Garantias em choque

Sigilo em imagens de vigilância opõe transparência e direito à intimidade

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17 de outubro de 2015, 9h39

O sigilo imposto pela prefeitura de São Paulo para as imagens captadas pelas câmeras de monitoramento do município coloca em rota de colisão duas garantias dos cidadãos: o acesso a informações públicas e o direito à intimidade. A informação foi divulgada pela Folha de S.Paulo, que pretendia obter acesso às gravações das câmeras na região da cracolândia, no centro de São Paulo. A medida da prefeitura, no entanto, foi revogada após a repercussão gerada pela reportagem.

A solicitação do jornal foi feita com base na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), mas a negativa foi baseada na mesma norma. A prefeitura havia classificado as imagens como “reservadas”, grau mínimo de sigilo previsto pela lei e que estabelece o limite de cinco anos para a restrição de acesso. A justificativa dada pelo município na ocasião foi a preservação da individualidade e a segurança dos cidadãos. 

O delegado da Polícia Civil do Paraná e professor Henrique Hoffmann afirma que a lei não prevê o direito à intimidade como hipótese para classificação de sigilo. Ele cita o artigo 23 da Lei de Acesso, segundo o qual podem ser classificadas como sigilosas as informações com potencial de prejudicar, por exemplo, a defesa nacional, as investigações criminais, as relações internacionais do país, a saúde e segurança da população, a estabilidade econômica do país, ou as pesquisas científicas.

“A intimidade e a vida privada não são exceções para negar acesso à informação. Estamos falando de imagens de vias públicas, em que a regra é a publicidade do material, diferentemente das informações pessoais, estas protegidas pelo artigo 31 da lei”, diz o delegado. Ele explica que a restrição de acesso a imagens só vale, em princípio, para os circuitos de vigilância em locais privados. Nesses casos, o acesso só é franqueado às autoridades para a investigação de crimes, por exemplo.

O jurista e professor Lenio Streck discorda. A transparência deve servir para expor os atos do Estado, e não do cidadão, explica. “Não podemos criar uma tirania sobre a intimidade do indivíduo. Não podemos, em nome da segurança ou outras razões de estado, fulminar o que nos resta de liberdade individual”, afirma, antes de acrescentar que essas imagens só podem ser requisitadas de forma fundamentada.

Ele cita como exemplo o caso das interceptações telefônicas. “Eu só posso admitir uma invasão da esfera da privacidade do cidadão a partir de uma violação maior, que é uma questão criminal. Isso não é para qualquer crime. Não pode valer para o furto, por exemplo. Se até nisso nós temos um olhar cuidadoso, não é com esse estado de vigilância que todos os atos do cidadão não podem ser preservados pela autoridade."

Streck alerta para risco de criação do que define como “novo panóptico”, em referência ao sistema de vigilância total criado por Jeremy Bentham no século XIX em que um único guarda era capaz de vigiar todos os detentos de uma prisão. “Hoje isso é mais perigoso porque tudo é vigiado. Quem é a favor do panóptico é utilitarista; quem é utilitarista é consequencialista. Logo, admite que os fins justificam os meios, algo que não se permite no Estado Democrático de Direito.”

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