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Veja como será a defesa de Eduardo Cunha no Conselho de Ética

30 de novembro de 2015, 20h15

Por Pedro Canário

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Nesta terça-feira (1º/12), o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados decidirá se abre um processo para cassar o mandato do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Apesar da divulgação de fatos que envolveriam o parlamentar na operação "lava jato", as acusações no Conselho são frágeis e baseadas em alegações sem comprovação, diz seu advogado, Marcelo Nobre, em entrevista exclusiva à ConJur.

Cunha foi denunciado ao Conselho por representação assinada pelos partidos Psol e Rede Sustentabilidade. São três as acusações: recebimento de vantagem indevida do esquema investigado na “lava jato”; ter omitido, em sua declaração de renda entregue à Câmara, a posse de contas em seu nome em bancos na Suíça; e ter mentido à CPI da Petrobras quando disse não ter "qualquer tipo de conta em qualquer lugar" que não fosse a que está declarada em seu Imposto de Renda.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Cunha é acusado de mentir em CPI, omitir contas em sua declaração de renda e de receber vantagens indevidas.
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Desobrigado
Marcelo Nobre garante que seu cliente não omitiu e nem mentiu à Câmara. O que ele tem na Suíça é a titularidade de um trust fund. Ou seja, uma conta aberta por ele e que tem como beneficiárias a mulher e a filha. Pelo contrato dessa conta específica, a mulher a filha de Cunha só podem retirar o dinheiro no caso da morte dele. O deputado é o único que pode resgatar o dinheiro em vida.

Os fundos de trust são meios de transferência de bens ou dinheiro. Por meio deles, o instituidor, ou responsável por abrir o fundo, transfere o patrimônio ao chamado trustee, que fica responsável pela sua administração. Esse dinheiro é então gestado a favor de um ou mais beneficiários.

Só que não há obrigação de declarar a participação em trust funds à Receita Federal brasileira. Segundo parecer do ministro Francisco Rezek, aposentado do Supremo Tribunal Federal e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, não existe lei ou norma no Brasil que obrigue a declaração de participação ou de titularidade de um trust à administração tributária. Só há obrigação se o dinheiro for retirado, já que isso caracterizaria ganho de capital e, portanto, renda tributável.

Isso porque, como o fundo é instituído por alguém que repassa a administração a outro, em benefício de um ou mais terceiros, ninguém pode se dizer proprietário daquele trust. "O patrimônio dado em trust não constitui propriedade quer do instituidor, quer do beneficiário. Nenhum deles tem o direito de considerar esse patrimônio como um bem seu, ou de assim declará-lo", escreve Rezek.

Familiares
As contas correntes que foram descobertas ligadas ao deputado na Suíça estão no nome da mulher dele, a jornalista Cláudia Cruz, segundo seu advogado. “Portanto, não houve mentira na fala do Eduardo à CPI: o que ele tinha de declarar, declarou, e não havia obrigação de declarar o que ele não declarou”, diz.

Outra base da representação é a resposta do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a uma consulta feita pelo deputado Chico Alencar (Psol-RJ). O parlamentar perguntou a Janot se “o deputado Eduardo Cunha ou seus familiares” possuíam contas no exterior. E Janot respondeu que sim.

“A resposta é propositadamente evasiva”, afirma Nobre. A titular da conta é a mulher do deputado, e não ele. E por isso a pergunta fala no deputado “ou seus familiares”. A resposta seria sim de qualquer jeito. Mas se a pergunta fosse apenas sobre Cunha, Janot seria obrigado a dizer “não”, continua o advogado.

Devido processo
Quanto à acusação de recebimento de vantagem ilegal, Marcelo Nobre afirma que são apenas acusações sem qualquer tipo de prova. As alegações foram feitas pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, mas não ainda não foram recebidas pelo relator, ministro Teori Zavascki.

As acusações são de que Cunha recebeu US$ 5 milhões como resultado de uma negociação de compra de sondas de perfuração e prospecção de petróleo pela Petrobras. A informação foi passada à PGR pelos lobistas Fernando Soares, conhecido por Baiano, e Julio Camargo. Ambos falam ao Ministério Público Federal em regime de delação premiada — ou “delação torturada”, como diz Nobre.

“Denúncia não é prova. Precisa ser recebida pelo relator do processo no Supremo e, no curso do devido processo legal, comprovada. Nesse caso, ela sequer foi recebida.”

“Politização da Justiça”
Por mais que as acusações sejam “tecnicamente frágeis”, como diz o advogado, há sempre o risco de o julgamento pelo Conselho de Ética ser mais político que jurídico.

Luiz Silveira/Agência CNJ
Advogado Marcelo Nobre aponta que maior risco de condenação vem da "politização da Justiça".

Nobre argumenta ainda que é corrente no Congresso a reclamação da chamada “judicialização da política”: parlamentares derrotados em alguma discussão vão ao Judiciário tentar barrar a tramitação dos projetos, ou tentar fazer com que o Supremo declare inconstitucional uma lei aprovada contra sua vontade.

“Mas e a politização da Justiça?”, questiona Nobre. “Se houve ou não recebimento de vantagem indevida quem vai dizer é o Judiciário, não o Ministério Público.” Exemplos como o de José Dirceu são eloquentes.

Quando Dirceu teve seu mandato de deputado federal cassado pelo Plenário da Câmara por quebra de decoro, a denúncia da Ação Penal 470, o processo do mensalão, sequer tinha sido apresentada ao Supremo pela PGR. E mesmo no decorrer do processo, as provas apresentadas contra o ex-ministro da Casa Civil foram uma interpretação da Teoria do Domínio do Fato: como estava numa posição de comando, conhecia os desvios cometidos em sua pasta.

“Entendo que eles não são juízes, mas têm de julgar de acordo com a Constituição e com as leis que eles mesmo fizeram. Claro que o julgamento é também político, mas ninguém pode estar acima da Constituição e das leis”, afirma Marcelo Nobre. “Qual é a prova contra meu cliente? Zero!”

Meios e fins
A preocupação dele é mais com a abertura do processo que com o processo em si. “Todos sabemos que o processo só tem um destino: o arquivamento.” No entanto, uma vez aberto o processo de cassação, é iniciado também um processo de “sangramento da imagem do Eduardo perante a opinião pública”, explica Nobre.

Outro caso famoso foi o deputado André Vargas, então do PT do Paraná. Ele foi processado por quebra de decoro por ter andado no avião do doleiro Alberto Youssef. Inicialmente, ele negou, mas, como foram apresentadas provas, ele confessou. E a confissão foi o motivo para cassação, não as alegações da oposição, lembra Nobre

Mas o precedente que o advogado prefere é o do ex-deputado Professor Luizinho, também do PT. Ele chegou a ter o processo de cassação aberto por recebimento de vantagem indevida do empresário Marcos Valério. Mas teve o processo arquivado por falta de prova. Anos depois, foi absolvido também pelo Supremo, e também por falta de provas.