Suprema Corte dos EUA avalia se estado pode congelar recursos lícitos de réu
11 de novembro de 2015, 14h19
A Suprema Corte dos EUA realizou nesta terça-feira (10/11) a primeira audiência de um processo em que deve decidir se o estado pode congelar todos os recursos de um réu — os que derivam de atividades ilícitas e também o que foram obtidos legalmente —, mesmo que isso signifique deixá-lo sem dinheiro para pagar um advogado de defesa de sua escolha.
O caso perante os ministros da corte é o da empresária de Miami Sila Luis, acusada por um grand júri, em 2012, de fraudar o Medicare, o seguro-saúde do estado para aposentados. As investigações do FBI apontam que a fraude foi de US$ 45 milhões. A empresária, porém, argumenta que pode provar que ganhou US$ 15 milhões em suas atividades privadas.
A Promotoria moveu uma ação civil, pedindo à Justiça que congele todos os bens da empresária, porque a maior parte do dinheiro já não está disponível: ou foi enviado para outro país ou foi gasto. E não é possível determinar a origem, lícita ou ilícita, dos recursos restantes. E argumenta que, se ela ficar sem dinheiro para contratar um advogado de sua escolha, que o juízo indique um advogado para defendê-la gratuitamente.
Quando o grand júri decidiu acusá-la formalmente, Sila Luis contratou uma das melhores bancas de defesa criminal nos Estados Unidos, com uma lista de clientes famosos e um histórico impressionante de vitórias em julgamentos. A notícia foi divulgada pelo Christian Science Monitor, o Constitution Daily, a National Public Radio, a Bloomberg News e outras publicações.
A defesa alega que o pedido da Promotoria, se aceito pela corte, irá cercear o direito do réu a um advogado, previsto, entre outros direitos, na Sexta Emenda da Constituição do país. E que também vai lhe negar os direitos ao devido processo e a um julgamento justo, previstos, entre outros direitos, na Quinta Emenda da Constituição.
A defesa também alega que o estado está usando uma lei de 1970, criada no clima da guerra ao tráfico, que autoriza o confisco de bens do réu antes mesmo de ser condenado, com base apenas em causa provável.
Essa é uma lei federal, copiada por quase todos os estados, para aplicar em casos de sua jurisdição, porque rende muito dinheiro. Em 1986, a prática rendeu ao Fundo de Confisco de Ativos do Departamento de Justiça US$ 93,7 milhões. Em 2006, US$ 1 bilhão. E, em 2014, o governo federal coletou US$ 4,4 bilhões em ativos apreendidos.
Diante desse quadro, a defesa alega que a ação da Promotoria, que visa confiscar todos os bens da empresária, está contaminada por um conflito de interesses, porque o estado, que representa, é o único beneficiário dessa providência.
O caso perante os ministros da Suprema Corte se refere especificamente a bens adquiridos pelo réu à parte de suas atividades ilícitas. Quanto a recursos obtidos por meio de atividades ilícitas, a corte já decidiu, há dois anos, que o estado pode congelá-los, mesmo que o réu fique sem dinheiro para contratar um advogado.
Nesse julgamento, porém, o presidente da Suprema Corte, o ministro conservador John Roberts, apresentou um voto dissidente, ao qual aderiram os ministros liberais Stephen Breyer e Sonia Sotomayor. No voto, eles protestaram contra o precedente que iria congelar ativos de um réu, impedindo-o de contratar um advogado de sua escolha.
Na audiência desta terça-feira, os ministros se mostraram divididos — o que se apura pelas perguntas que fazem a uma ou outra parte, sempre contrariando as alegações apresentadas. O ministro Samuel Alito, conservador, disse que não é possível distinguir o dinheiro lícito do ilícito. A ministra Elena Kagan, liberal, disse que a defesa tinha uma boa intuição, que, porém, já foi expressamente rejeitada pela corte.
O ministro Anthony Kennedy disse que, se a tese do governo prevalecer, nenhum réu envolvido em atividades ilícitas terá dinheiro para pagar um advogado de sua escolha. O ministro John Roberts acrescentou que, se assim for, o confisco poderá ser aplicado em referência a qualquer lei, em todos os estados.
Petições de “amigos da corte” foram apresentadas a favor dos dois lados. A American Bar Association (ABA, a ordem dos advogados dos EUA) se alinhou com a defesa do réu. A ABA acha que, se for autorizado o confisco de todos os bens do réu, a decisão terá um efeito colateral adverso, danoso e generalizado, sobre todo o sistema de Justiça criminal.
A Associação Nacional dos Legislativos Estaduais e governos estaduais pediram, em suas petições, para a corte aceitar a “interpretação ampla do governo” sobre o confisco porque, do contrário, todas as leis estaduais e todos os sistemas já estabelecidos serão desestruturados.
A decisão será tomada dentro de alguns meses e, ao contrário da maioria das decisões da Suprema Corte, não há previsão sobre vitória de qualquer dos lados.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!