Opinião

Neutralidade tributária ajuda desenvolvimento de empresas e do mercado

Autor

  • Guilherme Cardoso Leite

    é advogado sócio do escritório Machado Leite e Bueno Advogados mestre em Direito Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Direito Tributário pelo IBET.

29 de novembro de 2015, 6h30

Em março de 2015, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região julgou o Reexame Necessário em Mandado de Segurança 0037953-52.2013.4.01.3500/GO, decorrente de sentença concessiva de segurança por intermédio da qual foi reconhecido a um contribuinte pessoa jurídica o direito à razoável duração do processo administrativo tendente à efetiva compensação de créditos já escriturados de IPI. A ementa recebeu a seguinte síntese:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA FORMALIZADO EM 2000. DECISÃO DEFINITIVA PENDENTE ATÉ A IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA EM 25/11/2013. DEMORA INJUSTIFICADA. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. LEI N. 11.457/2007, ART. 24. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDA. 

1. "Tanto para os requerimentos efetuados anteriormente à vigência da Lei 11.457/07, quanto aos pedidos protocolados após o advento do referido diploma legislativo, o prazo aplicável é de 360 dias a partir do protocolo dos pedidos (art. 24 da Lei 11.457/07). Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008" (REsp 1138206/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, STJ, Primeira Seção, DJe 01/09/2010).

2. Permanecendo o requerimento administrativo sem exame ou manifestação da autoridade responsável por prazo superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, deve ser admitida como injustificada a demora no procedimento aguardado pelo contribuinte. Precedentes. 

3. Remessa oficial não provida.

A discussão versada neste caso apreciado pelo TRF-1 cingiu-se não ao reconhecimento do direito ao creditamento do IPI, mas à demora na análise do pedido administrativo apresentado pelo contribuinte com o intuito de fruir do benefício de abatimento, ou aproveitamento de crédito, que lhe estaria assegurado por lei. Chama a atenção o fato de que, passados mais de 14 anos do protocolo do pedido administrativo formulado pelo contribuinte para o aproveitamento do crédito a que supostamente faria jus, o benefício ainda não havia sido efetivado ou negado pela Fazenda Nacional. Essa demora, que seria violadora de direito líquido e certo à razoável duração do processo administrativo, é que motivou a impetração do mandado de segurança pelo contribuinte. Embora destinatário de um tratamento tributário diferenciado, que tem por escopo abater, compensar ou restituir o IPI recolhido ao erário em etapas anteriores da circulação do produto industrializado, o contribuinte se viu compelido a aguardar de junho de 2000 a abril de 2011 por uma decisão definitiva na esfera administrativa; e de abril de 2011 a dezembro de 2013 por um provimento judicial liminar que determinasse à Administração Pública Tributária a realização do encontro de contas como forma de efetivar a compensação requerida.

Essa é uma discussão específica quanto à finalidade, mas genérica quanto à forma da sua apresentação, que é levada à resolução do Poder Judiciário com relativa frequência. Independente do mérito em si do pedido de creditamento tributário, os problema decorrentes da demora na análise — para o bem ou para o mal — relacionam-se, em essência, com a efetiva neutralidade dos tributos incidentes sobre o consumo e com a fruição do direito de propriedade assegurado a diversos contribuintes, em especial às pessoas jurídicas. Tal relação ocorre, especificamente, quando os contribuintes pretendem abater, compensar ou restituir (i) valores reconhecidos como créditos passíveis de abatimento, (ii) recolhidos ao erário indevidamente, em montante maior do que o devido[1], ou (iii) decorrentes do gozo de algum incentivo ou benefício fiscal. As dificuldades experimentadas pelas pessoas jurídicas contribuintes de tributos incidentes sobre o consumo — como são exemplo o IPI, o ICMS, a contribuição para o PIS e a COFINS —, que são destinatárias de benefícios tributários legalmente estabelecidos ou que integram políticas públicas de não cumulatividade, se situam, geralmente, na aplicação efetiva de mecanismos de não cumulação de tributos e no reconhecimento, pela autoridade fazendária, de eventual crédito aproveitável.

Na investigação para uma adequada compreensão da realidade experimentada pelos contribuintes que se submetem à via crúcis do abatimento e creditamento tributário, não se pode olvidar de que, “tanto o Direito quanto a Economia lidam com problemas de coordenação, estabilidade e eficiência na sociedade”[2], e de que “o trabalho do jurista deve se concentrar na pesquisa dos efeitos concretos das políticas públicas – que têm sempre representações tanto tecnocráticas quanto jurídicas – sobre a fruição empírica dos direitos fundamentais e direitos humanos. E, entre essas políticas, obviamente, se encontra a política tributária”[3]. Quer isso dizer que o direito não comporta mais a já ultrapassada narrativa de exclusividade em sua linguagem e experiência, a evidenciar uma “ciência” ensimesmada, supostamente acessível apenas aos juristas. Pelo contrário, o direito moderno deve buscar interação e diálogo com os vários ramos de percepção da realidade social sensível se quiser empreender uma efetiva investigação quanto aos resultados decorrentes de uma determinada política pública.

As observações formuladas acima — tanto no que se refere ao julgamento do TRF-1 quanto no que diz respeito à abertura do direito à interação com outros ramos de compreensão da sociedade — tendem a demonstrar que a efetivação da neutralidade tributária por intermédio do mecanismo da não cumulatividade passa, necessariamente, pela experiência real que os contribuintes vivenciam ao postular o abatimento “[d]o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas [operações] anteriores”[4]. Ou seja, a neutralidade tributária somente estará evidenciada quando os contribuintes conseguirem efetuar com agilidade o encontro de contas inerente ao abatimento de tributos indiretos plurifásicos não cumulativos nas hipóteses em que prevista a possibilidade de se empreender essa compensação; quando observado “o tratamento igualitário conferido aos bens e serviços tributados independentemente da sua origem e do número de etapas existentes entre a produção e a aquisição pelo consumidor final”[5]; quando reconhecida a existência de previsibilidade capaz de atrair a confiança nas instituições que atuam na seara de fiscalização tributária; quando assegurado ambiente competitivo para os produtos brasileiros nos mercados interno e externo.

A propósito do desenho institucional e de políticas públicas que objetivem promover segurança, previsibilidade e competitividade no Brasil, sob o especial prisma da estrutura tributária atualmente vigente, um levantamento realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em 2013 demonstrou que “a tributação indireta realizada no Brasil apresenta pelo menos duas características relevantes na determinação da competitividade das empresas nacionais, tanto no mercado interno como no mercado externo. São elas: a dificuldade ou impossibilidade de aproveitamento dos créditos tributários pelos contribuintes, presente no ICMS, na COFINS e no PIS; e a incidência cumulativa de tributos, presente nos três tributos previamente citados e no ISS”[6].

O cenário das dificuldades verificadas indica que, não obstante os créditos de tributos existamde iure para abatimento,essa existência acaba sendo virtual porque algumas empresas beneficiárias não conseguem, na prática, implementar a compensação; quando conseguem, não raro, enfrentaram uma peregrinação burocrática “sem fim” pelos órgãos da Administração Pública Tributária. Os pedidos formulados junto às Secretarias de Fazenda estaduais ou à Receita Federal do Brasil esbarram em formalismos exacerbados, em procedimentos redundantes e em deficiência do pessoal técnico. Se os beneficiários dos créditos ingressam com alguma medida judicial com o objetivo de efetivar esse seu direito, a demora na tramitação da demanda e na efetiva resolução do litígio é igualmente considerável sob os pontos de vista temporal e, consequentemente, de limitação à fruição de direitos de produção do contribuinte produtor.

As dificuldades para a fruição do direito ao abatimento nos tributos indiretos não cumulativos acarretam considerável violação da garantia à propriedade na medida em que ocasiona a falta de dinheiro no caixa do contribuinte e a necessidade de adoção de estratégias outras para a manutenção das suas atividades, como é o caso da obtenção de empréstimo no mercado financeiro, que submete a empresa a consideráveis taxas de juros. Essa contratação emergencial de empréstimo bancário quando existente crédito em favor do contribuinte nos cofres dos entes políticos não se afigura razoável, quer sob o ponto de vista jurídico, quer sob o espectro econômico — em verdade, chega a perfilhar crime de apropriação indébita ou, quando menos, enriquecimento ilícito por parte do ente político. Há um movimento de estrangulamento econômico que repercutirá nos contratos celebrados pelos contribuintes que não conseguem gozar do mecanismo da não cumulatividade do tributo. Não raro, esse estrangulamento estimulará a sonegação e a alteração de informações fiscais, em um imediato benefício ao contribuinte sonegador, mas com um potencial prejuízo para toda a sociedade, que deverá experimentar novas políticas econômico-fiscais com viés de operação tapa-buraco.

O objetivo da neutralidade é que permite, se não impõe, o abatimento de tributos sobre os quais recaem previsões normativas de compensação, de isenção ou imunidade tributária como opção legislativa de política pública. Isso porque “a computação do IVA no Brasil é feita pelo método do crédito fiscal, que ‘exige que a empresa aplique a alíquota ao total das vendas efetuadas e desse resultado deduza o imposto pago (crédito) que conste das notas fiscais de compra’ (Bordin, 2002, p. 19). É justamente nesse método, amplamente utilizado por outros países, que reside um dos principais problemas para as empresas. Se o aproveitamento dos créditos tributários pelas empresas não é feito com perfeição, o tributo neutro passa a não o ser mais. Tal dificuldade é apresentada tanto pelos governos estaduais, no caso do ICMS, quanto pelo governo federal, no caso do PIS/COFINS”[7].

Necessário, pois, de buscar a efetivação do mecanismo de não cumulatividade dos tributos incidentes sobre o consumo, que objetiva garantir a neutralidade das incidências tributárias na cadeia produtiva e de consumo de bens e de serviços como forma de prestigiar a competitividade dos produtos brasileiros e de possibilitar o acesso por parte dos consumidores. Uma vez que a neutralidade dos tributos sobre o consumo é o objetivo precípuo da não cumulatividade tributária, mecanismo que integra típica política pública econômica, a sua constante busca e manutenção deve ser observada como forma de propiciar a fruição de direitos, a confiança dos contribuintes nas instituições brasileiras e o estímulo ao crescimento econômico.

Afinal, a quem interessa a demora na efetivação do direito ao abatimento ou compensação de créditos tributários reconhecidos em favor dos contribuintes?

[1]André Mendes Moreira alerta para o fato de que o abatimento, ou compensação, de créditos tributários pelo contribuinte “não se confunde com a do indébito tributário prescrita nos arts. 170 e 170-A do CTN (e regulada pelas leis ordinárias de cada ente federado). A compensação do tributo pago indevidamente é forma de extinção do crédito tributário (CTN, art. 156, II). Já a compensação dos créditos de exações não cumulativas consiste em operação contábil, realizada pelo próprio contribuinte, com o fito exclusivo de se apurar o quantum a pagar”. In MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 137-138.

[2] SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV, v. 5, n. 2, março 2008. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, p. 5. Disponível em <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2811> Acesso em 10/9/2015.

[3] CASTRO, Marcus Faro. Direito, tributação e econômica no Brasil: aportes da análise jurídica da política econômica. Revista da PGFN, ano 1, n. 2. Brasília, 2011, p. 38.Disponível em <http://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/ano-i-numero-ii-2011/007.pdf> Acesso em 6/11/2015.

[4] Vide artigo 153, § 3º, II, da Constituição brasileira de 1988.

[5] MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 85.

[6] AFONSO, José Roberto Rodrigues, SOARES, Julia Morais e CASTRO, Kleber Pacheco de. Avaliação da estrutura e do desempenho do sistema tributário brasileiro: livro branco da tributação brasileira. Banco Interamericano de Desenvolvimento: 2013, p. 85. Disponível em <http://www.iadb.org/wmsfiles/products/publications/documents/37434330.pdf> Acesso em 18/11/2015.

[7] AFONSO, José Roberto Rodrigues, SOARES, Julia Morais e CASTRO, Kleber Pacheco de. Avaliação da estrutura e do desempenho do sistema tributário brasileiro: livro branco da tributação brasileira. Banco Interamericano de Desenvolvimento: 2013, p. 86. Disponível em <http://www.iadb.org/wmsfiles/products/publications/documents/37434330.pdf> Acesso em 18/11/2015.

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