Infortúnios na carreira

Advogado americano avalia influência da sorte no sucesso profissional

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29 de novembro de 2015, 7h12

O sucesso na carreira de um advogado resulta de muito esforço: anos de estudos e dedicação, muito trabalho, atividades de marketing, entre as quais formação de relacionamentos — e também de uma boa dose de sorte, diz o advogado Mark Herrmann, assessor jurídico de uma grande empresa americana.

Herrmann conta em um artigo para o site Above the Law que se atentou para isso, por acaso, há dez anos. Em um evento da publicação Mil pessoas mais influentes na América — que traça um perfil curto de profissionais bem-sucedidos no país, gratuitamente, e um perfil longo por “módicos” US$ 999,95 —, um entrevistador se aproximou dele e perguntou qual era o segredo de seu sucesso.

Ele respondeu, quase automaticamente: “Sorte”. Com uma expressão intrigada, o entrevistador comentou: “Engraçado. ‘Sorte’ é a primeira palavra que ouço de advogados quando faço essa pergunta. Raramente eu a ouço de profissionais de outros campos”.

O advogado disse que esse comentário o perseguiu por dez anos, até que finalmente decidiu investigar o assunto, mesmo que informalmente. Pensou mais detidamente sobre a influência da sorte na carreira de um advogado, pediu a opinião de colegas e resolveu escrever sobre isso.

Herrmann e muitos de seus colegas de escritório sempre atuaram em contencioso e ele chegou à conclusão de que, nessa área, os advogados são mais sensíveis à sorte.

Quando um de seus casos trabalhistas é julgado em um tribunal de recursos, normalmente o sucesso depende da composição do painel de três juízes destacados para julgá-lo.

Se os juízes forem Átila, Vlad e Robespierre, ele sabe, desde logo, que está com sorte. “Esse caso eu não perco”, pensa. Porém, se os juízes forem Lenin, Marx e Engels, já acha que a sorte o abandonou e que vai perder a disputa. “Já sei que vou fazer o melhor possível, mas vou perder”, diz.

“Isso não tem nada a ver comigo ou com meu trabalho, evidentemente. E tem pouco a ver com justiça para a causa de meu cliente. É tudo uma questão de sorte ou azar, pura e simplesmente”, afirma.

Em um tribunal de primeiro grau, o juiz que vai presidir o julgamento pode ser notoriamente favorável ao demandante. Ou conhecido por favorecer o demandado. Ou pode ser notável por por sua tendência de buscar acordos.

O fato é que, dependendo das mãos em que o processo vai cair, posso esperar que o julgamento transcorrerá com uma certa tranquilidade. Ou que devo me preparar para mais de dois anos de contencioso.

E disso depende também a impressão que meu cliente terá sobre a qualidade do meu trabalho. Com alguma sorte, ele irá dizer a outro possível cliente que sou eficiente. Mas, se o cenário não for favorável, ele poderá dizer que o estou “enrolando” há mais de dois anos.

Quando o advogado atua em um tribunal do júri (criminal ou civil, nos EUA), a escolha dos jurados vem sempre com uma carga de sorte ou azar.

Mas a sorte não pesa apenas para quem atua em contencioso, diz Herrmann. Afeta todos os advogados, de diversas maneiras.

Imagine que você representa uma grande empresa, de onde vem a grande fatia de seus rendimentos anuais e foi escolhido por sua competência, por sua especialização e pelo ótimo relacionamento que desenvolveu com o assessor jurídico da empresa, que aprecia seus conhecimentos, seu trabalho, sua pontualidade, seu cumprimento de prazos etc.

Um dia, o assessor jurídico se aposenta e a empresa escolhe seu substituto. Sem qualquer consideração com todo o serviço que você já prestou à empresa, o novo executivo decide passar todo o serviço jurídico da empresa para seu ex-escritório, onde estão os advogados que ele conhece bem e confia. Sua grande fonte de renda se desvanece em alguns segundos. Má sorte?

Ou então quando você representa uma grande empresa há anos, o trabalho é tranquilo, o rendimento é alto, a aposentadoria do assessor jurídico não está à vista. Um belo dia, uma grande companhia adquire seu cliente. Seu trabalho no processo de aquisição provavelmente será o último para esse cliente. Todos os serviços jurídicos serão transferidos para a equipe jurídica da grande corporação. Muito obrigado por todo seu belo trabalho, mas… assim é a vida.

Imagine ainda que não terá esses problemas, porque trabalha para uma grande banca. Mas uma grande banca também perde clientes, em situações que muitos descreveriam como falta de sorte.

O mal maior é o escritório perder um montante considerável de sua receita e demitir o número de advogados contratados, entre os quais você. Outro mal é não ter mais condições de promover contratados a sócios, justo quando chegou a sua vez, por merecimento.

Nos EUA, alguns escritórios estão sofrendo com algumas mudanças no mercado jurídico, como a da "comoditização" de serviços jurídicos. Embora a banca consiga sobreviver, a área de trabalho — ou de especialização — de alguns advogados se definha. Deixa de ser rentável. E, portanto, não há mais “vaga” para sócios que atuam nessa área. Talvez haja dispensa.

Um profissional pode prever essas situações e conseguir emprego em uma banca cuja prosperidade contínua é fácil de prever. Para evitar surpresas desagradáveis — ou se tornar indispensável — o advogado se especializa em uma área que jamais será comoditizada. Porém, é surpreendido quando o Congresso passa uma nova lei que varre sua área de especialização do mercado.

Para evitar esses problemas, o advogado pode optar por um cargo na assessoria jurídica de uma empresa bem-sucedida de tecnologia, um mercado sempre em ascensão — mas também sujeito a mudanças bruscas. Uma tecnologia pode desaparecer em poucos anos, com o aparecimento de outra melhor, de outra empresa, infelizmente.

Herrmann diz reconhecer que o talento tem sua importância e que advogados competentes têm mais chances de fazer sucesso do que os ineptos. Porém, ele diz, advogados incompetentes podem topar com uma prática lucrativa, mesmo que por acaso, enquanto alguns competentes podem ter problemas por razões que estão fora de seu controle.

Alternativas
Herrmann aparentemente se divertiu com os infortúnios a que os advogados estão sujeitos em suas carreiras, independentemente do bom trabalho que fazem. Embora isso sirva de advertência, ele não se preocupou em mostrar alternativas para as situações que descreve.

Uma alternativa é óbvia, por ser bem conhecida de toda pequena e média empresa prestadora de serviços: nunca se deve colocar todos os ovos na mesma cesta. Assim, para um escritório de pequeno e médio porte, mais vale dez clientes de pequeno ou médio porte, do que um único cliente de grande porte.

Embora a receita vinda de um grande cliente possa ser igual ou maior do que a de dez clientes pequenos ou médios, a perda de um cliente é mais facilmente reparável — e não será um desastre. No caso da perda de um grande cliente único, aí sim, o desastre é inevitável.

A satisfação por ter um grande cliente que, sozinho, garante o sucesso do escritório é uma sensação perigosa. No fundo, é uma atividade de alto risco.

Além disso, o advogado nunca pode parar de desenvolver relacionamentos, fontes de referência, contatos com possíveis clientes através, de seminários, workshops, blogs, boletins e notícias na imprensa — isto é, nunca pode deixar de construir qualquer tipo de barco salva-vidas, para o caso de o navio afundar.

Enfim, se existe um componente de sorte na carreira do advogado, tal como descreveu Herrmann, existe a possibilidade de o profissional se preparar para lidar com as situações adversas que fazem parte da vida de qualquer um.

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