Opinião

Projeto de lei antiterrorismo que tramita no Congresso deve ser vetado

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27 de novembro de 2015, 5h17

Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”. (A Arte da Guerra – Sun Tzu)

Ainda sobre o impacto do que aconteceu na última sexta-feira 13 em Paris, o mundo, inclusive o Brasil, busca respostas para o ocorrido e maneiras de prevenir e combater o que se convencionou chamar de “terrorismo”.  

Muitos são os que atribuem à origem do termo terrorismo a fase do “terror” imposta pela Revolução Francesa após a queda de Robespierre. Em 1793, a Convenção Nacional instaura o “terror” como forma de governo, no qual medidas de exceção foram tomadas em nome da Revolução e do Estado.

Somente após a primeira guerra mundial é que se formou uma comissão de juristas para estudar as violações ao direito internacional em tema de guerra, até então não havia o conceito de terrorismo. Após o assassinato em Marselha do Rei Alexandre da Iugoslávia e do Ministro das Relações Exteriores da França, Barthou, em 1937, é que a comunidade internacional formou uma comissão de juristas para estudar as violações ao direito internacional em tema de guerra[i],  que culminou na Convenção de Genebra para prevenção e repressão do terrorismo de 1937 (que jamais entrou em vigor) e que, também, não definiu o que seja terrorismo, mas tão somente os chamados atos de terrorismo praticados contra Estados[ii].

No âmbito da Organização das Nações Unidas várias tentativas foram feitas para definir o terrorismo. A quarta Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949, relativa à proteção de pessoas civis em tempos de guerra, embora “condenando” toda medida de terrorismo não definiu o que seja.[iii] A Resolução 2625 das Nações Unidas, de 24 de outubro de 1970, estabelece que todo Estado tem a obrigação de abster-se de organizar, instigar, auxiliar ou participar de atos terroristas em outro Estado ou permitir, em seu território, atividades organizadas com o intuito de promover o cometimento desses atos. Como se percebe, também, não definiu o que é terrorismo. De igual modo a Resolução 2.734, de 16 de dezembro de 1970.

A ausência de um conceito, resultante da própria dificuldade em estabelecer um consenso acerca do que é terrorismo que seja universalmente aceito no campo do direito internacional induz a que alguns Estados considerem determinadas condutas como atos de terrorismo, quando cometidos pelos inimigos. Mas, quando as mesmas condutas são perpetradas pelos que estão ao seu lado, estas são tidas como normais ou até mesmo necessárias. Não é despiciendo lembrar que o crime político é o crime dos derrotados.

Pioneiro no Brasil ao tratar do tema, Heleno Claudio Fragoso[iv] em sua obra “Terrorismo e Criminalidade Política”, publicada pela editora Forense em 1981, quatro anos antes de sua morte prematura, logo no início da obra reconhece a complexidade e inquietude do fenômeno. Lembrando, ainda, que a expressão terrorismo apresenta uma conotação pejorativa, frequentemente empregada “pelos que estão no poder contra grupos dissidentes, para suscitar temor e hostilidade[v]

No que se refere a uma definição global do terrorismo, o historiador, judeu polonês, Walter Laqueur, em seu livro Terrorismo (Ed. Espasa-Calpe, Madri, 1980) afirmou que uma definição geral de terrorismo não existe e não será encontrada em um futuro próximo. Informando que no suplemento de 1789 do dicionário da Academia Francesa, se definia o terrorismo como “regime de terror”. Muitos países, ainda segundo Laqueur, “conheceram suas Vésperas sicilianas e suas Noites de São Bartolomeu: os imperadores romanos, os sultões otomanos, os czares russos e muitos outros eliminaram seus inimigos, reais ou imaginários”.

Na perspectiva criminológica crítica, Maurício Stegemann Dieter[vi] articula a insuficiência e a precariedade de um conceito apenas jurídico penal de terrorismo que define o mesmo apenas como uma espécie de crime político. Como bem afirma o professor de criminologia, “o terrorismo não é um problema de Direito Penal, mas político”. De acordo com Dieter, em seu instrutivo, “além de insuficiente, reduzir um fenômeno complexo à dimensão jurídica pode ser perigoso, porque a estática definição legal não compreende a dinâmica de seus efeitos materiais, o que neste caso significa ignorar o uso político do termo terrorismo como mero pretexto para intervenções violentas e reiteradas violações aos direitos fundamentais em âmbito doméstico e mundial, o que coloca em risco a própria base do Estado Democrático de Direito”.

Como se vê, a definição do que é terrorismo por si só é complexa, intricada e de difícil compreensão. Por mais que se tentem e muitos tentaram, não se consegue com precisão chegar a um consenso sobre a definição de terrorismo.

Em razão das dificuldades em se definir terrorismo, sobretudo quando se ambiciona construir uma definição universalmente aceita, tanto a Assembleia Geral quanto o Conselho de Segurança das Nações Unidas optaram por uma abordagem temática. De acordo com Leonardo Nemer[vii], “a técnica utilizada foi a de se referir às infrações (como o sequestro de aeronaves) sem, contudo, se mencionar o termo terrorismo.

Para vários autores estudiosos do tema não existe uma figura específica de crime de terrorismo, o que há, segundo esses, são diversas espécies de crimes que se caracterizam, de acordo com Fragoso: a) por causar dano considerável a pessoas e coisas; b) pela criação real ou potencial de terror ou intimidação generalizada, e c) pela finalidade político-social. É importante salientar que o fim de agir é elementar para a caracterização do crime, ou seja, político-social. Como ressalta Fragoso, os agentes do crime em tela se “dirigem contra a vigente ordem política e social, para destruí-la, para mudá-la ou para mantê-la pela violência”. Não havendo, portanto, “terrorismo comum[viii].

Além de causar destruição e morte, os fatos que se sucederam em Paris e que ocorrem, vez ou outra, em alguma parte do planeta trazem outras consequências, por vezes, não tão visíveis e questionáveis. A cada atentado, morte e destruição, aumenta o poder punitivo e de polícia dos Estados. Ideias autoritárias, preconceituosas e, até mesmo, fascistas ganham força e aquiescência da grande maioria da população. Poderes ilimitados são conferidos em nome do combate ao “terrorismo” e a preservação, ilusória, da segurança.

Na França logo após os atentados do último dia 13 de novembro foi decretado Estado de Emergência, que já foi prorrogado até o dia 25 de fevereiro de 2016. O presidente François Hollande propôs mudar a Constituição para combater o terrorismo. Ele propõe, entre outras medidas, a expulsão de estrangeiros considerados uma ameaça à ordem pública, retirar a dupla cidadania de quem realizar atos hostis à segurança nacional, além de impedir cidadãos com dupla cidadania considerados uma ameaça de terrorismo de entrarem em território francês. Segundo o presidente francês as forças de segurança colocaram mais de 100 pessoas em prisão domiciliar e invadiram 168 instalações desde que foi declarado estado de emergência. O estado de emergência  permite às forças de segurança recorrer a meios suplementares para lutar contra a ameaça terrorista; alarga a margem de manobra das forças de segurança em questão de detenções domiciliárias; prolonga a detenção preventiva relacionada com ameaças de terrorismo e em matéria de buscas. O regime das detenções domiciliárias pode ser aplicado a qualquer pessoa cujo comportamento possa ser suspeito de constituir uma ameaça à segurança e ordem públicas.

Nos EUA, na semana dos atentados de 11 de setembro, o Congresso autorizou o então presidente Bush a usar as Forças Armadas contra as nações, organizações e, até  mesmo, pessoas que tenham planejado, autorizado, cometido ou prestado apoio aos ataques ou amparado tais organizações ou pessoas.

Verifica-se que nas situações de ataques e atentados, o Estado Penal acaba saindo mais fortalecido em nome, como já dito, de uma ilusória segurança. O direito penal é vendido pelo Estado e comprado pela sociedade como se fosse a panaceia para todos os males, inclusive, para o “terrorismo”.

O Brasil, em tese e a princípio está livre do chamado ataque “terrorista”, entretanto,  no último dia 13 de agosto foi aprovada na Câmara dos Deputados e já se encontra em vias de aprovação do texto final o projeto de lei denominado de “antiterrorismo” (PL 2016/2015), enviado pelo Poder Executivo. Sendo certo que o projeto enviado pelo Poder Executivo foi substancialmente alterado na Câmara dos Deputados. O texto final regulamenta o disposto no inciso XLIII, do artigo 5º, da Constituição da República, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista; e altera as Leis 7.960, de 21 de dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto de 2013.

Sem entrar no mérito e nem tecer pormenores sobre o referido projeto, necessário destacar que o Brasil não pode e não deve seguir os exemplos dos países que convivem diuturnamente com o medo e a ameaça. O Brasil tem uma cultura, como sói acontecer, própria, sua tradição difere em muito dos países europeus e dos EUA. Lembrando sempre que leis casuísticas, movidas pelo sentimentalismo e por forte emoção, geralmente são catastróficas e acabam por afrontar os princípios fundamentais e norteadores do Estado democrático de direito.

Entendemos que no momento o melhor caminho, o mais racional e mais indicado é na hora própria e oportuna, em razão de inúmeras modificações feitas no projeto inicial do executivo, a presidente da República vetar o referido projeto de lei. Posteriormente, caso o executivo insista na necessidade de uma lei antiterrorismo, que seja formada e nomeada uma comissão de juristas para elaboração do anteprojeto e, ainda, que o mesmo seja amplamente discutido na academia e com a sociedade.

Finalmente, necessário ter sempre em mente e presente que qualquer que seja a lei, principalmente se tratar de lei criminalizadora e que preveja penas privativas de liberdade, não pode o legislador afastar-se um milímetro sequer dos princípios fundamentais e constitucionais, caso contrário estará colocando em risco o próprio Estado democrático de direito.


[i] REGHELIN, Elisangela Melo. Entre terroristas e inimigos… Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 66, p. 271-314. São Paulo: RT. (maio-junho de 2007).

[ii] A Convenção de Genebra de 16 de novembro de 1937 definiu terrorismo como “fatos criminosos dirigidos contra um Estado e cujos fins ou natureza consiste em provocar o terror em pessoas determinadas, grupos de pessoas ou no público de forma geral”.

[iii] BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Terrorismo internacional: a guerra preventiva e a desconstrução do direito internacional. Revista Brasileira de Estudos Políticos….

[iv] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Terrorismo e criminalidade política. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

[v] FRAGOSO. Ob. cit. p. 2.

[vi] DIETER, Maurício Stegemann. Terrorismo: reflexões a partir da criminologia crítica. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 75, p. 295-338. São Paulo: RT. (novembro-dezembro de 2008).

[vii] BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Ob. cit. p. 214-215.

[viii] LAQUEUR, Walter.Terrorismo. Madri: Ed. Espasa-Calpe, 1980.

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