Opinião

É digna de aplausos decisão do STJ sobre condômino inadimplente e antissocial

Autor

  • Mário Luiz Delgado

    é advogado professor da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp) e da Escola Paulista de Direito (EPD) doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e do Instituto de Direito Comparado Luso Brasileiro (IDCLB).

21 de novembro de 2015, 5h37

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente, ao julgar o REsp 1.247.020, que o condômino inadimplente que não cumpre com seus deveres perante o condomínio pode ser obrigado a pagar multa de até dez vezes o valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais. Em outras palavras, disse o STJ que a multa prevista no parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil pode ser aplicada ao devedor contumaz, cumulativamente com a multa moratória de 2% prevista no parágrafo 1º do artigo 1.336.

A posição coincide com a que vimos sustentando desde 2008, quando da publicação do trabalho “Condomínio edilício: inadimplência, multas e juros. Algumas controvérsias[1].

No âmbito do condomínio edilício, a lei dispõe sobre a aplicação basicamente de dois tipos de multas: a multa moratória, cuja finalidade é sancionar a impontualidade do condômino, que tem como fato gerador o retardamento da execução da obrigação específica de pagar a taxa condominial, e a multa compensatória, destinada a compensar ou reparar o condomínio pelo descumprimento do pacto de convivência estabelecido na convenção por um ou por alguns dos condôminos. Tem como fato gerador a inexecução total ou parcial da convenção.

A multa moratória é aquela prevista no parágrafo 1º do artigo 1.336. As multas compensatórias são aquelas previstas no parágrafo 2º do artigo 1.336 e no artigo 1.337. Em face de terem origem em fatos geradores diversos, multas moratória e compensatórias poderão ser cumuladas, como corretamente decidiu o STJ.

A multa prevista no caput do artigo 1.337 é destinada a punir o descumprimento “reiterado” de toda e qualquer obrigação do condômino para com o condomínio. O dispositivo tem como objetivos primordiais assegurar a paz e a harmonia no condomínio, coibindo comportamentos incompatíveis com a vida comunitária, além de estimular uma maior participação dos condôminos nas assembleias.

Daí prever o caput do artigo a aplicação de uma multa de até um quíntuplo da cota condominial para o condômino que, reiteradamente, não cumpre com suas obrigações perante o condomínio, prejudicando e sobrecarregando os demais condôminos, multa que não só pode como deve ser imposta ao condômino que repetidamente deixa de pagar a sua cota condominial.

Isso porque, entre os deveres do condômino para com o condomínio, o mais importante deles, sem sombra de dúvida e até mesmo por definição emergente do inciso I do artigo 1.336 do CC, é o de contribuir para as despesas do condomínio. O descumprimento reiterado desse dever conduz à possibilidade de ser aplicada a multa prevista no caput do artigo 1.337.

Mas atenção: essa multa não tem por função punir o simples inadimplemento, mas coibir a chamada “inadimplência reiterada”, compensando o condomínio pela violação, pela inexecução da convenção, representada pelo descumprimento reiterado do mais importante dever do condômino para com o condomínio.

Em razão da nítida distinção entre a imposição da multa moratória pelo atraso no pagamento da cota condominial e a multa compensatória pelo descumprimento reiterado de deveres de condômino, inclusive o dever de pagar a taxa, não há óbice a que haja a cumulação das duas penas, em face da diversidade de fatos geradores. De fato, se os fatos geradores fossem idênticos, estaríamos punindo um mesmo fato com duas penas, o que caracterizaria inadmissível bis in idem. Mas não é esse o caso!

Na verdade, são dois fatos geradores distintos. Uma coisa é a inexecução parcial da convenção do condomínio, caracterizada pelo atraso ou impontualidade na quitação da taxa (inadimplemento relativo da prestação). Esse fato é apenado com a multa moratória de 2%. Outra coisa, completamente diversa, é a reiteração da impontualidade. Nessa última hipótese, o fato gerador não é a inadimplência em si, mas a “repetição” da conduta, a contumácia, o comportamento de reiteradamente inadimplir, de sempre atrasar. Esse comportamento contumaz, muitas vezes até mesmo proposital, viola completamente o pacto de convivência estabelecido na convenção, razão pela qual deve ser punido por meio de pena pecuniária, a qual, nesse caso específico, tem natureza compensatória ou reparatória.

Claro é que o conceito de “descumprimento reiterado” é aberto e indeterminado, devendo ser preenchido de acordo com as circunstâncias do caso concreto e tendo sempre em mira o princípio da boa-fé objetiva. O prazo para caracterização da “reiteração” pode variar. A situação de um rico comerciante que, propositadamente, por “pirraça” com o síndico, por exemplo, deixa de pagar a taxa por dois ou três meses consecutivos não pode ser equiparada àquela do comerciário desempregado que deixa de pagar a taxa por vários meses, consecutivos ou alternados, por absoluta falta de recursos financeiros. É fundamental que se perscrute os motivos do inadimplemento.

Exatamente para possibilitar a equidade na aplicação da pena, dada a gravidade da medida, exige o código que a multa somente possa ser imposta por decisão da assembleia, com a aprovação de 3/4 dos condôminos, excluindo-se, naturalmente, o condômino infrator[2].

O parágrafo único do artigo 1.337, por sua vez, estabelece multa de dez vezes o valor da taxa condominial ao condômino que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos.

Essa multa também possui natureza compensatória, procurando reparar o condomínio pela inexecução praticamente total do pacto de convivência estabelecido na convenção, perpetrada por aquele condômino cujo comportamento apresenta-se “reiteradamente” incompatível com a vida em comunidade.

Ao contrário da multa de que trata o caput do artigo, imposta em assembleia, a multa de um décuplo tratada no parágrafo único pode ser aplicada pelo síndico independentemente de deliberação assemblear, desde que exista previsão na convenção, sujeitando-se, apenas, a ulterior ratificação da assembleia, que deverá confirmar a multa com os votos de 3/4 dos condôminos restantes, excluindo-se o infrator.

Caso o condômino penalizado tenha se antecipado ao pagamento e a multa não venha a ser ratificada pela assembleia, caberá ao condomínio devolver o valor recebido. Importante registrar que não há vedação a que a multa seja repetida, sem limitação, na medida em que persistir o reiterado comportamento antissocial, o que poderá levar, em determinadas hipóteses, indiretamente, à exclusão compulsória daquele condômino[3].

A aplicação imediata da multa pelo síndico não prescinde da prévia comunicação ao infrator, assinalando-lhe prazo para justificar a sua conduta[4].

Observe-se, no entanto, que o código não define o que seja esse comportamento antissocial, cabendo à assembleia deliberar de acordo com o caso concreto e ao penalizado, em discordando da penalidade, recorrer às vias judiciais.

Trata-se de mais um conceito jurídico indeterminado, a ser preenchido de acordo com as circunstâncias de cada situação particular. O que pode ser considerado “antissocial” em um determinado condomínio de alto poder aquisitivo, pode vir a ser tolerado em um condomínio popular.

Quanto ao não pagamento da taxa condominial, e utilizando o mesmo raciocínio exposto no tocante à multa por descumprimento reiterado de deveres, não temos dúvida de que a multa por comportamento antissocial também pode ser aplicada aos casos de inadimplência contumaz. O inadimplente reiterado se mostra tão antissocial quanto o condômino toxicômano, que faz uso ostensivo de drogas nas dependências do condomínio, ou aquele que passa as madrugadas tocando bateria, emitindo sons de elevados decibéis, inviabilizando o sono dos demais condôminos. No caso do inadimplente, o comportamento antissocial se caracteriza pela sobrecarga imposta aos custos de manutenção e conservação do edifício, sendo que o inadimplente continuará a desfrutar normalmente de todos os serviços oferecidos pelo condomínio à custa dos demais condôminos.

Nos casos de inadimplemento “abusivo”, a aplicação da multa por comportamento antissocial deve ser precedida da aplicação da multa por descumprimento reiterado de deveres. Ou seja, em primeiro lugar, deve-se aplicar a multa prevista no caput do artigo 1.337. Caso a penalidade não cumpra com a sua finalidade e o condômino persista, sem justa causa, na conduta de inadimplente contumaz, deve-se aplicar a multa do parágrafo único.

Em conclusão, é digna de aplausos a decisão da 4ª Turma do STJ.  Em razão da nítida distinção, quanto aos fatos geradores, entre a multa moratória pelo atraso no pagamento da cota condominial e a multa compensatória pelo descumprimento reiterado de deveres de condômino, inclusive o dever de pagar a taxa, não há óbice a que a multa prevista no caput do artigo 1.337 seja aplicada aos casos de inadimplência contumaz. Da mesma forma, a multa por comportamento antissocial de que trata o parágrafo único do artigo 1.337 pode ser aplicada em casos de inadimplência contumaz e abusiva.


[1] IN Novo Código Civil: Questões controvertidas: Direito das Coisas. 1º ed. São Paulo: Método, 2008. v. 7, pp. 273-290.
[2] Criticado por alguns em razão do esvaziamento atual das reuniões de condomínio, esse quorum qualificado de 3/4 deve servir de estímulo para que os moradores passem a frequentar as assembleias, participando mais efetivamente das deliberações do condomínio.
[3] O Código Civil não trouxe previsão expressa sobre a interdição temporária ou definitiva do condômino antissocial, a exemplo do Direito Civil espanhol (artigo 19 da Lei 49/1960), alemão (parágrafos 31 a 58 da Lei Federal de 15 de março de 1951, que dispõe sobre condomínio em edifícios), suíço (artigos 649-b e 649-c), dentre outros.
[4] Essa foi a conclusão a que chegou a I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13.09.2002: “As sanções do artigo 1.337 do NCC não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo” (Enunciado 92).

Autores

  • é sócio fundador de MLD - Advogados, em Direito Civil pela USP, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor da Escola Paulista de Direito (EPD), diretor de Assuntos Legislativos do Iasp e presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM.

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