Opinião

Judiciário exerce ativismo relevante para desenvolvimento sustentável

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20 de novembro de 2015, 6h27

Importante para a humanidade foi a recente aprovação dos 17 objetivos e 169 metas para o desenvolvimento sustentável pela Conferência das Nações Unidas. A chamada Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 foi elaborada em Nova York no último mês de setembro. De fato, o desenvolvimento econômico apenas é insuficiente, precisa estar acompanhado do desenvolvimento humano, respeito ao meio ambiente e governança.

Central é para a humanidade levar a sério o desenvolvimento sustentável nos dias atuais. O planeta sofre com a superpopulação e a exploração acelerada e não planejada de recursos não renováveis e escassos, como previsto por Garret Hardin, em seu elegante ensaio, A Tragédia dos Comuns, publicado na Revista Science, em 1968.[1] Existem hoje mais de 7,2 bilhões de pessoas na terra, nove vezes mais do que os 800 milhões dos tempos da Revolução Industrial, em 1750. A cada ano nascem mais de 75 milhões de seres humanos. Até 2040 a população mundial estará entre 8 e 9 bilhões de pessoas disputando entre si, e com os demais seres vivos, os recursos naturais e o espaço limitado de que dispomos.[2]

O produto mundial bruto anual é de U$ 90 trilhões. A economia mundial está crescendo rapidamente, de 3% a 4% ao ano, com uma desigual distribuição de renda dentro dos países e entre as nações[3] como denunciado pelo prêmio nobel de economia Joseph Stiglitz mais uma vez, em recente obra. Existem nações muito ricas e outras muito pobres.[4] Bilhões de seres humanos gozam de longevidade e de boa saúde, enquanto mais de um bilhão de pessoas passam fome, sede, fogem de guerras e de catástrofes ambientais, vivendo na pobreza absoluta.

Neste contexto econômico e social é adicionada a grave crise ambiental que a humanidade está inserida pela vulnerabilização e extinção da biodiversidade e pelos nefastos efeitos das mudanças climáticas provocadas em grande parte pela ação humana. Entre 1750 e 2013, o aumento das emissões de dióxido de carbono foi de 280 partes por milhão, para 397 partes por milhão; de metano, o aumento foi de 700 partes por bilhão para cerca de 1758 partes por bilhão; e de 270 partes por bilhão para 323 partes por bilhão de óxido nitroso.[5] O aquecimento global causa impactos e danos à saúde humana, a infraestrutura, as reservas de água potável, ecossistemas e oceanos.

O Brasil é a expressão que bem ilustra esta desigualdade global. Embora seja a nona economia do mundo, em termos de Produto Interno Bruto[6], está em 79º colocado no ranking global de desenvolvimento humano.[7] É o 60º colocado no ranking mundial da educação.[8] Possui a 71ª posição em matéria de igualdade de gênero.[9] É o 17º país mais desigual do G-20 e o 14º país mais pobre do mundo, se for considerada a desigualdade como aspecto principal, de acordo com o ranking mundial da pobreza medido pelo índice Gini[10]. Ocupa, por fim, o 77º lugar no ranking mundial da sustentabilidade geral e o 115º no quesito de proteção de florestas de acordo com o Environmental Perfomance Index ,da Universidade de Yale, de 2014.[11]

O país acabou de assumir compromisso perante a ONU de reduzir em 43% as suas emissões de gases de efeito estufa, o que é louvável, mas de difícil concretização. Isto porque o desmatamento na Floresta Amazônica é elevado e não existe capacidade de fiscalizar toda a sua extensão. Os meios de transportes, públicos e privados, são movidos em sua maioria por combustíveis fósseis. Usinas de energia eólica e em especial solar são, ainda, pouco significantes. Não existe um planejamento para a criação de uma infraestrutura sustentável nas obras públicas e privadas. Falta um projeto consistente de conservação e eficiência energética. Não existem condições e estruturas disponíveis para a fiscalização das emissões pelo governo. Outrossim, o Brasil está muito distante de implementar os dois sistemas mais eficientes para a diminuição das emissões de gases de efeito estufa, o cap and trade[12] e, em especial, a tributação das emissões.[13]

Existe, ainda, grave problema afeto à governança. Recentemente dois grandes esquemas de corrupção eclodiram, o caso “mensalão”, em que propina era paga a políticos para o financiamento de campanhas eleitorais e o caso da “operação lava jato” que apurou o desvio de elevadas somas de dinheiro público provenientes da Petrobras.

A insatisfação com este cenário acabou por levar milhares de brasileiros as ruas no ano de 2013 para protestarem contra os políticos e a falta de políticas públicas eficientes. Recentemente o povo saiu as ruas exigindo o impeachment da Presidente da República, Dilma Rousseff.

É bem verdade que esta ineficiência das políticas públicas e a própria corrupção não vem de hoje, são mal feitos que acompanham o país desde os tempos em que este era colônia do império português. Fenômeno que não autoriza e tampouco justifica crimes recentes contra o Erário.

Neste cenário de desenvolvimento absolutamente insustentável, como o Poder Judiciário brasileiro tem decidido os casos?

Decisões judiciais têm garantido direitos importantes aos brasileiros que vem expressos na progressista Constituição de 1988, elaborada após 20 anos de ditadura militar. Muitas vezes o direito do cidadão ao tratamento médico, ao recebimento de medicamentos[14], a realização de cirurgias, o direito à moradia e o acesso à educação[15] é garantido pelo ativismo judicial.

O meio ambiente, por sua vez, é protegido pelo direito constitucional. A Constituição garante no seu artigo 225 que “…é um direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Recentes precedentes tem demonstrado que este dispositivo tem sido levado a sério pelos juízes. O Poder Judiciário, aplicando o princípio da precaução, tem evitado uma série de danos ambientais. Várias decisões impedem a realização de obras e a emissão de substâncias que poluem a água, o solo, o ar e ameaçam os animais, plantas e a própria saúde humana. [16] Nos processos judiciais, o ônus da prova é invertido para que o empreendedor prove que sua atividade não vai causar poluição e danos ao meio ambiente.[17] Nas ações de reparação de dano ambiental, por ação ou omissão, não é preciso comprovar a culpa do poluidor, basta a prova do dano e do nexo de causalidade.[18] Prevalece a teoria do risco integral, que não admite excludentes de responsabilização, nos casos de apuração de responsabilidade civil ambiental[19]. O dano ambiental, aliás, é considerado imprescritível por sólida jurisprudência.[20]

Quanto à governança, no caso do “mensalão”, vários políticos e empresários foram condenados pelo Poder Judiciário e presos pela prática de crimes. No caso da operação "lava jato", políticos e empreiteiros estão presos sob a suspeita de prática de crimes de corrupção. Alguns foram julgados e outros ainda o serão.

Evidentemente que este ativismo é enriquecido pela fundamental atuação dos advogados, públicos, privados e do Ministério Público. Estes elevam a qualidade dos debates, ao levarem importantes e qualificadas teses para a apreciação dos casos pelo Poder Judiciário quando as políticas públicas, infelizmente, não funcionam como deveriam.

Enfim, de acordo com o princípio da separação dos Poderes, cunhado por Montesquieu, na sua clássica obra o Espírito das Leis, o juiz deveria apenas ser a boca da lei, mas no caso brasileiro o Poder Judiciário está exercendo um ativismo da mais relevante importância para a promoção do desenvolvimento sustentável no seu aspecto ambiental, social, econômico e, especialmente, de governança.


1 HARDIN, Garret. The tragedy of the common. 162 Science, 1243, 1244-45, 1247(1968).

2 SACHS, Jeffrey. The Age of Sustainable Development. New York: Columbia University Press, 2015.P. 1.

3 SACHS, Jeffrey. The Age of Sustainable Development. New York: Columbia University Press, 2015.P. 2.

4 Ver, sobre a espiral da desigualdade: STIGLITZ, Joseph. The Great Divide. Unequal Societies and What We Can Do About Them. New York: W.W. Norton & Company, 2015.

5 GERRARD, Michael. Introdution and Overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody(Editors). Global Climate Change and U.S. Law. New York: American Bar Association, 2014.P. 7.

6BRASIL. Fonte: www.funag.gov.br. Acesso em: 10.10.2015.

7 UNITED NATIONS. Human Development Report 2014. Fonte: http://hdr.indp.org. Acesso em: 20.10.2015.

8 ORGANIZAÇAO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Fonte: www.oecd.hdr.undp.org. Acesso em: 20.09.2015.

9 UNITED NATIONS. Fonte: www.dr.undp.org. Acesso em: 20.09.2015.

10 WORLD BANK. Fonte: www.dr.undp.org. Acesso em: 30.10.2015.

11 YALE UNIVERSITY. Fonte: http://epi.yale.edu.Acesso em: 30.10.2015.

12 Sobre o cap and trade, ver: especificamente McALLISTER, Lesley K. Cap and Trade. In: In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody(Editors). Global Climate Change and U.S. Law. New York: American Bar Association, 2014.P.341-374.

13Sobre a tributação do carbono, ver: FREEMAN, Jody; KONSCHNIK, Kate. U.S. Climate Change Law and Policy: Possible Paths Forward. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody(Editors). Global Climate Change and U.S. Law. New York: American Bar Association, 2014.P. 7.

14 STF. Rel. Ministro Gilmar Mendes STA n 316, SC. DJ, 26 abr. 2010.

15 STF. Rel. Ministro Celso de Mello. ARE N 639.337. AgR/SP. DJ, 14 set.2011.

16 STF. Relatora Ministra Carmen Lúcia. ADPF 101. Plenário 04.06.2009.

17 STJ. 3a Turma. Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva. AGARESP- 206748. DJE 27.03.2013.

18STJ. 2a Turma. Relator Ministro Herman Benjamin. REsp. 1071741.DJE. 16.12.2010.

19 STJ. 4ª Turma. Relator Ministro Raul Araújo. RESP 201002176431. DJE. 04.02.2013.

20 STJ. 2ª Turma. Relator Ministro Castro Meira. RESP 201002176431. DJE. 04.02.2013.

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    é juiz federal, é ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) [2010-2012]. ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Ajufergs) [2008-2010]. Doutorando e Mestre em Direito. Visiting Scholar pela Columbia Law School.

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