Olhar Econômico

A Uber, minimamente regulamentado, favorece a livre concorrência

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

15 de outubro de 2015, 8h00

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]O corporativismo, inato aos grupamentos humanos, tem tido presença crescente na atualidade, a ponto de menosprezar e tentar impedir a disseminação de inovações tecnológicas que melhorem o nível da prestação de serviços, mormente daquelas que rompem padrões assentes. Constituem-se em bons exemplos de modelos disruptivos ou inovadores, os aplicativos que se servem da economia compartilhada, Whatsapp, Air BnB e Uber, e que vem convulsionando, respectivamente, os mercados de troca de mensagens, de hotelaria e de serviços de transporte individual privado de passageiros.

Surgida em 2009, em São Francisco, USA, a Uber é uma empresa que, por meio de plataforma disponível pela internet, põe em contato passageiros e motoristas profissionais particulares. Startup com valor de mercado de cerca de 40 bilhões de dólares americanos é acessível, atualmente, em mais de 50 países e 270 cidades.

É grande a polêmica sobre a utilização do aplicativo da Uber, cuja solução passa, obrigatoriamente, pelo exame da realidade, longe do calor das discussões das partes interessadas.

Em suma, são os seguintes os argumentos em prol dos taxistas:

  • ser ilegal a utilização do aplicativo por propiciar o transporte clandestino e não autorizado de passageiros;
  • tratar-se de concorrência desleal, por não estarem os credenciados da Uber sujeitos a regulamentação e ao pagamento de impostos;
  • favorecer o exercício ilegal da profissão de taxista por parte de motorista particular; e
  • não ser o serviço da Uber tão diferenciado e barato como se propala.

Já do prisma dos credenciados pela Uber alega-se que:

  • se trata de serviço de natureza distinta da do serviço de táxis, pelo fato de ser empresa de tecnologia, que liga usuários e motoristas, não proprietária de veículos;
  • diz respeito a serviço que a lei não define como serviço público, nem se constitui em serviço privado dependente de autorização do poder público, por ausência de definição legal;
  • concerne a serviço ainda não objeto de regulação pelo ordenamento jurídico brasileiro;
  • é serviço de transporte privado individual, que prescinde de regulamentação para ser oferecido, inclusive por força do princípio da livre iniciativa, inscrito no caput do artigo 170 da Constituição em vigor, não sendo suscetível de ser impedido, administrativa ou judicialmente, pelo fato de ainda não ter sido regulamentado;
  • proporciona serviço mais desejado, por ser adequado e barato aos consumidores;
  • a ausência de legislação específica não implica ipso facto em ilicitude;
  • por não serem proibidos, os serviços em tela não são ilegais;
  • não possuem benefícios conferidos aos taxistas, como isenção de impostos na compra de veículos etc.; e
  • melhora a competição.

A livre concorrência figura entre os princípios inscritos na vigente Constituição brasileira (artigo 170, inciso IV), sendo benéfica para a economia e para o consumidor. No âmbito econômico, o transporte de passageiros nos limites de uma localidade implica a questão conhecida como assimetria de informação: os passageiros desconhecem os trajetos ideais, enquanto que os motoristas não possuem informações sobre seus clientes. Essa assimetria, de um lado, e as externalidades negativas que podem ser geradas pela ausência de controle (falta de segurança, poluição demasiada etc.), de outro, justificam a necessidade de regulação por parte da autoridade competente, no caso do Brasil, o município. Essa regulação, que deve ser mínima e em favor da concorrência, tem o condão de diminuir os custos de transação e minimizar a assimetria de informação.

No que tange às reações contra o aplicativo Uber, em alguns países, assim como no Brasil, nota-se o cometimento de atos de força, tipificados como crime, por parte de oponentes organizados! Ações dessa natureza, cada vez mais frequentes em nosso país, não podem ser toleradas em uma sociedade moderna, que se pauta pelo Estado de Direito. Legislação proibitiva que, aqui, venha a ser conseguida por grupos de interesse específico — donos de alvarás de táxi — durará como a vitória de Pirro. Assim, estão errados e perdendo tempo, os vários municípios brasileiros (incluindo alguns em que ainda não há utilização do aplicativo da Uber), que vem apostando na aprovação de leis eliminatórias. Tal em razão de ser a utilização da plataforma da Uber fenômeno mundial, que está sendo utilizada, discutida e regulamentada nos quatro cantos do globo. A real solução implica na adequação dos interesses dos taxistas, dos prestadores de serviço da Uber e dos usuários desses serviços. Há de se ter em mente que, desde há muito, concorrem com os taxistas os prestadores de serviços de transporte privado individual. Quem não se recorda do embate cooperativas versus taxistas, anos atrás, aqui no Brasil? A inovação tecnológica da plataforma, agora utilizada, apenas ampliou o mercado de consumidores, pondo em perigo a dominância dos taxistas e insuflando os ânimos.

A solução lógica, econômica e jurídica não é afastar do mercado o novo serviço, mas sim regulamentá-lo, ao mesmo tempo em que se revise a sistemática de regulação dos táxis, hoje desatualizada, altamente ineficiente e não competitiva.

O  Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem atuado pró-ativamente na questão. Em estudo recente sobre mercados de táxi e de caronas pagas, concluiu, que, do prisma concorrencial e do consumidor a entrada de novos agentes é positiva, além de os serviços da Uber proporcionarem mecanismo de autorregulação satisfatório, que amplia os negócios e aumentar a rivalidade no mercado de transporte individual de passageiros. O presidente do Cade, Vinícius Marques de Carvalho, afirmou a intenção do órgão em participar como amicus curiae em eventuais ações judiciais sobre a validade de leis que baniram a Uber do transporte urbano, com o intuito de prestar esclarecimentos técnico-concorrenciais.

Na União Europeia está em curso a Estratégia do Mercado Único Digital, que, pretende, além de diminuir as barreiras nos serviços eletrônicos dos 28 países membros, revisitar plataformas como AirBnB e Uber, com o intuito de aquilatar a transparência do resultado das buscas, o modo como utilizam as informações dos clientes, a política de preços, a modalidade da promoção dos seus serviços e suas relações com outros negócios. O objetivo dessa estratégia é fazer com que os 503 milhões de consumidores europeus maximizem a utilização dos negócios on-line da Europa. O sonho do presidente da União Europeia, Jean-Claude Juncker, é ver redes de comunicação pancontinental, serviços digitais transfronteiriços, uma onda de startups europeias inovadoras, bem como todos os negócios acedendo a mercados mais amplos e todos os consumidores podendo beneficiar das melhores ofertas!

Poderemos fazer algo similar, adaptado às circunstâncias dos mais de 200 milhões de consumidores brasileiros, se não pensarmos e agirmos “pequeno”!

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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