"Augúrios preocupantes"

Para Canotilho, apesar das constituições, quem manda são os tratados econômicos

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12 de novembro de 2015, 10h52

O professor e constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho está preocupado com os rumos do mundo globalizado. Segundo ele, embora tanto o Brasil quanto a maioria dos países europeus tenham concretizado os direitos humanos em suas constituições, o que prevalece são os ditames da economia mundial. “Hoje temos dois mundos, o dos direitos humanos e o mundo cruel da realidade, da estabilidade, da economia, do financeiro”, disse.

Canotilho diz ter “augúrios preocupantes de termos ultrapassado os ideais de liberdade, igualdade fraternidade”. Para ele, vivemos o tempo da “pós-política, do ódio à democracia e da crise de representatividade da classe política”.

“Na verdade, quem tem força normativa hoje são os tratados internacionais, os acordos de colaboração e os memorandos de entendimento que acabam entrando no orçamento e que acabam restringindo as liberdades conquistadas nos textos constitucionais.” A crítica do professor foi feita na palestra de encerramento do 18º Congresso Internacional de Direito Constitucional, organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Canotilho define o momento atual como "terceira modernidade". E explica: a primeira modernidade foi a que se concretizou com a promulgação de constituições baseadas nos direitos humanos e sociais. A segunda foi a da globalização, que “irrompeu num mundo crepuscular habitado por sombras” para um “mundo do governo global, do dinheiro global, da moral global, da religião global”.

E a terceira modernidade, diz o professor, conta com a “trágica comunhão da desatenção com despreocupação”. “Fomos do yes, we can [sim, podemos, lema da primeira campanha vencedora do presidente Barack Obama, nos Estados Unidos] para o there is no alternative [não há alternativa].”

“Isto preocupa, porque são razões invocadas como proteção, e que são usadas por Estados para regimes de exceção. Protego ergo obligo [Protejo, logo controlo]”, afirma o professor. 

Abraçados
O professor Ingo Wolfgang Sarlet falou logo depois de Canotilho e, para ele, “resta nos abraçar e chorar”, diante do quadro pintado pelo colega A conclusão de Ingo Sarlet é que vive-se “uma crise de frustração das expectativas”.

Ele afirma que, na época da Assembleia Constituinte, em 1987, existia uma confiança na força normativa do texto constitucional. Isso quer dizer que, ali, os direitos fundamentais deixaram de ser apenas constitucionais e passaram a ter regulamentação própria para a solução de problemas reais.

Mas o que se vê hoje, segundo Sarlet, é uma “crise de déficit dos direitos fundamentais, crise das expectativas e até de identidade”. “Para que servem os direitos fundamentais? E a quem? No mundo da economia, no mundo real, isso é uma piada. Na favela, direito fundamental é privilégio e em certos círculos são coisa de vagabundo”. A esperança de Ingo Sarlet é que “a consciência da crise possa nos levar a um choque de realidade para darmos uma resposta mais humilde aos nossos problemas”.

Dilema
O último a falar foi o professor Lenio Streck. Ele concluiu que a modernidade impõe um grande dilema: "É possível compatibilizar democracia e jurisdição?"

Lenio entende que sim, mas isso implica em discutir a forma como se decide. Para ele, "é preciso analisar o problema como sociedade, para que não se transforme a democracia em juristocracia".

O professor discutia o novo livro do jurisfilósofo Cass Sunstein, que divide os juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos em quatro perfis. São eles: herói, que seria o ativista; o soldado, que seria o formalista; o minimalista, um meio termo entre os dois anteriores; e o mudo, aquele cauteloso que nunca propõe nada.

Para Lenio, é preocupante o uso de análises sociológicas baseadas em estatísticas para prever como uma corte se comportará. "Os perfis não se repetem nos julgamentos. Ora um juiz é herói, ora é mudo. Corre-se o risco de termos decisões com perfis misturados ou ad hoc."

Essa é a razão pela qual o Brasil precisa de uma teoria da decisão, para que se dê previsibilidade ao sistema e se permita a prestação de contas. "Não bastam apenas estatísticas sobre como os juízes se comportam. No Brasil não podemos fazer previsões nem sobre o passado."

*Texto editado para acréscimo de informações

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