Interrogatório não é depoimento

Condenação não pode se valer apenas
de delação premiada, decide TJ-SP

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25 de novembro de 2015, 5h30

A condenação do acusado de um crime não pode tomar como base apenas uma delação, ainda mais quando o autor das alegações é corréu na ação. Assim entendeu o a 5ª Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo ao absolver um réu que era julgado por receptação de carga roubada.

No caso, o réu havia sido condenado a quatro anos e quatro meses de prisão apenas com base no depoimento do corréu, que tinha afirmado que o sentenciado era o responsável por receber carros que eram enviados ilegalmente. Com a condenação, o acusado, que foi representado pelo advogado Daniel Bialski, apresentou recurso, contestando a prova usada na sentença.

Ao analisar o caso, o relator do processo, desembargador Francisco Bruno, citou o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence ao afirmar que o interrogatório não pode ser considerado como depoimento. Segundo o jurista “um ato que, provindo do acusado, não se pode, nem mesmo para certos efeitos, fingir que provenha de uma testemunha. O acusado, não apenas não jura, mas pode até mentir impunemente em sua defesa”.

Ao decidir pela absolvição do acusado, o desembargador voltou a exaltar que as condenações não podem ser fundamentadas somente em declarações de outros envolvidos nos crimes. Com todo o respeito pela opinião divergente, parece-me claro que não se podem aceitar as declarações como presumivelmente verdadeiras, acima de dúvida razoável; agir assim implicaria flagrante desrespeito não só ao princípio do benefício da dúvida como ao do contraditório.

O representante do réu, Daniel Bialski, concorda com a opinião do magistrado e ressalta que a validade da delação premiada também deve considerar onde ela foi prestada e seu conteúdo ainda é sólido depois de ser comparado com as outras provas. Segundo ele, a delação "é somente mais um elemento e deve ser examinada e avaliada em conjunto com o mais que for produzido no processo".

Porém, quando esse instituto é isolado no processo, o advogado afirma que ele não pode ser usado para confundir a livre convicção de arbítrio e condenação com base em mera suspeita. "É inimaginável que uma pessoa possa ser processada e condenada com amparo em delação feita apenas na fase policial. Igualmente, com amparo em delação ainda que feita na fase judicial, mas que resta isolada no processo, não encontrando eco em nada mais que venha a ser produzido", explica.

Bialski também critica as prisões preventivas que, em outros processos e investigações, são consideradas por outros advogados como uma maneira de forçar a delação. O advogado diz que a medida deveria ser sempre usada como última opção. "Com as inovações legislativas, com a inclusão de medidas difusas — artigo 319 do Código de Processo Penal —, a prisão imediata causa insegurança, colocando em extrema dúvida se realmente esse sacrifício de liberdade seria necessário."

"Jamais se pode usar a liberdade como moeda de troca para se conseguir delações. Fere-se a partir daí algo imprescindível para se dar credibilidade àquela declaração — a espontaneidade. E essa forma de agir traz uma enorme dúvida se realmente aqueles que estão presos e querem a liberdade a qualquer custo, falam a verdade", conclui Bialski.

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