Consultor Tributário

Valor pago pela inscrição no Exame de Ordem não tem natureza tributária

Autor

  • Igor Mauler Santiago

    é sócio-fundador do escritório Mauler Advogados mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

7 de outubro de 2015, 10h48

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A publicação de mais um resultado do Exame de Ordem (parabéns aos aprovados!) enseja o debate deste tema pouco compreendido. Segundo o artigo 44 de seu Estatuto (Lei 8.906/94), a Ordem dos Advogados do Brasil constitui “serviço público, dotado de personalidade jurídica e de forma federativa”. Sempre nos termos do dispositivo, são suas finalidades:

a) defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; e

b) promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

Tendo em vista as suas funções e peculiaridades, muito se discutiu sobre a natureza jurídica da entidade e o seu relacionamento com a União. Para parte da doutrina, ela seria uma autarquia especial ou sui generis, entendimento acolhido pelo STJ[1].

Na ADI 3.026/DF, porém, o STF assentou que a OAB não integra a qualquer título a administração indireta da União, constituindo serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no Direito brasileiro[2]. Bem por isso, acrescenta Ives Gandra da Silva Martins[3], “não poderia jamais (…) estar submetida a qualquer poder, a fiscalização externa, a qualquer controle, visto que é instituição fiscalizadora das instituições e passaria a correr o risco de ser controlada e manietada, restringindo a sua função maior perante a sociedade”.

O Exame de Ordem — previsto no artigo 8, inciso IV, do Estatuto e respaldado no artigo 5º, inciso XIII, da Constituição, como em boa hora atestou o Supremo[4] — assegura a qualidade dos profissionais que, como advogados, exercerão função indispensável à administração da Justiça (Constituição, artigo 133).

Como lembra o ministro Humberto Gomes de Barros[5], “o advogado é um dos três fatores da administração da Justiça”, razão pela qual “a seleção de bacharéis para o exercício da advocacia deve ser tão rigorosa como o procedimento de escolha de magistrados e agentes do Ministério Público”.

Claro, dessa forma, que realização do Exame de Ordem configura prestação de serviço público universal, por constituir — como afirma com precisão o Ministro Gilmar Mendes[6] — “medida de defesa dos interesses, não apenas dos advogados, mas de toda a sociedade”. De fato, o bacharel, individualmente considerado, não é beneficiado pelo Exame, que pode mesmo prejudicá-lo, caso seja reprovado.

Relevante notar ainda que, conquanto a OAB detenha poder de polícia sobre os seus inscritos (advogados e estagiários), fiscalizando a sua atuação profissional e a sua moralidade pessoal (artigo 8º, parágrafo 3º, do Estatuto), o Exame de Ordem não se encaixa nesta categoria. Aqui divergimos, com todas as vênias, do que sustenta o ministro Marco Aurélio no já mencionado RE 603.583/RS.

Deveras, a reprovação do bacharel, com negativa de seu acesso à advocacia, não equivale à declaração de que tenha descumprido qualquer norma de observância compulsória, não fazendo as vezes de um juízo negativo subsequente a uma fiscalização.

Da mesma forma, não constituem exercício do poder de polícia, mas processos seletivos, os vestibulares aplicados pelas universidades públicas ou privadas e — seguindo na analogia proposta pelo ministro Humberto Gomes de Barros — os concursos de acesso à Magistratura e ao Ministério Público, como aliás às outras carreiras públicas.

Resta agora definir a natureza jurídica da contraprestação paga pelo candidato ao Exame de Ordem. Tratando-se de serviço público de caráter universal, conforme visto acima, afasta-se desde logo a possibilidade de uma taxa – tributo que a Constituição admite apenas em face de serviços públicos específicos e divisíveis (artigo 145, inciso II).

Pensamos que o caso é de preço, já que, malgrado o seu caráter geral, o Exame de Ordem traz também uma utilidade para o particular (o acesso advocacia), e que este último provoca as despesas de sua realização, sendo justo que as suporte.

De fato, a anuidade paga pelos inscritos não é suficiente para custear a prova, visto que destinada a todas as demais atividades da Ordem: fiscalização dos advogados, apoio à classe, defesa das instituições, etc.

Dimensioná-la para fazer face também à totalidade desta despesa oneraria por demais os inscritos em benefício de terceiros (a sociedade e, num segundo plano, os candidatos), o que não parece adequado. Vale registrar, ainda, que a possibilidade de cobrança de preços públicos pela OAB consta do artigo 46 do Estatuto.

A jurisprudência referenda esta conclusão, tendo consolidado o entendimento de que os valores pagos pela inscrição em concursos públicos e vestibulares não têm natureza tributária[7].

Se é assim para os certames promovidos pelo Estado, com muito maior razão o será para o Exame de Ordem, certo como é que esta não integra a estrutura da Administração Pública.

Nada há, portanto, que obrigue ou sequer autorize o regime das taxas, sendo válida a fixação do valor da inscrição direta e unicamente no edital.

***

Nos dias 1, 2 e 3 de outubro realizou-se em Teresina o I Congresso de Direito Tributário do Piauí. A generosidade dos meus conterrâneos fez-me seu presidente de honra. As saudações que recebi de Carlos Velloso, Eduardo Maneira, Gustavo Brigagão, Kakay, Luís Carlos Martins Alves Júnior, Marcus Vinícius Furtado Coelho, Misabel Derzi, Roque Carrazza, da vice-governadora Margarete Coelho e do senador Ciro Nogueira ficarão para sempre marcadas em meu coração. A eles, aos demais conferencistas, à organização (nas pessoas de Stael Freire e Maurício Fortes) e aos participantes, o meu eterno agradecimento.


[1] 1ª Seção, EREsp. 463.258/SC, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 29.03.2004.
[2] STF, Pleno, ADI 3.026/DF, Relator Ministro Eros Grau, DJ 29.09.2006.
[3] A autonomia e independência da Ordem dos Advogados do Brasil. In Liberdade e Autonomia: comentários ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3026/STF. Org. Aline Machado Costa Timm, Brasília: OAB – Conselho Federal, 2007, p. 22.
[4] STF, Pleno, RE 603.583/RS, Relator Ministro Marco Aurélio, DJe 25.05.2012.
[5] Voto proferido no REsp. 214.671/RS (1ª Turma, DJ 01.08.2000).
[6] Voto proferido no julgamento da referida ADI 3.026/DF.
[7] STJ, 6ª Turma, RMS 13.858/MG, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 22.09.2003; TJ/MG, Corte Superior, ADI 1.0000.06.445487-9/000, Relator Desembargador Kildare Carvalho, DJ 30.11.2007; TJ/SP, Órgão Especial, ADI 160.027-0/1-00, Relator Desembargador Oscarlino Moeller, DJ 18.07.2008.

Autores

  • Brave

    é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG. Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

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