Corte de verba

Políticos do Kansas chantageiam Judiciário com leis que podem paralisá-lo

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23 de novembro de 2015, 10h47

Os poderes Executivo e Legislativo do Kansas (EUA), ambos controlados pelo partido Republicano, estão unidos para enfraquecer o Judiciário do estado. Em retaliação a decisões que obrigavam o estado a gastar de forma equilibrada as verbas da educação, a Assembleia Legislativa baixou uma lei que reduz a autoridade administrativa da Suprema Corte do estado. Como se não bastasse, uma nova lei promete extinguir todas as verbas ao Judiciário caso a primeira seja declarada inconstitucional.

Tecnicamente, a corte estadual pode julgar a constitucionalidade da lei, independentemente da chantagem legislativa. Mas a Procuradoria-Geral do estado protocolou uma petição no tribunal, pedindo que todos os ministros se declarem impedidos de julgar a primeira lei. Alegam conflito de interesses e que os ministros (ou quaisquer juízes) não podem julgar em causa própria. Se eles atenderem ao pedido, o processo fica parado e o impasse permanece.

Menos tributos
No centro do confronto, está o plano do partido Republicano de reduzir ao máximo a tributação no estado — além de comandar o Executivo, dois terços dos parlamentares do estado são republicanos. Em 2012 o governador Sam Brownback implementou um “plano de redução drástica” da tributação estadual, como um “experimento real e dinâmico da governança republicana”, com a promessa de que isso iria criar prosperidade e empregos.

Antes disso, em 2010, uma “coalizão de escolas públicas”  moveu uma ação judicial, para obrigar o governo do estado e restaurar o financiamento da educação para os níveis pré-recessão de 2008. A Constituição do estado determina que o governo deve prover financiamento “adequado” à educação.

Em março de 2014, o Tribunal Superior do Estado ordenou ao governo que cumprisse a determinação constitucional. Porém, o estado não tinha dinheiro. O plano de redução da tributação reduziu “drasticamente” as receitas do estado. O plano sequer funcionou: as promessas de prosperidade e de criação de novos empregos não se cumpriram.

Assim, em vez de restaurar o financiamento da educação para níveis adequados, o governo fez mais cortes nessa área. E, pior, alocou a maior parte dos poucos recursos disponíveis a escolas situadas em vizinhanças ricas, deixando à míngua as escolas das vizinhanças pobres.

Em dezembro de 2014, o Tribunal Superior decidiu que a distribuição de recursos realmente favorecia as escolas das vizinhanças ricas e ordenou o restabelecimento imediato da equidade. E reenviou o processo para um tribunal de primeiro grau para decidir sobre a inadequação das verbas para as escolas. O tribunal decidiu que a distribuição do dinheiro não estava conforme determina a Constituição estadual.

Retaliação
Em resposta, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei em março de 2015, sancionada pelo governador, com o objetivo de enfraquecer o Judiciário do estado. A lei reduz a autoridade administrativa do Tribunal Superior. Entre outras coisas, retira do tribunal a autoridade para apontar os presidentes dos 31 tribunais distritais do estado.

O presidente de um tribunal distrital, juiz Larry Solomon, decidiu que ela é inconstitucional, porque viola os dispositivos da Constituição que preveem a separação dos poderes. O estado entrou com recurso na Suprema Corte estadual.

Uma reação mais pesada do Legislativo veio no mês passado. Na aprovação da lei do orçamento, a segunda lei de ataque aos tribunais, a maioria republicana tomou a providência inédita de separar os dispositivos orçamentários do Judiciário daqueles do Executivo e do Legislativo.

Sem dinheiro
Acontece que a parte da lei destinada ao Judiciário veio com um botão de autodestruição: um dispositivo determina que todas as verbas orçamentárias, destinadas ao Judiciário estadual, serão extintas, se qualquer tribunal derrubar a lei que reduz a autoridade administrativa do Tribunal Superior ou decida que ela é inconstitucional.

A nova lei do orçamento, que pode paralisar a Justiça no estado, ainda precisa ser assinada pelo governador republicano. Mas, por via das dúvidas, o juiz Solomon suspendeu sua sentença, até que a Suprema Corte do Kansas, que vai julgar o caso, decida o que fazer.

Além dos problemas de conflito de interesse e de julgar em causa própria suscitados pela Procuradoria-Geral na petição, alguns ministros do Tribunal Superior criticaram duramente a lei, quando ela foi aprovada. Isso, segundo os republicanos, caracteriza um pré-julgamento.

“Basicamente, os legisladores estão tentando chantagear os ministros do Tribunal Superior, para que decidam em favor do Legislativo – ou o Judiciário será paralisado. A disposição dos parlamentares estaduais de privar os cidadãos de Kansas de um processo judicial em pleno funcionamento é chocante”, escreveu, em editorial, o jornal Kansas City Star.

Mais ataques
Para aumentar a pressão, os parlamentares introduziram um projeto de lei, ainda em tramitação, para mudar o sistema de escolha de ministros do Tribunal Superior. Atualmente, uma comissão seleciona os candidatos e envia uma lista ao governador, para que ele escolha um nome.

O projeto de lei pretende que a escolha seja feita, daqui para a frente, através de eleições partidárias ou que o poder de nomear novos ministros seja transferido para o governador. Outro projeto torna os juízes (incluindo os ministros) sujeitos a revogação ou cassação de mandato pelos eleitores (recall elections). Além disso, permite que eles sejam cassados se apenas um terço dos eleitores optarem por não retê-los no cargo.

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