Passado a Limpo

Natureza do BB justifica sua imunidade tributária, diz parecer de 1928

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

19 de novembro de 2015, 7h51

Spacca
Arnaldo Godoy [Spacca]Há um importante parecer da Consultoria-Geral da República que definiu a natureza do Banco do Brasil como “serviço federal”, o que justificava, na compreensão da época, que ao Banco do Brasil se outorgasse imunidades fiscais. Na origem, uma disputa entre o próprio banco e o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Entendeu-se, à luz da legislação então aplicável, que o Banco do Brasil poderia se beneficiar de eventuais não incidências legalmente qualificadas. Isto é, a matéria era de isenção fiscal.

O parecer faz referência a famoso jurista brasileiro, J. X. Carvalho Mendonça, tratadista reconhecido, que então era Consultor-Jurídico do Banco do Brasil. O parecer também trata de assunto de muito atualidade, isto é, a natureza jurídica das leis orçamentárias. Segue o texto:           

Gabinete do Consultor-Geral da República – Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1928.

         Exmo. Sr. Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda – Com a carta de V.Exa. de 20 do corrente, recebi os papéis, que ora devolvo, referentes à controvérsia, entre o Banco do Brasil e o Governo do Estado do Rio de Janeiro, sobre a questão de saber se goza o Banco, no território do Estado, de isenção de impostos sobre seus bens e propriedades. Estou, Sr. Ministro, de pleno acordo com os pareceres do eminente Consultor Jurídico do Banco, o Sr. Dr. J. X. Carvalho de Mendonça.

         O Banco do Brasil, por força de dispositivo de lei, o art. 5º do Decreto Legislativo nº 3.213, de 30 de dezembro de 1916 foi reconhecido como serviço federal, e, consequentemente, em virtude do disposto no art. 10 da Constituição Federal, ficou isento de todo e qualquer imposto estadual e municipal, como expressamente o declarou o dispositivo, que era da lei de orçamento e foi, até 1918, reproduzido nas subsequentes leis dessa natureza.

         Manifesta, em sua contradita, o Sr. Presidente do Estado do Rio de Janeiro, que a circunstância de haver deixado de ser reproduzido o dispositivo, nas leis orçamentárias posteriores a1918, induz à presunção de que o princípio foi posto de lado. Não me parece procedente, entretanto, o argumento. A prática de introduzir disposições permanentes nas leis anuais vem desde o tempo do Império (quando, aliás, era costume mencionar, depois do dispositivo, a declaração de que esse dispositivo era permanente). Mas, nunca se pôs em dúvida a legalidade de tal prática, apenas arguindo-se que ela não era perfeitamente regular, pela natureza especial das leis orçamentárias. Entretanto, desde que tais leis obedecem ao mesmo processo de elaboração que as demais, não se pode negar a natureza do dispositivo legal e suas naturais consequências, a um dispositivo, introduzido na lei orçamentária e que encerre um preceito, por seus próprios termos, de caráter permanente.

         O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma decisão, notadamente no acórdão de 25 de outubro de 1913, publicado no Diário Oficial, de 31 de dezembro desse mesmo ano, e Revista do Supremo Tribunal Federal,  volume 464, reconheceu a validade de tais dispositivos, fazendo caracterizar sua natureza em a natureza intrínseca da disposição. E tanto que o art. 71 da Lei Orçamentária nº 3.446, de 31 de dezembro de 1917, reproduzido no art. 61 da lei subsequente, nº 3.644, de 31 de dezembro de 1918, determinou que o Executivo fizesse organizar “a consolidação de todas as disposições de caráter permanente, insertas nas leis anuais de orçamento, que, não tendo sido revogadas, digam respeito ao interesse público da União”.

         Esse trabalho foi elaborado por uma distinta Comissão e corre impresso. Nele, à pág. 257, se lê o artigo 1.021, do teor seguinte: O Banco do Brasil e suas agências constituem serviço federal e estão isentos de todo e qualquer imposto estadual e municipal.

         Não pode,  pois, ser posta em dúvida a legalidade e eficácia do dispositivo, ainda não revogado, e antes pelo Governo aplicado no contrato que, aos 24 de abril de 1923, celebrou com o Banco do Brasil (cláusula XVI).         Constituindo, legalmente, nestes termos, o Banco do Brasil serviço federal,  é claro que as suas atividades, dentro de sua competência estatutária, estão legalmente isentas de tributação fiscal.

         Essa isenção de impostos é geral e compreensiva de tudo o que se refere à vida do Banco, e assim abrange, não só os seus atos, como os seus bens.

         A distinção que se lê na impugnação do digno Sr. Presidente do Estado do Rio de Janeiro não se me afigura sustentável. Onde a lei não distingue, ao intérprete não é licito distinguir. E desde que ao Banco não se nega a faculdade, às vezes imperiosa contingência, de adquirir bens de raiz, que podem consistir em propriedades agrícolas e industriais, muito embora não as possa conservar no seu patrimônio (Estatutos do Banco, art. 9º, nº 1), a consequência necessária é que, não só o ato de aquisição, como individualmente tais bens, enquanto sejam propriedade do Banco, estão isentos de tributação fiscal, de qualquer natureza.

         Entretanto, quando assim não fosse, ao Presidente do Banco do Brasil não seria lícito quaisquer contribuições fiscais referentes a negócios e bens do Banco, enquanto subsistirem o art. 4º, parágrafo único, dos Estatutos do Banco e a cláusula XVI do contrato celebrado com o Governo Federal, a que está presa a administração do Banco.

         Apresento estas considerações ao elevado critério de V.Exa., devolvo os papéis e tenho a honra de renovar a V.Exa. os meus protestos de subida estima e consideração.

Rodrigo Octavio.”

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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