Aula de civilidade

Cidade da Carolina do Sul cria tribunal que educa em vez de punir

Autor

19 de outubro de 2015, 6h39

Charleston, na Carolina do Sul, é a “cidade mais gentil e hospitaleira” dos Estados Unidos, de acordo com a revista Southern Living. Ganhou o prêmio de “Cidade mais amigável dos EUA” da revista Travel + Leisure, em 2011 e 2013, e da revista Condé Nest Traveler, em 2014.

Foi em Charleston que nasceu o primeiro tribunal do país que educa, em vez de punir. Criou tribunais que se dedicam a promover a qualidade de vida na cidade. Várias cidades do estado estão copiando o modelo, segundo o Jornal da ABA (American Bar Association).

Esses tribunais que, tipicamente, são fóruns de resolução de problemas, não lidam com crimes graves, obviamente. Mas evitam enviar pequenos infratores para a cadeia, tentando resolver problemas ou conflitos através de uma “abordagem pedagógica”, segundo o juiz Michael Molony, que liderou a criação do programa.

Os tribunais lidam com pequenos delitos, brigas de vizinhos, rixas, encrencas com donos de cachorro que latem durante a noite, estudantes que fazem festas barulhentas até de madrugada, perturbações da ordem, dilapidação de propriedade, violação de códigos, problemas de licença, mal comportamento em público, menores que consomem bebidas alcoólicas, problemas no trânsito, etc.

A ideia é impedir que esses conflitos evoluam e resultem em crimes mais graves. Na audiência, o juiz avisa, desde logo, que vai dispensar um julgamento para definir culpados e não culpados, em troca de uma possível resolução.

O problema é identificado e avaliado, o que precisa ser feito é discutido e os “implicados” são submetidas a uma “aula de civilidade” (em alguns casos, um sermão). Depois o juiz busca a um comprometimento da parte “responsabilizada” pelo problema, delito ou mal comportamento.

O caso termina aí, de certa forma. Na verdade, diz Molony, é como se o juiz decidisse pela suspensão condicional da pena. Tudo fica devidamente registrado. Se houver reincidência, o caldo certamente vai engrossar.

Mas, segundo ele, a reincidência é muito baixa e o sucesso do programa já está comprovado. O resultado beneficia os supostos “réus”, mas beneficia também a cidade e seu sistema penitenciário.

“Na maioria dos casos, as pessoas estão dispostas a cooperar. Em alguns casos, elas sequer têm noção do peso do problema que criaram, até que ele seja discutido no tribunal. No final, estabelecemos um prazo para que o problema seja resolvido”, ele disse ao jornal. Em alguns casos, o juiz não dispensa o pagamento de uma multa.

Exportação e origem
O modelo está se espalhando pelo estado, com algumas variações em algumas cidades. Em Florence, por exemplo, advogados foram convidados a servir como juízes.

Esses tribunais seguem um modelo, bem mais antigo, das escolas de trânsito, que funcionam em alguns estados americanos. Nesses estados, um infrator das leis de trânsito pode ir a um tribunal e trocar uma multa por excesso de velocidade ou de desrespeito ao sinal vermelho, geralmente de US$ 250 ou mais, por uma dia na escola de trânsito, que custa de US$ 15 a US$ 40.

As principais “vítimas” das escolas de trânsito são estrangeiros, recém-chegados nos EUA, que ainda não se adaptaram às regras do país. São oito horas de aula – quatro de manhã e quatro de tarde – ouvindo um “doutrinador” e assistindo a vídeos de bom comportamento no trânsito: um convite irrecusável para nunca mais furar sinal vermelho ou exceder o limite de velocidade. Escola de trânsito, nunca mais. É uma tortura.

Com a maior população carcerária do mundo, problemas de superlotação e de custos, todo o sistema judiciário vem se empenhando para, pelo menos, melhorar esse quadro. Em sua ponta, os juízes têm usado a criatividade para esvaziar, tanto quanto podem, as cadeias e penitenciárias.

O estado de Michigan deu um bom exemplo. O Judiciário criou tribunais “alternativos” que, em vez de punir, procuram identificar e tratar o problema que levou o réu a ingressar no sistema de Justiça Criminal.

Cada tribunal tem uma equipe multidisciplinar, formada por juiz, promotor, assistente social, psicólogo, psiquiatra, etc., que trabalham na recuperação de criminosos não violentos, dando-lhes apenas duas opções: se recuperar ou ir para a prisão. Muitas vezes, as pessoas são encaminhadas a uma instituição que as ajudam a se recuperar.

Também são conhecidos como “tribunais de resolução de problemas”. Em Michigan, foram criados 164 unidades – entre eles, tribunais de narcóticos, tribunais da sobriedade, tribunais da saúde mental, tribunais juvenis, tribunais de veteranos de guerra, tribunais de violência doméstica, tribunais da pensão alimentícia, tribunais do bebê e tribunais tribais.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!