América do Sul; 501ª no mundo); 4) Pontificia Universidad Javeriana (27ª na América do Sul; 347ª no mundo); 5) Colegio Mayor de Nuestra Senora del Rosario (46ª na América do Sul; 701ª no mundo); 6) Universidad de la Sabana (54ª na América do Sul; 701ª no mundo); 7) Universidad del Valle (61ª na América do Sul; 701ª no mundo); 8) Universidad Externado de Colombia (66ª na América do Sul; 701ª no mundo); 9) Universidad EAFIT (69ª na América do Sul; 701ª no mundo); 10)  Universidad del Norte (80ª na América do Sul; 701ª no mundo).[10]

Nessa classificação, há instituições públicas e privadas, embora haja preponderância dessas últimas de entre as melhores. 

A melhor do país, a Universidade de los Andes, é uma pessoa jurídica de Direito Privado, fundada em 1948, e seu curso jurídico data de 1968, contando hoje com 1.033 alunos na graduação e 307 na pós-graduação (um doutorado, seis mestrados e sete especializações). Nesse grupo também está a Pontificia Universidad Javeriana, uma instituição católica, fundada em 1607 pela Companhia de Jesus e por esta mantida até hoje. A Universidad del Rosario, cujo nome oficial é Colegio Mayor de Nuestra Senora del Rosario, é outra universidade católica, fundada em 1653. Sua faculdade de Direito tem o nome à italiana: Facultad de Jurisprudencia.  A Universidad Externado de Colombia, igualmente privada, foi tratada na coluna anterior (http://www.conjur.com.br/2015-out-14/direito-comparado-produz-jurista-modelo-colombiano-parte-30) e é uma das mais prestigiadas faculdades de Direito colombianas no plano internacional.

As instituições públicas são representadas pela Universidad Nacional de Colombia, fundada em 1867, cuja faculdade de Direito foi criada formalmente em 1867, embora só tenha iniciado suas atividades em 1869.  Seu nome oficial é Faculdade de Direito, Ciências Políticas e Sociais, com oferta de duas graduações, uma em Direito e outra em Ciência Política. O curso possui nove mestrados em Direito, um em Políticas Públicas e um em Estudos Políticos Latino-americanos, além de dois doutorados (Direito e Estudos Políticos e Relações Internacionais). A Universidad de Antioquia é outra instituição pública, fundada em 1803, cujo curso de Direito foi criado em 1827 por decreto do presidente Simón Bolívar.

A preponderância de universidades privadas de qualidade é uma característica colombiana e resultou de investimentos eclesiais e de setores da elite nacional em prol da criação de ilhas de excelência, ao passo em que essa disparidade se acentuou com a instabilidade política e econômica dos anos 1980-1990.

A estrutura da educação superior colombiana
As universidades colombianas dividem-se em públicos e privados. As instituições públicas dividem-se em “estabelecimentos públicos” e em “entes universitários autônomos”, gozando estes últimos de autonomia para contratação de servidores, regime especial remuneratório e maior liberdade no trato orçamentário, além de não se vincularem a órgãos estatais. As universidades privadas organizam-se como pessoas jurídicas de utilidade pública, sem ânimo de lucro, com natureza fundacional ou corporativa, bem as pessoas de “economia solidária”, ainda por serem regulamentadas.[11]

De modo muito semelhante ao Brasil, a educação superior na Colômbia divide-se em títulos de graduação e de pós-graduação. Nesta segunda espécie, encontram-se as especializações, os mestrados e os doutorados.[12]

O ingresso na universidade colombiana dá-se após a conclusão do ensino médio e posterior aprovação no Exame de Estado, uma espécie de Enem cumulado com vestibular, de responsabilidade do ICFES (Instituto Colombiano para la Evaluación de la Educación). O aluno aprovado nessa etapa recebe o título de Bachiller, traduzível literalmente por “bacharel”, mas que não tem o sentido do vocábulo em língua portuguesa. Por sua vez, só é possível ingressar na pós-graduação depois de concluído a graduação e, por consequência, para o ingresso no doutorado é necessário ter o grau de mestre.[13]

O custo de um curso de Direito
Fazer a graduação em Direito em uma universidade colombiana de qualidade exige um investimento significativo para os padrões locais. Veja-se abaixo uma tabela de valores de anuidades, com referência a 2014, consideradas as 6 mais caras e as 6 mais baratas:[14]

a) Maiores anuidades: 1) Universidad de Los Andes, 13.144.000 pesos colombianos (equivalentes a R$ 17.566,17 ou a US$ 4.494,26); 2) Universidad del Rosario,  9.710.000 pesos colombianos (equivalentes a  R$ 12.976,84  ou a US$ 3.320,09); 3) Universidad Javeriana – Sede Bogotá,  8.721.000 pesos colombianos (equivalentes a R$ 11.655,10 ou a US$ 2.981,92); 4) Universidad Sergio Arboleda – Sede Bogotá, 8.600.000 pesos colombianos  (equivalentes a R$ 11.493,39 ou US$ 2.940,55); 5) Universidad de La Sabana, 8.210.000 pesos colombianos (equivalentes a R$ 10.972,17   ou a US$ 2.807,20); 6) Universidad Externado de Colombia, 7.180.000 pesos colombianos (equivalentes a R$ 9.595,64 ou a US$ 2.455,02).

b) Menores anuidades: 1) Corporación Universitaria Antonio José de Sucre,           1.316.932 pesos colombianos (equivalentes a R$ 1.760,00   ou a US$ 450,29); 2) Universidad Cooperativa de Colombia – Sede Montería, 1.723,046 pesos colombianos (equivalentes a R$ 2.302,75 ou a US$ 589,15); 3) Universidad Cooperativa de Colombia – Sede Cartago, 1.935.438 pesos colombianos (equivalentes a R$ 2.586,60    ou a US$ 661,77); 4)  Universidad Cooperativa de Colombia – Sede Montería, 1.723.046 pesos colombianos (equivalentes a R$ 2.302,75  ou a US$ 589,15); 5) Universidad Cooperativa de Colombia- Sede Quibdó,         1.967.605 pesos colombianos (equivalentes a R$ 2.629,59   ou a US$ 672,77); 6) Corporación Universitaria Americana, 1.997.320 pesos colombianos (equivalentes a R$ 2.669,30  ou a US$ 682,93).

***

Na próxima coluna, dar-se-á sequência ao estudo da formação jurídica na Colômbia, com ênfase na matriz curricular e na carreira docente.

 


[1]LEGUIZAMÓN ACOSTA, William. Enseñanza del derecho y formación de abogados en la Nueva Granada: 1774–1842.  Revista Histpria de la Educación Colombiana. n. 8, pp. 135-154, 2005. p. 140.

[2]LEGUIZAMÓN ACOSTA, William. Op. cit. p. 142.

[3] LEGUIZAMÓN ACOSTA, William. Op. cit. p. 149.

[4] LEGUIZAMÓN ACOSTA, William. Op. cit.p. 152.

[5] GOYES MORENO, Isabel.  La Enseñanza del Derecho en Colombia 1886 – 1930. San Juan de Pasto: Editorial Universitaria – Universidad de Nariño, 2010. p.165-170.

[6] GOYES MORENO, Isabel.  Op. cit. p.424.

[7] MONROY CABRA, Marco Gerardo. Reflexiones sobre la enseñanza del derecho en Colombia. Estudios Socio-Jurídicos. v.1, n.1, p. 162-180, 1999. p.166.

[8]  MONROY CABRA, Marco Gerardo. Op. cit. 168.

[9] OCAMPO CANTILLO, Jhon Jairo. Estudio documental sobre la enseñanza del derecho. Memorias, v.10, n.18, p.148-158, 2010. p.152.

[11] Disponível em: http://www.mineducacion.gov.co/1621/w3-article-231240.html. Acesso em 27-10-2015.

[13] Disponível em: http://www.mineducacion.gov.co/1621/w3-article-235581.html. Acesso em 27-10-2015.

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    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

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