Segunda Leitura

Ambição faz parte da natureza humana
e impulsiona profissional do Direito

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

15 de novembro de 2015, 7h01

Spacca
As dificuldades da vida contemporânea, agravadas pela crise econômica e o aumento da concorrência, tornam a realização profissional um sonho mais difícil de ser alcançado do que há 20 ou mais anos.

As barreiras existentes para ingressar ou formar uma banca de advocacia, para ser aprovado em concurso público ou conseguir ser professor de uma Faculdade de Direito, podem levar o jovem profissional ao desalento e a um nocivo conformismo.  O psiquiatra Augusto Cury chama tal estado de ânimo de coitadismo, observando que:

“O coitadismo é o conformismo potencializado, capaz de aprisionar o Eu para que ele não utilize ferramentas para transformar uma história. Vai além do convencimento de que não é capaz, entra na propaganda do sentimento de incapacidade. O coitadista faz marketing de suas crenças irreais, de impotências e limitações. Não tem vergonha de dizer “Sou desafortunado!”, “Sou um derrotado!”, “Nada que faço dá certo!”, “Não tenho solução!”, “Ninguém gosta de mim!”  (O Código da Inteligência, Sextante, p. 50).

O coitadismo acaba sendo uma armadilha, pois leva seu portador à  inanição, termina com sua vontade e ambição. E, de certa forma, acaba sendo aceito com benevolência por terceiros, pois o coitadista, aparentemente, não oferece nenhum grau de risco aos que o rodeiam e, por isso mesmo, desperta  piedade.

Ao inverso, o ambicioso desperta  sentimentos mistos, mais complexos, como admiração, medo e inveja. Afinal, o crescimento do ambicioso poderá exteriorizar o insucesso de quem, dele, está próximo.

Portanto, por essas peculiaridades do ser humano, na área do Direito quem se proclama um coitado, um perseguido pelo destino, é visto com mais simpatia do que quem se propõe a lutar, vencer, conquistar espaços.

Mas qual o resultado de uma ou de outra posição na vida pessoal e profissional da pessoa?

O coitadista pode ser um jovem iniciando sua vida profissional ou um bacharel em Direito com anos de casa. O jovem, depois de tentativas frustradas, pode rebelar-se contra o Exame de Ordem, o mercado de trabalho, os concursos, o sistema de Justiça ou qualquer obstáculo que se interponha entre ele e o sucesso.

Essa posição de vítima poderá resultar solidariedade dos que lhe estão próximos, solidariedade essa nem sempre será sincera. Na verdade, muitos concluirão, sem nada dizer-lhe, obviamente, que ele não é muito esforçado ou que seu Q.I. está bem abaixo do mínimo desejável. Em outras palavras, ao assumir tal posição o sujeito não avançará um passo na busca da realização pessoal.

Vejamos agora a situação de um coitadista mais vivido, com boa experiência profissional na bagagem. Suas queixas poderão atingir alvos diversos. Por exemplo, sendo juiz, poderá lamuriar-se que não é  reconhecido pelo seu Tribunal, não integrou, injustamente, a última lista tríplice de promoção ou que não recebeu apoio financeiro para cursar mestrado. Sendo advogado, poderá viver a lamentar a ingratidão dos clientes ou a demora no julgamento de suas causas.

Por sua vez, a ambição é o sentimento existente no lado oposto, a mola propulsora do mundo. Ela exige vontade,  garra, força física e psicológica. Além disto, estimula a dedicação aos estudos, o aperfeiçoamento profissional, o crescimento cultural em sentido amplo e não apenas no campo do Direito.

O ambicioso, por vezes, é visto com reservas, como se fosse errado querer subir na escala social e econômica. Contudo, não há nada de errado em uma jovem recém-formada querer ter o melhor escritório de advocacia de sua cidade ou de um procurador do Estado almejar ser procurador da República e trabalhar em importantes processos envolvendo políticos e empresários. Da mesma forma, não merece qualquer crítica um desembargador que ambicione ser ministro do STJ ou um advogado consagrado que deseje ser ministro do STF.  São aspirações legítimas.

A ambição tem apenas um risco: tornar-se incontrolável. Aí, sim, ela é nociva. Quem, para alcançar destaque, bajula, corrompe-se, humilha-se perante os que podem ajudá-lo na empreitada, abandona seus ideais sob a justificativa de que não há outro jeito, evidentemente não está utilizando a ambição corretamente. É uma deformação de algo positivo.

Imagine-se um professor que, na busca de uma posição de mando em uma universidade, não hesita em divulgar, através de terceiros, os erros de seu oponente nas redes sociais, prejudicando a imagem do adversário. Ou um procurador de Justiça que, para alcançar a posição de procurador geral da Justiça acerta acordos com os que apoiam sua campanha, garantindo posições corporativas injustificáveis. Ainda, um líder da advocacia que, para alcançar posto de destaque na seccional da OAB, abandona os filhos à própria sorte, perdendo-se em sucessivas viagens para isto ou aquilo.

Nesses casos, a ambição não foi bem dimensionada. Ela deve estar sempre adequada a outros valores importantes, pois de nada valerá alcançar-se um objetivo profissional se nos outros setores de sua vida a pessoa carregar o fardo de fracassos familiares, rejeição pelos amigos ou pela sociedade. De que valerá ser ministro do STF se o filho, graduado em Direito,  passar as tardes no quarto com depressão ou  entregue às drogas? De que adianta ocupar as mais altas posições na hierarquia do Estado e temer ser vaiado em um restaurante?

Em suma, na condução da vida profissional, nada há de errado no fato do profissional do Direito querer ser um vencedor na advocacia ou no serviço público, inclusive alcançando status e boa posição financeira. Ao contrário, Isto é muito mais saudável do que entregar-se ao escapismo, tornar-se um coitadista que dedica seu tempo a atribuir a outros ou ao destino a culpa por seu insucesso. 

No entanto, na busca do êxito é preciso tomar cuidado com a via escolhida, pois a ambição não justifica o abandono de valores como a ética, a honestidade e a solidariedade, sem os quais o sucesso será apenas uma aparência exibida no Facebook, escondendo o sentimento amargo da insatisfação pessoal. Na longa caminhada das profissões jurídicas, cada um faz a sua opção e traça o seu destino.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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