Consultor Jurídico

Manifesto em defesa da unificação das carreiras da advocacia pública

20 de novembro de 2015, 15h04

Por Aldemario Araujo Castro, Vanessa Affonso Rocha, Thirzzia Carvalho, Lademir Gomes da Rocha

imprimir

A advocacia pública federal vive tempos difíceis, marcados pela precariedade de sua estrutura, pela fragilidade das prerrogativas de seus membros, pelo abismo remuneratório e de vantagens na comparação com as demais funções essenciais à justiça e mesmo à advocacia pública dos Estados da Federação e de diversos municípios do país. Em suma, a AGU e os órgãos a ela vinculados vivem o drama de seu rebaixamento institucional, material e simbólico.

Metade dos jovens advogados que ingressaram nas quatro carreiras da advocacia pública federal, aprovados nos últimos três concursos, pediu exoneração. Escolhas estratégicas e prioridades equivocadas transformaram a advocacia de Estado no plano federal numa carreira de passagem, uma etapa que antecede a ida para a magistratura, o Ministério Público e a Defensoria Pública, escolha muitas vezes guiada, não por razões vocacionais, mas pela busca de remuneração mais atrativa, prerrogativas mais consistentes e autonomia institucional. Isso redunda no enfraquecimento da parcela do interesse público confiado aos advogados públicos federais, particularmente a legitimidade e a defesa das políticas públicas, das escolhas democráticas e dos recursos públicos.

O movimento histórico que eclodiu no final do primeiro trimestre quebrou os paradigmas estabelecidos em termos de mobilização. Os movimentos anteriores apresentaram pautas predominantemente remuneratórias e se utilizaram das estratégias habituais da greve e das operações-padrão. Desta vez, porém, o esgarçamento das diferenças remuneratórias e institucionais e a consequente disparidade de armas, inauguraram uma nova estratégia de mobilização, centrada na entrega dos cargos em comissão e das funções de confiança ocupadas pelos advogados públicos federais.

A mobilização evidenciou o esgotamento do modelo de estruturação e de gestão da advocacia de Estado no pleno federal e a necessidade de reinventá-la com base em três pilares fundamentais: autonomia institucional, pondo fim à lógica de governança da AGU-Ministério e aos aleijões das duplas vinculações ainda persistentes em relação a duas das quatro carreiras da advocacia pública federal; edificação de garantias institucionais dos advogados públicos, em reforço de sua independência profissional, e a paridade remuneratória com as demais funções essenciais à justiça. 

As três bandeiras traduziram-se nas PECs 82 e 443, em tramitação no Congresso Nacional. O ápice do movimento ocorreu com a votação e a aprovação, em primeiro turno no âmbito da Câmara dos Deputados, da PEC 443, que consagra a paridade remuneratória.

É necessário reconhecer, porém, que o movimento que não conseguiu realizar todo o seu potencial de mudanças, devido fundamentalmente à relutância de diversos colegas em abandonar suas funções e cargos na estrutura de gestão. A compreensão dos limites impostos pelo modelo de gestão vigente na AGU e nos órgãos vinculados, caracterizado pelo excesso de níveis e poderes hierárquicos, pela falta de transparência nos critérios de nomeação, pela indefinição do período de exercício das designações, pela falta de mecanismos e procedimentos de participação dos membros das carreiras nos processos de escolha dos gestores e das prioridades estratégicas e na ausência de avaliação e prestação de contas dos designados, ampliou a pauta do movimento, que agregou às demandas originais o objetivo de por fim ao regime dos DAS no âmbito da advocacia pública federal e de rever a estrutura de governança da AGU. Neste momento, a divisão entre os advogados públicos que estão inseridos e os excluídos das estruturas e funções de gestão se tornou mais evidente, deteriorando o já combalido ambiente organizacional.

A proposta recentemente apresentada pelo MPOG à deliberação da carreira é reveladora da fragilidade institucional da advocacia pública federal. O reajuste escalonado em quatro anos, com vigência a partir de agosto de 2016, em percentuais que cobrem metade da inflação oficial projetada, contrasta com o reajuste de 18% que beneficiará a Magistratura e o Ministério Público Federal a partir de janeiro do próximo ano. O quadro preocupante é complementado com o status institucional alcançado pela Defensoria Pública Federal, a partir da Emenda Constitucional 80, de 2014, e a quebra da promessa feita pelo Advogado-Geral da União, na reunião que criou o Grupo de Ação Institucional, de que, enquanto ele fosse ministro, não admitiria que os advogados públicos federais recebessem tratamento institucional distinto dos defensores.

Em meio a este cenário caótico, estabelece-se o debate sobre a unificação. Os advogados públicos e as associações contrárias à unificação denunciam o caráter precipitado e inoportuno do debate. Entendemos que, ao contrário de ser inoportuno ou precipitado, o debate é tardio, haja vista que o quadro de multiplicidade de carreiras, com todos os problemas decorrentes perdura por anos, em que pese terem ocorrido unificações exitosas, não só em outras carreiras da advocacia pública nos estados e nos municípios, como na própria AGU, como retratam os casos da fusão dos advogados da União aos assistentes jurídicos e da criação da Procuradoria-Geral Federal, que reuniu numa só carreira as antigas carreiras e cargos de procuradores das autarquias e fundações, com a exceção injustificável dos Procuradores do Banco Central.

De qualquer forma, o debate está em pauta. Somos desafiados a fazê-lo esgrimindo com maturidade e tolerância os nossos argumentos, sem nos deixar guiar pelo medo atávico das mudanças. Mais do que uma questão de dogmática jurídica, trata-se de uma decisão política, que deve ser orientada pela prevalência do interesse público, desde que sejam resguardados direitos e expectativas legítimas dos membros das carreiras. Ao contrário dos adeptos de certa hermenêutica ventríloqua — que a pretexto de interpretar a Constituição, tenta cristalizar seus preconceitos e vontade política — a deliberação acerca da existência de uma ou mais carreiras de membros da advocacia pública federal é de competência final do Parlamento, que deve, contudo, observar a necessidade de tratamento jurídico uniforme dos advogados públicos, no que toca aos direitos, às prerrogativas institucionais e à remuneração.

Por outro lado, é importante registrar que a pluralidade de carreiras não tem rendido resultados favoráveis à advocacia pública federal, exceto para um grupo minoritário, mas significativo de os advogados que priorizam suas carreiras particulares em detrimento dos avanços institucionais que beneficiariam o conjunto dos advogados públicos.

A multiplicação de carreiras tem se traduzido em arranjos assimétricos e incoerentes. Não é incomum a existência de normas distintas e mesmo de interpretações divergentes de normas comuns, redundando no tratamento desigual entre os membros da AGU e dos órgãos vinculados. A defesa da pluralidade de carreiras como modo de realizar de modo eficiente a especialidade no exercício das funções ignora o modelo exitoso da PGF, em que tem sido possível conciliar a proteção do interesse público confiado a cada ente ou órgão da Administração, mediante atuação harmônica dos advogados públicos, tanto na consultoria como na representação judicial e extrajudicial. Se a especialidade fosse determinante para a existência de carreiras distintas, como explicar que a Consultoria-Geral da União tivesse sido chefiada até bem pouco tempo por um Procurador da Fazenda, contraditoriamente autor de um manifesto contra a unificação? Por acaso, não há, nas consultorias dos ministérios e das autarquias e fundações públicas, advogados públicos egressos das quatro carreiras, realizando atribuições similares? Como se explica que na PGF, PGFN e PGBC haja advogados atuando em execuções fiscais ou prestando consultoria em licitações e contratos? Como explicam os adversários da unificação e os que se opuseram à junção dos advogados da União aos assistentes jurídicos numa nova carreira unificada, que diversos órgãos de consultoria da União sejam chefiados hoje em dia por antigos advogados da União?

Defender a unificação não é ação conflitante com os objetivos originais do movimento, mas evolução daquela pauta, como foi a extinção dos DAS no âmbito da AGU. A receita do bolo da #NovaAGu é feita de vários ingredientes: autonomia institucional, prerrogativas do advogado público, paridade remuneratória, nova estrutura governança e unificação são variáveis que combinam harmonicamente. Aos avanços que a unificação realizará internamente, somam-se razões baseadas no interesse público, assentadas na eficiência, na eficácia e na racionalidade da atuação dos órgãos de representação e consultoria jurídica.

A unificação não é uma panaceia, nem resolverá, num passe de mágica, os problemas acumulados ao longo do tempo. Mas é uma etapa importante na construção de uma entidade republicana, transparente, eficiente e governada pelo interesse público e formada por advogados públicos selecionados em disputadíssimos concursos de provas e títulos, reunidos numa carreira única e fortalecida por laços de identidade e pertencimento. Para tanto, são necessários visão e certa dose de ousadia para abandonar a segurança aparente dos pequenos e mal acabados feudos que habitamos, seus tronos de caixote e suas coroas de latão.

Queremos menos carreiras e mais advocacia de Estado, advogado. Podemos contar com você?