Opinião

Conselho Nacional de Justiça e Judiciário precisam afinar seus diagnósticos

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19 de outubro de 2015, 6h16

O saudoso economista Roberto Campos cunhou, em tom jocoso, o aforismo “As estatísticas são como o biquíni: o que revelam é interessante, mas o que ocultam é essencial”. Ao caso da Justiça, amolda-se como uma luva à sua realidade.

O Conselho Nacional de Justiça lançou em 14 de setembro o Justiça em Números 2015, com base de dados de todo Judiciário de 2014, ferramenta essencial para o diagnóstico do Poder Judiciário e orientação para as soluções futuras, visando a diminuição da morosidade e maior eficiência deste Poder da República. O relatório mostrou a ausência de quase 5 mil juízes (-22%) nos quadros da magistratura brasileira (federal, trabalhista, estadual e militar), o aumento da eficiência da Justiça e a iminente marca histórica dos 100 milhões de processos em tramitação, entre outros dados estatísticos relevantes.

Isto indica que estamos longe da excelência do serviço prestado, mas no caminho certo do diagnóstico e do tratamento para os males atuais do Judiciário. No entanto, há algumas incongruências no relatório apresentado, as quais, apesar de não anularem o ardoroso trabalho de mapear e entender o Poder Judiciário brasileiro, diminuem a credibilidade dos números apresentados.

Exemplo disso é o propalado tamanho do estoque de processos em tramitação (100 milhões). Nesta conta, o CNJ incluiu os processos que se encontram suspensos e que não podem ser julgados ou baixados. É o caso de processos de execução fiscal, nos quais houve parcelamentos ainda em andamento, ou estão sobrestados por não localização do devedor ou seus bens, ou mesmo processos aguardando decisões das Cortes Superiores em recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça ou de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal.

Em todo Tribunal Regional Federal da 3ª Região — 1º e 2º graus, por exemplo, havia em tramitação 2,6 milhões de processos ao final de 2014, conforme o relatório. Porém, cerca de 1,02 milhão destes processos (38%) estavam suspensos da tramitação pelos motivos acima indicados, fato que impediu o julgamento ou a baixa.

Por outro lado, o IPC-jus, índice que calcula a eficiência de cada Seção Judiciária, Comarca ou Tribunal, considerou como “variável estatística” a tramitação em curso de processos pendentes de julgamento e a respectiva capacidade de julgá-los e baixá-los, motivo pelo qual não deveriam ser contabilizados no cálculo como “processos pendentes de julgamento”. Mas foram e isto criou distorções conflitantes, tal como ficou comprovado com a avaliação da Justiça Federal no Mato Grosso do Sul, a qual ganhou em agosto de 2015 o prêmio nacional como a 3º mais produtiva Seção Judiciária da Justiça Federal, prêmio entregue pelo Conselho da Justiça Federal em Brasília, mas avaliada pelo relatório do CNJ como a menos eficiente Seção Judiciária da Justiça Federal, com apenas 28,7% de eficiência em relação à melhor Subseção Judiciária brasileira. A conclusão do relatório às fls. 302 foi fulminante: “A Seção Judiciária do Mato Grosso do Sul localiza-se no quadrante de menor desempenho (baixa produtividade e alta taxa de congestionamento) e distante da linha de eficiência.”

Outra distorção detectada é a taxa de congestionamento do 1º grau da Justiça Federal da 3ª Região, na qual se inclui a Seção do Mato Grosso do Sul, indicada como a mais congestionada da Justiça Federal, com taxa de congestionamento em 77% (indicador que compara o que não foi baixado com o que tramitou durante o ano-base, ou seja, a soma dos casos novos e dos casos pendentes iniciais).

Porém, para este cálculo foram considerados “em tramitação” e “pendentes de julgamento” cerca de 1 milhão de processos suspensos/sobrestados, ou seja, 43% do total dos 2,3 milhões indicados no relatório, o que contamina a conclusão do congestionamento e altera significativamente a produtividade e eficiência deste ramo da Justiça.

Apenas para comparação, no 2º grau do TRF-3, os processos suspensos são apenas 19 mil (6% do total), fato que não contaminou de forma determinante o cálculo e proporcionou a correta avaliação como altamente eficiente e produtivo. Estas incongruências também se repetem nos demais tribunais brasileiros e demonstram o distanciamento das conclusões do relatório com a realidade do estoque de processos.

O que não se mostrou até o presente momento, de fato, é o tempo de tramitação em dias (length of procedure) de cada classe processual em cada instância, no ensejo de se comparar e verificar o que causa morosidade em cada vara e gabinete de corte. O CNJ europeu faz isso há anos e aponta o tempo de tramitação de cada espécie de ação (CEPEJ-The European Commission for the Efficiency of Justice em www.coe.int – rule of law).

Porém, no Brasil é comum constatar-se em processos criminais o longo tempo entre o fato e o oferecimento da denúncia, por problemas exclusivos da polícia judiciária, como também é comum a demora no cumprimento de cartas precatórias para oitivas de testemunhas em localidades em que não há juízes lotados ou há excesso de trabalho que alongam a pauta de audiências do juízo deprecado, como também é comum a demora nos julgamentos de recursos das Cortes Superiores. Isto deságua invariavelmente na impunidade pela prescrição ou no excesso de réus presos sem julgamento final.

Na classe processual das execuções fiscais há estudo realizado pela Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), onde se detectou que o tempo médio da ação de execução fiscal é de oito anos de tramitação judicial, sendo que a citação leva em média 1.920 dias (cerca de 5 anos) e caracteriza-se como uma das maiores causas da morosidade na Justiça, com reflexos nas demais causas, pois se utiliza da mesma estrutura judiciária. Atualmente, ações de execução fiscal representam cerca de 50% do volume de processos em tramitação em todo o Judiciário brasileiro (contabilizados como processos pendentes de julgamento).

Porém, somente 1/3 das ações propostas terminam em pagamento e 2/3 não encontram os devedores ou seus bens, segundo conclusões do IPEA. Por conta do excesso de demanda, principalmente oriunda da execução fiscal, o custo anual da Justiça brasileira está em torno de 1,2% do PIB, um dos mais caros do mundo, e aumentando a cada ano, considerando que 90% do orçamento é destinado para custeio da folha de pagamento dos servidores (Justiça em Números 2015 – CNJ).

No entanto, os grandes devedores da Fazenda Nacional são apenas 18.729 devedores em todo o país, mas representam 60% de todo o crédito inscrito e ajuizado, qual seja, R$ 1,25 trilhão (www.pgfn.gov.brPGFN em números 2015). A proporção entre grandes devedores em Brasília-DF, por exemplo, nas varas federais de execuções fiscais, se repete Brasil afora nas varas de execuções fiscais mais importantes do país, segundo informações da PGFN: apenas 3% dos processos de uma vara de EF são de grandes devedores (206 devedores em 742 ações, com 3,4 bilhões de crédito por vara federal de execuções fiscais em Brasília) que representam cerca de 60% do crédito executado na vara. Os outros 97% dos processos (20.545 processos em média por vara) versam sobre 14,5 mil devedores por vara, cujo crédito é cerca de R$ 2,1 bilhões por vara neste grupo.

Mas, por ausência de planejamento, dá-se o mesmo tratamento aos processos de EF entre pequenos e grandes devedores, enquanto que o resultado disso é que 2/3 dos atos processuais não resultam em qualquer efetividade ou resultado. Servem apenas para manter a formalidade processual judicial. Execuções fiscais que não resultam em pagamento atravancam o processamento dos demais processos em varas de competência plena, causando mais fonte de morosidade a todo o sistema judiciário, além de aumentar os custos do processamento (90% do valor é relacionado com salários de servidores e boa parte disto é gasto com atos sem resultado prático algum).

Enfim, o CNJ e o Judiciário precisam afinar seus diagnósticos e seguirem juntos na busca de soluções para os problemas da Justiça, utilizando-se principalmente das experiências, conhecimentos e dedicação dos juízes da primeira instância que vivenciam mais de perto a realidade do Judiciário, instância que concentra a grande maioria dos problemas e processos em tramitação.

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