Opinião

Liberação das drogas deve ir além do debate de usar ou não

Autor

  • Leonardo Vizeu Figueiredo

    é procurador Federal mestre em Direito Constitucional e diretor da Escola da AGU da 2ª Região. Advogado constitucionalista e economicista presidente da Comissão de Direito Econômico da OAB-RJ. Ex-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ (2013-2015).

4 de outubro de 2015, 9h16

Recentemente, a sociedade brasileira foi surpreendida por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, da lavra do ministro Luís Roberto Barroso, que determinou critérios objetivos para a abertura gradual da liberalização do uso da cannabis sativa, vulgarmente chamada de maconha. Por ocasião do julgamento, com repercussão geral reconhecida pela corte suprema, do Recurso Extraordinário 635659, o ministro se manifestou exclusivamente sobre o uso de maconha, não fazendo juízo de valor sobre outras drogas. Propôs, em seu voto, que o porte de 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas da espécie sejam o parâmetro para diferenciar o consumo do tráfico de maconha. Outrossim, manifestou-se expressamente no sentido de que o uso da maconha deve ser descriminalizado. Com todo o respeito ao ministro, professor e jurista, um dos mais renomados constitucionalistas atuantes no Brasil, pedimos vênia para discordar, com veemência, de suas considerações e de seu posicionamento. Deixamos claro que não pretendemos esgotar o tema, tampouco impor nosso ponto de vista. Apenas objetivamos trazer outras questões a debate, em benefício à dialética e à dúvida.

Inicialmente, temos que ter em mente que o tráfico de drogas não é ilícito contra o patrimônio, mas crime contra a saúde pública. Logo, não atenta contra bens privados e disponíveis da pessoa, mas contra uma política sanitária de Estado. Independe, portanto, de quantidade ou manifestação de vontade. Basta que se faça uso ou porte uma substância que o Poder Público considera perniciosa para seu cidadão. Os efeitos prejudiciais à coletividade são vistos cotidianamente no Brasil e no mundo. A literatura e o cinema são ricos em narrar diversas experiências de pessoas que perderam suas vidas em virtude do uso de substâncias ilícitas. Por sua vez, a medicina é pródiga em afirmar e provar cientificamente os malefícios que a dependência química causa. Somente por essas premissas, que não temos espaço para exemplificar neste espaço, tampouco pretendemos entediar o leitor citando-as uma por uma, caem por terra, salvo melhor juízo, diversos argumentos pró-drogas.

Sob aspectos eminentemente jurídicos, a República Federativa do Brasil repudia, veementemente, o tráfico de drogas. A Constituição estabelece que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (…) o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins” (artigo 5º, XLIII); nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (artigo 5º, LI); “As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (…) serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário (…) Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (…) será confiscado” (artigo 243, p. único). Assim, não há como se reconhecer a juridicidade da campanha de liberalização das drogas, face ao texto constitucional. Talvez o ponto mais forte e gritante que não dá margem à opção do constituinte pelo combate as drogas seja a determinação de que a proteção especial a crianças e adolescentes abranja “programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins” (artigo 227, parágrafo 3º, VII). Ora, se a Constituição considera que o tráfico de drogas é crime inafiançável, insuscetível da concessão de graça ou anistia, eventual lei que promova a liberalização de drogas é de constitucionalidade duvidosa. Outrossim, norma penal em branco, que descriminalize o uso de eventual substância ilícita, reduzindo o campo de aplicabilidade da lei de entorpecentes, será, igualmente, de juridicidade extremamente duvidosa, não resistindo a um simples confronto com a Carta da República. Ora, se a lei não pode anistiar e o executivo não pode conceder graça ao crime de tráfico de drogas e substâncias afins, a decisão judicial que, na hierárquica pirâmide de Kelsen, lhe é inferior, muito menos pode, salvo melhor juízo e maior engano, descriminalizar.

Por fim, encerramos convidando a todos a uma reflexão. A dependência química reduz a capacidade de escolha do indivíduo, uma vez que tolhe seu livre arbítrio, levando-o a praticar atos que ferem a moral da coletividade, uma vez que violam as leis, bem como que atentam a dignidade da pessoa humana, uma vez que o rebaixam, não raro, à imoralidade. Uma breve visita às cracolândias que aumentam volumosamente em todo o país dá a ideia real, não romanceada, do que o uso de substâncias entorpecentes faz ao ser humano.

 

– Leonardo Vizeu Figueiredo (Procurador Federal, Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/RJ, Diretor da Escola da Advocacia-Geral da União da 2ª Região, Escritor e Professor Universitário).

Autores

  • Brave

    é procurador federal e advogado, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ, diretor da Escola da Advocacia-Geral da União da 2ª Região e professor universitário.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!