Risco assumido

Sergio Moro condena por dolo eventual em lavagem; especialistas divergem sobre tese

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5 de novembro de 2015, 13h28

O juiz federal Sergio Moro condenou na quinta-feira da semana passada (29/10) Ivan Vernon Gomes Torres Junior, antigo chefe de gabinete do ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), a cinco anos de prisão por lavagem de dinheiro. O que motivou a sentença foi o fato de o assessor ter disponibilizado a sua conta bancária para que o parlamentar recebesse propina de empreiteiras que visavam a contratos com a Petrobras. Embora não haja provas de que Torres Junior soubesse do esquema, Moro entendeu que ele agiu com dolo eventual ao não se opor ao pedido de seu empregador. Essa tese, no entanto, é polêmica, e gera divergências entre especialistas.

Em sua decisão, o juiz da operação “lava jato” usou o conceito da “cegueira deliberada”, usado no Direito anglo-saxônico para lavagem de dinheiro e que é equiparável ao dolo eventual na tradição da civil law. Segundo esse preceito, aquele que pratica condutas típicas de tal delito, como ocultação ou dissimulação, não exclui o dolo se escolhe permanecer ignorante quanto à origem dos valores quando poderia ter investigado se eles vinham de meios lícitos.   

Para mostrar que a “cegueira deliberada” pode ser aplicada a países do sistema civil law, Moro citou decisão do Supremo Tribunal Espanhol na qual a corte equipara esse conceito ao dolo eventual nos casos de receptação, tráfico de drogas e lavagem. Esse precedente inclusive já foi usado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS) para crimes de contrabando e descaminho, aponta.

Com base nessa construção importada, o juiz federal afirmou que Vernon agiu “pelo menos” com dolo eventual ao permitir que sua conta fosse usada por Corrêa para receber 98 depósitos fracionados e sem origem comprovada, no total de R$ 389,6 mil. De acordo com Moro, o fato de o ex-chefe de gabinete não ter se oposto à apropriação, pelo ex-deputado, dos salários das assessoras Reinasci Cambui de Souza e Vera Lucia Leite Souza Toshiba, mostra que, no mínimo, ele agiu com “indiferença ao crime praticado por seu empregador”.

Contudo, juristas ouvidos pela revista Consultor Jurídico criticam essa interpretação de Sergio Moro. Na visão do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, quem cede sua conta para outro receber valores indiscriminados deve ser considerado coautor da lavagem de dinheiro, e não um partícipe que agiu com dolo eventual. Isso porque, a seu ver, é “inimaginável” que alguém disponibilize seus fundos sem saber para que fins eles serão usados.

O criminalista Alberto Zacharias Toron considera “equivocada” a premissa usada pelo juiz paranaense no caso. Em sua opinião, o dolo do agente deve ser direto para configurar o crime de lavagem de dinheiro, e isso se aplica ainda mais ao partícipe. Para fortalecer seu argumento, Toron destacou que, no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o STF concluiu que não se caracteriza o delito para fatos ocorridos antes da reforma de 2012 da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998) se não há prova suficiente de que os acusados tinham conhecimento dos crimes antecedentes.

E ele mostra que os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandovski, Marco Aurélio e Gilmar Mendes entenderam na ocasião que, se o prévio conhecimento dos delitos é requisito para a lavagem de dinheiro, esse crime não possui forma dolosa eventual ou culposa.

Já o ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil José Roberto Batochio conta que a responsabilidade penal está ficando cada vez mais vinculada à ideia de que o agente deve ter consciência plena da antijuridicidade de sua conduta, e isso vale ainda mais para a lavagem de dinheiro, que pressupõe a existência de crime antecedente. Por isso, o criminalista opina ser “algo draconiano reconhecer dolo eventual” nesse delito e diz considerar “tecnicamente forçada” a argumentação usada por Moro para condenar Vernon.

Outro lado
Porém, outros advogados não veem problema no fundamento usado pelo juiz federal. A criminalista e professora da Fundação Getúlio Vargas Heloisa Estellita afirmou que não há óbice à configuração de dolo eventual na lavagem de dinheiro. No entanto, ela ressalvou que é preciso haver provas que demonstrem que o acusado assumiu o risco de cometer o crime, e que isso não vale quando houver exigência de especial finalidade, como nas condutas do parágrafo 1º do artigo 1º da lei que tipifica a prática.

O especialista em Direito Penal Econômico Jair Jaloreto também enxerga essa possibilidade, especialmente após a reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro de 2012, que suprimiu a exigência de que o partícipe saiba que o dinheiro tem origem criminosa para caracterização do delito. Mesmo assim, ele deixa claro que o princípio da presunção de inocência prevalece sobre todo o resto, e deve proteger os acusados de imputações sem justa causa.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 5023135-31.2015.4.04.7000

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