Pretensão moral

Não cabe ao juiz combater o crime, diz responsável pela "lava jato" em SP

Autor

18 de novembro de 2015, 9h12

A vara criminal que ficou conhecida por operações midiáticas, como a satiagraha e a castelo de areia, aposta agora na discrição para conduzir um desdobramento da famosa operação “lava jato”. Em setembro, após decisão do Supremo Tribunal Federal, a 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo herdou parte do famoso caso de corrupção que começou com doleiros, chegou à Petrobras e foi estendido para outros órgãos e entidades públicas.

Os quatro processos que ali chegaram envolvem supostas fraudes no Ministério do Planejamento e estão sob sigilo nas mãos do juiz federal substituto Paulo Bueno de Azevedo. Ele não informa qual a fase atual dos procedimentos nem concede entrevistas, enquanto o titular da vara, João Batista Gonçalves, já fez declarações à imprensa contra as delações premiadas.

Reprodução
Juiz desde 2009, Azevedo foi procurador federal e faz doutorado na USP.
Reprodução/Revista do TRF-3

Ao jornal Valor Econômico, Gonçalves relatou que a distribuição ao colega chegou por acaso: o costume é que processos com numeração ímpar fiquem com o substituto. “Aí consultei o Paulo. Perguntei: ‘Você se considera preparado para tocá-lo?’. Ele respondeu que sim. É um ótimo juiz”, afirmou o titular.

Opiniões de Azevedo estão registradas em artigos publicados nos últimos anos. “O juiz não pode assumir uma posição de combate ao crime, eis que, nesse caso, estaria no mínimo, se colocando como um potencial adversário do réu, papel que deve ser, quando muito, do Ministério Público ou, em alguns casos, do querelante”, escreveu em 2013 à Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao criticar o que chamou de “processo penal ideológico”.

No mesmo texto, afirma que o combate à impunidade deve ser encarado como “pretensão moral ou social, e nunca como uma obrigação jurídica do Estado-Juiz, encarnado pelo Poder Judiciário”.

“Se existe a obrigação de punir, o resultado do processo é previamente conhecido. Assim, (…) o processo penal torna-se uma farsa.” Para Azevedo, o juiz “não pode decidir temendo a crítica da mídia ou de doutrinadores autodenominados progressistas”, pois a fundamentação é a melhor defesa contra ataques à decisão judicial.

Ele também vê problemas na corrente denominada Direito Penal do Inimigo — idealizada pelo alemão Günther Jakobs, a teoria entende que quem descumpre o ordenamento jurídico perde as garantias do cidadão comum.  “Por mais atroz que tenha sido o crime, o réu sempre deve ser tratado como pessoa. O tratamento como inimigo não provocará maior temor nos criminosos habituais (…) Na prática, os inimigos irão se comportar como animais acuados. Atacarão mais.”

Direito de emergência
Enquanto uma parcela de juízes tem defendido mudanças na legislação criminal e processual, Azevedo adotou linha diferente no ano passado, quando sugeriu maior cautela em projetos de lei que tentam tipificar o terrorismo. “O terrorismo em si não será erradicado pelo Direito Penal, seja do cidadão seja do inimigo. Aliás, o Direito Penal nunca foi suficiente para eliminar crime algum”, escreveu à Revista Brasileira de Direitos Humanos (Editora Lex Magister).

Ele diz que a criação açodada de normas penais ignora impactos ao país. “É o que se chama, às vezes, de Direito Penal de emergência, (…) como o caso da chamada Lei dos Remédios, a qual modificou o artigo 273 do Código Penal, estabelecendo penas desproporcionais e classificando o crime por hediondo. Como a pressa é inimiga da perfeição, algumas situações esdrúxulas foram criadas, a exemplo da falsificação de cosméticos ser considerada crime hediondo (artigo 273, parágrafo 1º-A, do Código Penal).”

Outro “estranho delito”, exemplificou, foi fixado no artigo 26 da Lei 11.105/2005. “Realizar clonagem humana é crime. Talvez esse seja um dos poucos casos em que a norma penal antecede o próprio fato, do qual ainda não se tem notícias, ao menos confiáveis.”

Azevedo entende ainda que o juiz pode fazer perguntas livremente na inquirição de testemunhas, sem risco de agir como substituto das partes, pois seu papel é buscar todos os elementos capazes de subsidiar “a melhor decisão possível”. O julgador também pode determinar a busca de provas de ofício, sem pedido do Ministério Público, porque muitas delas podem ser favoráveis aos réus, afirma em outro artigo publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em 2012.

Perfil
Paulo Bueno de Azevedo tem 37 anos e ingressou na magistratura em 2009, depois de atuar seis anos como procurador federal na Advocacia-Geral da União. Entrou em dezembro de 2014 na 6ª Vara Criminal Federal, um dos três juízos de São Paulo especializados em lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional. Outrora liderada pelo juiz Fausto de Sanctis, a vara concentra hoje cerca de 450 processos.  Até dezembro, Azevedo vai acumular ainda atividade na 3ª Vara Criminal Federal.

Ele disse estar sem tempo para entrevista solicitada pela revista Consultor Jurídico, por conta da quantidade de trabalho. Por e-mail, respondeu que costuma atender advogados em seu gabinete independentemente de agendamento.

Formado em Direito no ano 2000, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem especialização em Direito Tributário e abordou a culpabilidade no crime de evasão fiscal no seu mestrado, também pela Mackenzie. Hoje faz doutorado na USP e é orientado pela professora Janaina Conceição Paschoal, que o classifica como um estudante “aplicado, muito sério, comprometido, atento a questões técnicas e sensível a perspectivas literárias”.

Foi o juiz quem abriu uma das ações penais contra o empresário Eike Batista, por venda de 10 milhões de ações da empresa de construção naval OSX antes que dificuldades de caixa fossem comunicadas ao mercado. A competência, porém, acabou redirecionada à Justiça Federal no Rio de Janeiro.

Neste ano, Azevedo condenou à prisão o ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos por ter recebido valores sem origem justificada e enviado ilegalmente quantias para uma conta bancária na Suíça. Também considerou ilícitas fotografias obtidas pela polícia no celular de um homem preso em flagrante.

Fatiamento
Os casos da "lava jato" que chegaram à 6ª Vara envolvem a suspeita de que um advogado e ex-vereador pelo PT tenha intermediado contratos milionários da Consist Software com o Ministério do Planejamento, para um sistema informatizado de gestão de empréstimos consignados a servidores federais. Em troca, segundo a Polícia Federal, a empresa ficou obrigada a lhe pagar uma “taxa”, distribuída por meio de diferentes canais para chegar depois ao PT “e outros agentes públicos ainda não identificados”.

O caso, a princípio, ficou nas mãos do juiz federal Sergio Fernando Moro, em Curitiba, até o STF considerar que desdobramentos da “lava jato” não devem necessariamente ficar sempre na mesma vara. A maioria do Plenário entendeu que o primeiro critério para fixar competência é o local onde ocorreu o delito com pena mais grave ou onde se praticou o maior número de infrações.

Na mesma linha, o ministro Teori Zavascki determinou em outubro que os inquéritos sobre um suposto esquema de corrupção na estatal Eletronuclear passem a ser competência da Justiça Federal no Rio de Janeiro, onde fica a sede da empresa.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!