Direito Comparado

Como se produz um jurista? O modelo colombiano (parte 32)

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

11 de novembro de 2015, 9h35

Spacca
Caricatura Otavio Luiz Rodrigues [Spacca]O currículo dos cursos jurídicos colombianos
Dando sequência à série de colunas sobre a formação dos juristas na Colômbia, convém iniciar o exame da matriz curricular das faculdades de Direito.

Assim como em vários outros países, as universidades colombianas possuem uma maior liberdade na composição dos conteúdos curriculares, o que é especialmente notável no Direito.

Na Universidade dos Andes, a melhor do país, o curso divide-se em três eixos: 1) contextualização, correspondente a um ciclo de matérias propedêuticas; 2) formação jurídica, com disciplinas preponderantemente técnico-jurídicas; 3) concentração, no qual o aluno se volta para uma especialização formativa, que pode ocorrer em áreas como Direito do Trabalho; Direito Internacional; Direito Penal; Processual Penal e Criminologia; Direito Privado; Direito Processual; Direito Público Administrativo; Direito Público Constitucional; Teoria Jurídica, e, por último, Constituição e Democracia. O número mínimo total de créditos cursáveis é de 180.[1]

O ciclo de contextualização tem duração de dois semestres e compõe-se de 11 disciplinas. É possível que o aluno aproveite disciplinas (ou as curse nesses dois semestres) do chamado “Ciclo Básico Uniandino”, formado por matérias oferecidas nas faculdades de Economia, Filosofia, Ciência Política, História, Antropologia e Psicologia, de entre outras como Matemática, neste último caso com o preenchimento de um pré-requisito.

As disciplinas do ciclo de contextualização são, no primeiro semestre: a) Introdução ao Direito; b) Lógica e Retórica; c) Teoria Geral do Estado; d) Estatística ou Contabilidade e Análise Financeira; e) disciplinas eletivas do chamado Ciclo Básico Andino (CBU), em um total de 19 créditos. No segundo semestre, com um total de 15 créditos, têm-se: a) Sociologia Jurídica; b) Direito Romano; c) Hermenêutica Jurídica; d) disciplinas eletivas do CBU; e) espanhol.

O ciclo de formação jurídica é formado por 28 matérias, distribuídas por cinco semestres e meio (três anos), correspondendo ao período do segundo ao quarto ano do curso de Direito. Aqui o nível de escolha do aluno é quase inexistente, além de serem exigidos pré-requisitos para várias disciplinas. Não é possível a antecipação de matérias para cujo conhecimento se faz necessário concluir outras de conteúdo condicionante. A disciplinas estão assim distribuídas por semestre letivo:

a) 3º semestre: História das Instituições Jurídicas; Obrigações 1; Propriedade e Direitos Reais; Direito Constitucional e uma disciplina intitulada “Juiz e Interpretação”.

b) 4º semestre: Teoria Jurídica; Obrigações 2; Legislação e Políticas Públicas; Direito Internacional 1.

c) 5º semestre: Procedimentos (Processo 1); Direito Comercial; Direito Público Administrativo (Administrativo 1); Direito Penal; Relações Trabalhistas; Direito Comparado.

d) 6º semestre: Provas (Processo 2); Contratos; Argumentação em Processos Cíveis; Direito Penal Especial; Proteção ao Trabalhador.

e) 7º semestre: Ética Profissional; Relações Familiares; Argumentação em Processos Penais; Direito Societário; Processos Executivos e Declaratórios; Contratos Estatais (Administrativo 2)

f) 8º semestre: Títulos de Crédito; Ações Públicas (Administrativo 3), Direito Internacional 2. Aqui o aluno pode cursar mais três disciplinas facultativas das áreas de concentração do terceiro ciclo, como uma forma de “degustar” a área na qual ele se “especializará” na próxima etapa.

O último ciclo, dito de concentração, é cursado pelo estudante após decidir em qual área do Direito ele direcionará sua formação no final da graduação. Trata-se de uma experiência comum em algumas faculdades de Direito do Brasil desde os anos 1990 e que foi adotada no antigo currículo da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Na concentração também existem disciplinas de Prática Jurídica e de Pesquisa Jurídica.

A concentração assim se divide:

a) 9º semestre: Prática Jurídica 1; três disciplinas eletivas dentro da área de concentração (Direito Privado, Direito Público, Direito Processual etc); Uma matéria CBU; Um Seminário de Pesquisa Dirigida. É necessário, nesta fase, comprovar a proficiência em um idioma estrangeiro.

b) 10º semestre: Prática Jurídica 2; Pesquisa Dirigida; Quatro disciplinas de escolha livre; Uma matéria CBU.

O curso de Direito da Universidade dos Andes também oferece disciplinas jurídicas para estudantes de outras faculdades. Por exemplo, alunos de Engenharia, Desenho e Música podem matricular-se em cadeiras como Direito do Autor, Propriedade Industrial e Direito e Indústria da Cultura. Os alunos de Administração, Economia e Engenharia podem cursar Direito Comercial, Relações Trabalhistas, Direito Tributário, Direito Societário, Direito da Concorrência, Propriedade Industrial e Direito Internacional 2, por exemplo. Os estudantes de Ciências Social têm a faculdade de cursar Introdução ao Direito, Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional, de entre outras.[2]

A distribuição entre disciplinas obrigatórias e optativas dá-se com preponderância às primeiras. No chamado “ciclo de contextualização” colombiano, dá-se algo muito semelhante ao que ocorreu no Brasil com as reformas educacionais dos anos 1960-1970, durante a ditadura militar, quando se pretendeu copiar o modelo das universidades norte-americanas e criou-se o chamado “ciclo básico”, no qual os estudantes cursavam disciplinas de diferentes unidades e circulavam pelo campus para esse fim.[3] Era comum um estudante de Direito brasileiro matricular-se em Cálculo, Introdução à Economia ou Filosofia e acompanhar essas disciplinas com colegas de engenharia, economia ou filosofia.

A atribuição do último ano e de parte do oitavo semestre para que o aluno especialize sua formação, como já informado, fez parte da experiência de muitos currículos de faculdades de Direito (especialmente das públicas) brasileiras dos anos 1990. Por razões que ainda precisam ser investigadas de modo metodologicamente adequado, essa experiência foi abandonada. Uma hipótese para isso está na luta predatória que ocorre nas instituições pela criação de novas disciplinas ou na transformação destas em obrigatórias, pois isso implica, especialmente nas universidades públicas, um efeito imediato na distribuição interna dos cargos de docentes. Mas, isso é outro problema e bem que poderia ser tratado em uma coluna específica. Às vezes, as boas intenções escondem interesses nada confessáveis na formação das matrizes curriculares.

A ideia da especialização é muito interessante e se coaduna com a experiência europeia. Mas, no caso colombiano, ela vem acompanhado de um elemento que não goza de muita simpatia estudantil no Brasil: a exigência de pré-requisitos para as disciplinas.

O professor de Direito na Colômbia
Da mesma maneira que nos demais países nos quais convivem instituições públicas e privadas de ensino superior, não é possível estabelecer um quadro uniforme de estrutura de carreira ou de remunerações. No entanto, alguns dados podem ser apresentados e examinados.

Na Universidade Nacional da Colômbia, a maior instituição estatal do país, a carreira docente assim se estrutura, dos níveis mais baixos aos mais altos: a) Instrutor Assistente; b) Instrutor Associado; c) Professor Auxiliar; d) Professor Assistente; e) Professor Associado; f) Professor Titular. Os docentes universitários são servidores públicos, submetidos a regime especial, não se submetendo às regras gerais de remoção e dos demais servidores públicos, mas exclusivamente pelo Estatuto do Pessoal Docente, de 18.6.1986, com suas modificações posteriores.[4]

O instrutor e o instrutor assistente exercem funções sob orientação de um professor assistente, associado ou titular, as quais compreendem a participação de seminários e a vinculação a programas de pesquisa. Os professores assistente, associado e titular possuem amplas possibilidades de atuação, com a orientação de trabalhos de pesquisa, elaboração de textos, participação em grupos de pesquisa, ministração de aulas, atuação em órgãos universitários de caráter administrativo. Aos associados e titulares é reservada a função de direção de grupos de pesquisa e a regência de turmas de pós-graduação.

Diferentemente do Brasil, não há um regime de estabilidade permanente. Ela varia no tempo conforme a posição na carreira e varia de um ano (Instrutor Assistente), dois anos (Instrutor Associado e Professor Auxiliar), quatro anos (Professor Assistente e Professor Associado), até cinco anos para Professor Titular, levando-se em conta a avaliação periódica de seu desempenho.

Os regimes de trabalho também são variáveis, assim distribuídos: a) regime de cátedra — máximo de 12 horas semanais; b) regime de turno parcial — máximo de 20 horas semanais. Nesses dois regimes é possível a acumulação da docência com cargos públicos ou privado, com atividades privadas (advocacia, por exemplo) ou ser parte em contratos com a Administração Pública, salvo com a própria universidade. Existem ainda o (c) regime de turno completo — máximo de 40 horas semanais. Neste caso, a docência é incompatível com o exercício de atividades profissionais em horários que interfiram na jornada de trabalho fixada pela universidade. Se este docente atuar em outra universidade, ele só poderá ter na outra instituição, no máximo, o equivalente a 50% da carga horária em sala de aula na Universidade Nacional da Colômbia. Finalmente, tem-se o (d) regime de dedicação exclusiva, com o máximo de 44 horas semanais. Neste regime, dá-se a total incompatibilidade com o exercício de atividades em horários que interfiram com a jornada fixada pela universidade. É vedado ao professor lecionar ou ser pesquisador em outra universidade pública ou privada.

Conforme dados de 2013, a Faculdade de Direito da Universidade Nacional da Colômbia, na sede de Bogotá, possuía 74 professores, correspondentes a 3,86% do total de docentes da universidade naquele município. Em termos de regime de trabalho, a distribuição era a seguinte: a) cátedra – 36; b) turno parcial – 4; c) turno completo – 28; d) dedicação exclusiva – 6.[5]

A pirâmide hierárquica, na Faculdade de Direito, é também muito acentuada: a) 5 instrutores associados; b) 14 professores assistentes; c) 49 professores associados; d) 6 professores titulares. Quanto à formação acadêmica, em 2013, havia 27 doutores, 24 mestres, 16 especialistas e 7 graduados. [6] A distribuição por gênero era de 10 mulheres e 64 homens. Em toda a sede universitária de Bogotá, havia 613 docentes do sexo feminino e 1345 docentes do sexo masculino.

Em 2013, a remuneração média docente em valores brutos na Universidade Nacional da Colômbia era a seguinte, conforme a respectiva classe na carreira: a) Instrutor assistente — 1,676,152 pesos colombianos (equivalentes a R$2.185,91 ou US$579,78); b) Instrutor associado — 2,142,123 pesos colombianos (equivalentes a R$2.793,60 ou US$740,96); c) professor auxiliar — 3,638,789 pesos colombianos (equivalentes a R$4.745,44 ou US$1.258,65); d) professor assistente — 3,959,186 pesos colombianos (equivalentes a R$5.163,27 ou US$1.369,47); e) professor associado — 5,154,145 pesos colombianos (equivalentes a R$6.721,65 ou US$1.782,81); f) professor titular — 8,855,713 pesos colombianos (equivalentes a R$11.548,96 ou US$3.063,17).

Esses níveis remuneratórios, se comparados com o setor privado, são superiores a maior parte das demais faculdades, com exceção de poucos cursos de elite.

Tem crescido o discurso em prol do monoprofissionalismo docente. No entanto, essa questão esbarra, assim como no Brasil, nos níveis remuneratórios baixos em face de outras profissões da iniciativa privada. A quantidade de docentes em regime de dedicação exclusiva é pouco significativa nas instituições públicas.

A representação social do professor de Direito é ambígua. Permanece o respeito pelos grandes professores titulares e há uma simbiose entre a docência e a atividade profissional pública ou privada, conforme seja compatível com o regime de trabalho. No entanto, como carreira monoprofissional ainda não se apresenta, ressalvadas as faculdades privadas de elite, como uma opção universalizável na Colômbia.

***

Na próxima coluna, encerrar-se-á a série sobre a Colômbia e, também, o exame dos modelos da América do Sul.


3 As reformas educacionais da ditadura tiveram seu marco fundamental com a Lei n.º 5540, de 28 de novembro de 1968, na presidência do marechal Artur da Costa e Silva.

4 Disponível em: http://www.unal.edu.co/dnp/Archivos_base/Acuerdo45.pdf. Acesso em 6-11-2015.

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    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

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