Embargos Culturais

História mostra que queimar livros
nunca foi capaz de matar as ideias

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP e advogado consultor e parecerista em Brasília ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

11 de outubro de 2015, 8h01

Spacca
Aqueles que amamos os livros reiteradamente nos lembramos com tristeza da noite de 10 de maio de 1933, quando em Berlim cerca de 40 mil livros foram queimados. A valer-me de um neologismo de gosto duvidável, presenciou-se um “bibliocausto”, quando obras de autores como Sigmund Freud, Emil Ludwig e Erich Maria Remarque foram incineradas.

Intrigantes comentários sobre essa passagem de triste memória, bem como o neologismo acima citado, são colhidos em livro de uma procuradora de justiça nos Estados Unidos, Molly Guptill Manning, cujo tema central é o papel dos livros na construção do moral dos soldados norte-americanos, ao longo dos combates da Segunda Guerra Mundial[1]. Trata-se de livro de agradabilíssima leitura, e que desvenda a circulação das ideias, por meio da palavra impressa, em momento crucial da história de nossa civilização.

A referência ao triste episódio ocorrido na Alemanha é o ponto inicial desse grande livro. A autora refere-se à atuação de Joseph Goebbels, como chefe da Câmara da Cultura do Reich, posição que lhe dava o comando da literatura, da imprensa, do rádio, do teatro e da música no país então comandado pelos nazistas.

Outros autores, como Helen Keller, Jack London, Heinrich Mann e Albert Einstein também tiveram seus livros queimados. Molly Manning nos conta que H. G. Wells criara uma biblioteca em Paris, com exemplares desses livros que foram incinerados. Mais. Quando da invasão alemã à capital da França, os invasores teriam mantido esse edifício, que recorrentemente visitavam. Paradoxal.

A autora também nos conta que em 1938 os nazistas haviam proscrito cerca de 500 autores (nem todos eram judeus); bem como respectivos 4.000 livros.

A queima de livros é instância recorrente na história da cultura; exemplos há de bibliotecas medievais que sucumbiram ante a sanha de incendiários do pensamento. Porém, e essa a reflexão aqui colocada, a queima dos livros não significa o desaparecimento das ideias. Pelo contrário, ainda que veiculada por livros, ideias transcendem a seus opositores e, como o lendário pássaro que renasce das cinzas, revive, sempre e efetivamente, nas revoluções que provocam. Ideias não morrem simplesmente porque os livros que as divulgaram pereceram no fogo.


[1] Manning, Molly Guptill, Quando os livros foram à guerra, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2015. Tradução de Carlos Szlak. Esse livro foi me presenteado por Julio Edstron Secundino Santos, proficiente professor de Direito Constitucional em Brasília, a quem dedico esse pequeno ensaio.

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