Opinião

Judicialização de matéria sob análise do CNJ ainda gera dúvidas

Autor

1 de outubro de 2015, 9h03

Chamou a atenção, durante o julgamento do Pedido de Providências 0003894-86.2015.2.00.0000 pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, na sessão de 22 de setembro, questão relativa à judicialização da matéria sob análise do CNJ. A seguinte pergunta foi colocada em debate: a judicialização, em qualquer grau de jurisdição, em momento anterior ou posterior à provocação do CNJ, retira deste órgão a competência para processar e julgar a matéria?

O caso, de relatoria da Conselheira Daldice Maria Santana, tem como objeto concurso para outorga de serventias extrajudiciais no estado de Pernambuco. Nele, houve o deferimento de pedido liminar, para que o TJ “suspenda toda e qualquer providência no sentido de permitir vista ou exposição dos títulos apresentados pelos candidatos a outros candidatos ou interessados”, no sentido de impedir a chamada “impugnação cruzada”, matéria já analisada pelo Plenário do Conselho, que decidiu por sua vedação.

Ocorre que a questão discutida no CNJ também havia sido levada ao Supremo Tribunal Federal, em decorrência de procedimento de controle administrativo anterior sobre o tema. No STF, o ministro Marco Aurélio também concedeu medida liminar, determinando a suspensão do concurso até o julgamento final do mandado de segurança.

No pleno do CNJ, foi levantada a questão acerca da judicialização da matéria no STF, o que, em tese afastaria a competência do Conselho para sua análise.

O tema não é novo no CNJ. Consolidou-se a jurisprudência no sentido de que, quando a matéria é previamente judicializada em qualquer instância do Poder Judiciário, o CNJ não é competente para conhecer do procedimento, ante a possibilidade de prolação de decisões incompatíveis entre si[1]. Busca-se, assim, a harmonização dos pronunciamentos judicial e administrativo e a preservação da segurança jurídica. Por outro lado, quando a judicialização se dá a posteriori, vislumbram-se duas possibilidades: (a) se perante o 1º e 2º graus de jurisdição, não há prejudicialidade, mantendo-se inabalada a competência do CNJ; e (b) se perante o Supremo Tribunal Federal, fica frustrada a atuação do CNJ, visto que o Supremo é única via judicial constitucionalmente tolerada para controle, preventivo ou corretivo, dos atos do CNJ (CF, artigo 102, I, r)”[2].

No debate ocorrido na sessão plenária de 22 de setembro, a Corregedora Nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, ao trazer o tópico a lume, pontuou que, ainda que ocorra depois, a judicialização retira a competência do CNJ, pois este não pode concorrer com o STF. A conselheira Luiza Frischeisen, por seu turno, manifestou-se no sentido de que a judicialização posterior — não impede a atuação do CNJ caso se verifique que sua decisão está sendo descumprida. O presidente, ministro Ricardo Lewandowski, ao, em suas palavras, “expressar uma dúvida”, ponderou que não é sempre que a judicialização posterior cessa a atuação do Conselho, devendo-se analisar, caso a caso, o objetivo da judicialização. Em seguida, o Conselheiro Eduardo Dias ressaltou que o CNJ não pode se tornar órgão destinado a dar cumprimento às decisões proferidas pelo Supremo. O conselheiro Alkmin questionou se não estaria superada a questão da judicialização, tendo em vista que o objeto do mandado de segurança seria a própria decisão do Conselho. Por fim, a ministra corregedora pediu vista dos autos.

Diante do caso apresentado, revelam-se as seguintes possibilidades: (i) houve a judicialização a posteriori da matéria perante o Supremo, o que inviabiliza a análise da questão pelo CNJ, de acordo com sua jurisprudência; (ii) houve a judicialização da matéria, porém o objeto de análise do STF não se confunde com o do CNJ, mantendo-se sua competência; (iii) houve a judicialização da matéria, sendo que o objeto dos procedimentos judicial e administrativo é o mesmo, de forma que não cabe ao CNJ se manifestar; ou (iv) não houve a judicialização da matéria, pois foi questionada no Tribunal a decisão do CNJ, e não o requerimento inicial que deu origem ao processo no CNJ.

O posicionamento a ser adotado pelo CNJ deve atentar para as peculiaridades do caso, prezando pela segurança jurídica das decisões, sem aplicar precedentes que fogem à realidade dos autos e que pode significar a manutenção de uma jurisprudência que não reflete o atual momento vivido pelo CNJ, em que os mais diversos temas são levados ao Conselho, que tem de interromper sua atuação no curso do processo, por afastamento de sua competência. Numa análise finalística, isso representa uma oneração excessiva do órgão e pode atrapalhar sua finalidade essencial de zelar pela autonomia do Poder Judiciário.

Num segundo momento, ainda quanto ao tema apresentado, é de se destacar a preocupação manifestada pelo conselheiro Emmanoel Campelo durante o debate, relativa ao exame das decisões do CNJ pelo 1º grau de jurisdição[3]. Tal se dá em razão da decisão do STF nos autos da AO 1.814 e da ACO 1.680[4], a qual alterou a interpretação do artigo 102, I, r, da Constituição Federal[5].

O mencionado dispositivo é apontado como justificador da extinção da competência do CNJ quando a questão é posteriormente levada a seu órgão de controle, o Supremo Tribunal Federal.

O STF, contudo, ao transferir a competência para julgamento de ações sob o rito comum ordinário que têm por objeto ato do CNJ, promovidas por detentores de serventias notariais, para a Justiça Federal de 1º grau, deixa ao CNJ a seguinte questão: a judicialização, perante a Justiça Federal, em momento posterior à provocação do CNJ, retira deste órgão a competência para processar e julgar a matéria?

A resposta a essa pergunta, considerando-se apenas o acórdão proferido pelo pleno do STF, parece ser positiva. Isso porque a decisão confere à Justiça Federal de 1ª instância a competência para exercer controle sobre o CNJ em relação à matéria delimitada naqueles autos. E, partindo-se da jurisprudência do CNJ, é essa a característica — a competência para controlar atos do CNJ —, que afasta a competência do Conselho.

Mostra-se, porém, desarrazoado que um magistrado de 1º grau exerça controle sobre o Conselho Nacional de Justiça, precipuamente seu órgão máximo de controle. Houve situações, inclusive, em que o CNJ repudiou essa atuação das instâncias inferiores. Não se pode, entretanto, deixar os detentores provisórios de serventias extrajudiciais sem amparo.

Assim, a questão deve ser lida com mais cautela, de modo a evitar a incompatibilização entre o decidido pela Suprema Corte, o papel constitucional e a jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça.

Muito embora a controvérsia inicialmente apresentada tenha, temporariamente, permanecido sem solução, fica a reflexão quanto ao delicado tema, que possui vertentes distintas, apresenta-se em variados contextos e pode ser resolvido de diversas formas, merecendo ser profundamente estudado pelo CNJ, para o amadurecimento de sua jurisprudência.


1 CNJ – RA – Recurso Administrativo em PCA – Procedimento de Controle Administrativo – 0006535-81.2014.2.00.0000 – Rel. Deborah Ciocci – 26ª Sessão (Extraordinária) – j. 19/05/2015; CNJ – RA – Recurso Administrativo em REVDIS – Processo de Revisão Disciplinar – Conselheiro – 0005381-28.2014.2.00.0000 – Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – 203ª Sessão – j. 03/03/2015; CNJ – RA – Recurso Administrativo em REVDIS – Processo de Revisão Disciplinar – Conselheiro – 0005648-97.2014.2.00.0000 – Rel. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen – 22ª Sessão (Extraordinária) – j. 01/12/2014; CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0006975-14.2013.2.00.0000 – Rel. Gisela Gondin Ramos – 186ª Sessão – j. 08/04/2014; CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0004472-20.2013.2.00.0000 – Rel. Fabiano Silveira – 178ª Sessão – j. 05/11/2013

2 CNJ – QO no PCA 200810000006172 – Rel. Cons. Antonio Umberto de Souza Júnior – 71ª Sessão – j. 07.10.2008 – DJU 24.10.2008; CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0003459-83.2013.2.00.0000 – Rel. Gisela Gondin Ramos – 178ª Sessão – j. 05/11/2013

3 Recentemente, isso ocorreu em relação ao PCA n.º 0002975-97.2015.2.00.0000.

4 “Não se enquadra na competência originária do Supremo Tribunal Federal, de que trata o art. 102, I, r, da CF, ação de rito comum ordinário, promovida por detentores de delegação provisória de serviços notariais, visando à anulação de atos do Conselho Nacional de Justiça – CNJ”

5 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!