Opinião

Direito pode transformar a regulação em incentivador do investimento

Autor

  • Arnoldo Wald

    é sócio e fundador do escritório Wald Antunes Vita Longo e Blattner Advogados advogado professor catedrático da Uerj doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris II e pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e autor de diversas obras.

17 de novembro de 2015, 8h39

Não há dúvida que, na atual crise econômica, o grande problema é a necessidade de realizar e acelerar os investimentos especialmente de infraestrutura dando maior eficiência aos serviços públicos. Trata-se de produzir energia, facilitar o transporte de mercadorias e pessoas, aumentar as exportações e criar empregos. Há, na matéria, consenso de economistas e políticos e os valores em jogo são impressionantes. Temos hoje no Brasil mais de 1,6 mil obras, que vão exigir um investimento de R$ 1,2 trilhões, nas quais faltam realizar obras e serviços representando mais de 70% do total. É uma situação que ocorre num momento em que se deve reconhecer a existência de uma fuga de capitais dos países emergentes que atinge o Brasil.

Um dos motivos pelos quais somos mais atingidos pelas dificuldades mundiais é certamente decorrente das excessivas alterações legislativas e regulamentares que criam riscos de incerteza econômica financeira e jurídica.

Várias soluções têm sido preconizadas como os Acordos de Proteção de investimentos que já firmamos ou estamos negociando com alguns países nos quais temos investimentos, mas não naqueles que poderiam investir no Brasil. Por outro lado, recentemente, surgiu a ideia muito oportuna da criação de um seguro internacional para os investimentos externos em infraestrutura, com a colaboração do Banco Mundial através da Miga (Acordo Multilateral de Garantia de Investimentos) e do Banco Interamericano. Seria uma espécie de seguro-garantia para evitar ou reduzir os riscos no caso de mudança de regime jurídico.

Outra ideia que se poderia desenvolver no campo jurídico é a inclusão, nos contratos, de cláusulas estabilizadoras, garantindo a manutenção do regime jurídico vigente no momento em que os contratos foram firmados, mesmo nos casos nos quais houvesse mudança de orientação da política no setor.

A alternativa seria o pagamento de uma justa e prévia indenização prevista pela Constituição nos casos de desapropriação.

Não se discute o aspecto vinculatório dos contratos, mas se tem entendido, diante da evolução do direito, que a mudança de regime jurídico atinge todas as convenções em curso, por não existir, no caso, direito adquirido. Os tribunais têm decidido que, em tais casos, os investidores deveriam ser indenizados, em virtude da confiança que depositaram na administração pública, tanto mais que a nossa Carta Magna considera o edital como garantia de quem contrata com o poder público.

Há, aliás, na tradição brasileira, uma garantia assegurada no direito administrativo do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, que atualmente não mais é objeto de discussão. O que acontece, todavia, é que a indenização leva longo tempo para ser reconhecida e fixada em ação que os advogados consideram "ordinária" em todos os sentidos, pois pode levar várias dezenas de anos. É a razão pela qual o legislador e a doutrina se referem não só ao equilíbrio econômico, mas também ao financeiro, ou seja, a manutenção do fluxo de caixa previsto inicialmente no contrato.

As cláusulas estabilizadoras poderiam garantir, alternativamente, a manutenção do contrato nas condições iniciais, um acordo aceito por ambas as partes e que seja conveniente tanto para o poder público como para o investidor ou uma indenização justa e prévia fixada por tribunal arbitral independente sediado no Brasil ou no exterior.

Já há precedentes na prática brasileira e até na jurisprudência, que reconheceram a legitimidade das arbitragens internacionais do governo brasileiro e de suas autarquias, como o Banco Central, inclusive quando realizadas no exterior. Foi o que aconteceu nos acordos que se seguiram à renegociação da nossa moratória, na década de 1980, quando o Brasil decidiu retomar os seus pagamentos e fez acordos com os bancos estrangeiros com essas cláusulas. A matéria foi debatida no Brasil, tendo havido ações judiciais, nas quais os tribunais reconheceram a licitude da cláusula contratual por não ofender a soberania nacional, nem a ordem pública.

A combinação construtiva das cláusulas estabilizadores, da arbitragem internacional, dos tratados de proteção ao investimento e das garantias do Banco Mundial liderando também outras entidades públicas ou privadas, poderia ser um grande incentivo para operar uma verdadeira reversão de expectativas. Permitir-se-ia, assim, a conciliação entre a realização de grandes obras e estabilidade monetária e jurídica, que no passado, nem sempre pudemos alcançar e que se pretendeu obter com o renascimento do sistema de concessões no fim do século passado.

O direito pode ser modernizador e transformar a regulação em incentivador do investimento, que facilite e encoraje a inciativa privada em vez de dificultar o seu trabalho por medidas burocráticas que, algumas vezes, são inúteis. Já se disse que o direito da regulação como o direito comercial não deve sufocar a empresa privada, mas, ao contrário, incentiva -la e fortalece-la, num ambiente de inovação, competição, confiança e harmonia.

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