Interesse Público

PLC 274/2015 sobre compulsória
é formalmente inconstitucional

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8 de outubro de 2015, 12h17

Spacca
Nas últimas semanas, os veículos de imprensa têm divulgado a tramitação no Congresso Nacional, em regime de urgência, do Projeto de Lei Complementar 274/2015, de autoria do senador José Serra (PSBD-SP), que pretende regulamentar o artigo 40, §1º da Constituição (com a redação dada pela EC 88/15), que trata da aposentadoria compulsória dos servidores efetivos e vitalícios aos 75 anos de idade.

O referido projeto, de iniciativa parlamentar (originário do Senado Federal), possui três dispositivos, bastando-se, basicamente, no artigo 2º, que preceitua:

Artigo 2º — Serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade:
I – os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações;
II – os membros do Poder Judiciário;
III – os membros do Ministério Público;
IV – os membros dos Tribunais de Contas;
V – os membros dos Conselhos de Contas.

O conteúdo do PLC pretende resolver definitivamente a questão da eficácia do novo artigo 40, §1º da Constituição da República, cujos aspectos de constitucionalidade foram por mim debatidos nesta coluna, no artigo “Emenda da Bengala tem tropeços e afronta Constituição Federal”, bem como no bojo do julgamento da ADI 5.316, relatada pelo ministro Luiz Fux, recentemente apreciada, a medida cautelar, pelo Supremo Tribunal Federal.

Quanto ao mérito em si da Emenda da Bengala, as posições do STF e aquela que aqui externei no referido artigo possuem mais pontos de congruência do que de divergências: (a) para ambos a emenda da bengala não é integralmente inconstitucional; (b) para ambos a alteração em si da idade para a aposentadoria compulsória não viola a Constituição; (c) para ambos o denominado “recall” na sabatina, para o acréscimo do tempo de exercício funcional dos Ministros dos Tribunais Superiores, é inconstitucional.

Apenas na questão da eficácia do artigo 100 do ADCT é que a decisão do STF divergiu do posicionamento que particularmente assumi. Sustentei a aplicação imediata das regras do artigo 100 do ADCT a todos os magistrados e membros dos Tribunais de Contas, mercê do princípio da unidade do Poder Judiciário, ao passo que o STF compreendeu que somente aqueles agentes expressamente mencionados no dispositivo transitório (Ministros dos Tribunais Superiores e TCU) estariam automaticamente abrangidos pela nova regra.

Um ponto, entretanto, retorna ao debate em meio à iminência de que o PLC 274 venha a ser convertido na lei complementar regulamentadora do novo artigo 40, §1º da Constituição. Trata-se da legitimidade para a iniciativa do processo legislativo respectivo diante das disposições sobre reserva de iniciativa das leis previstas na Constituição Federal.

Nesse ponto, cabe perguntar se o PLC 274/2015, de iniciativa do senador José Serra, que está prestes a regulamentar a aposentadoria dos servidores de cargos efetivos de todos os Poderes e de todos os níveis federativos, dos membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunais e Conselhos de contas é um projeto constitucional?

Em outras palavras, seria possível que uma única lei complementar nacional, de iniciativa parlamentar, suprisse, com amparo na Constituição, exigência de regulamentação do preceito constitucional sobre novos limites de aposentadoria compulsória?

A resposta aos questionamentos é negativa, de modo que se o PLC 274, de autoria do Senador José Serra, for aprovado e sancionado, promulgado e publicado como está, será, na minha avaliação, formalmente inconstitucional, por vício de iniciativa e por desrespeitar quando aos servidores efetivos a autonomia das entidades federativas.

Com efeito, ao se considerarem as regras constitucionais sobre reserva de iniciativa do processo legislativo, além do princípio federativo, a questão da aposentadoria compulsória dos servidores públicos e dos demais agentes públicos federais, estaduais e municipais, não haverá de ser disciplinada em uma única Lei Complementar.

No âmbito do Poder Judiciário, por exemplo, por força do artigo 93, VI da Constituição e do caráter nacional da magistratura – a extensividade do exercício funcional deverá de ser disciplinada uniformemente para todas as esferas, em lei complementar de iniciativa do STF. Sobre o tema, na ADI 5.316 (MC), o voto do relator, ministro Luiz Fux, registra a seguinte passagem (que prenuncia o problema destacado neste artigo):

Em relação à magistratura, não me parece haver dúvidas de que se trata da lei complementar nacional, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, indicada no artigo 93 da Constituição da República, cuja redação assim dispõe:

Artigo 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre
(…)
VI – a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (…) no artigo 40; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Ao indicar a “aposentadoria dos magistrados” como conteúdo da lei complementar de iniciativa do STF, a própria Constituição da República deixou claro tratar-se de norma nacional, aplicável de forma cogente a todos os estado membros.

No âmbito do Ministério Público, a teor do artigo 128, §5º da Constituição, também haverá a necessidade de uma Lei Complementar própria, todavia de iniciativa do Procurador Geral da República. O mesmo se pode dizer, relativamente aos Tribunais e Conselhos de Contas, pelo que dispõem os artigos 73, §3º e 75 da Constituição Federal.

Para os servidores públicos em geral, o princípio federativo e a reserva de iniciativa do artigo 61, §1º, II “c” da Constituição – norma de reprodução obrigatória em todos os âmbitos federativos (ver, por todos, no STF, a ADI 3.627/AP) — também contradizem o PLC 274.

Para respeitar a autonomia federativa e a reserva de iniciativa em matéria tipicamente de regime jurídico de servidores públicos, a disciplina da questão necessariamente deveria constar de diferentes Leis Complementares federais, estaduais e municipais, conforme o caso, respeitadas sempre as reserva de iniciativa dos respectivos Poderes Executivos (artigo 61, §1º, II, “c”, da Constituição).

Portanto, o PLC 274, a despeito das boas intenções que o amparam, relevadas na justificativa apresentada ao projeto pelo Senador José Serra (v.g., economia de despesas aos cofres públicos) não respeita os limites formais impostos pela Constituição da República quanto à reserva de iniciativa do processo legislativo e quanto à autonomia das entidades federativas.

E esta situação, ao invés de solucionar problemas definitivos dos servidores e agentes públicos quanto ao limite máximo de idade para o exercício funcional (70 ou 75 anos), poderá se transformar em mais um ingrediente de insegurança jurídica no país.

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