A laicidade do Estado brasileiro não impede o reconhecimento de sentenças eclesiásticas, e não cabe ao Superior Tribunal de Justiça analisar o mérito de sentenças estrangeiras. Por isso, a Corte Especial do tribunal homologou uma sentença de anulação de casamento proferida pela Santa Sé, no Vaticano. A decisão é desta quarta-feira (4/11) e seguiu, à unanimidade, o voto do ministro Felix Fischer, decano do tribunal.
O debate aconteceu em um pedido de homologação de sentença eclesiástica proferida pelo Tribunal Interdiocesano de Sorocaba (SP) e confirmada pelo Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, do Vaticano. Ambos são cortes da Igreja Católica, e por isso uma das partes contestou a validade da decisão. A alegação era que a laicidade do Estado não permite que uma decisão eclesiástica tenha efeitos civis, como se fosse uma decisão jurisdicional.
A possibilidade está no Decreto Legislativo 698/2009, que aprovou um acordo assinado entre o Brasil e a Santa Sé, criando o Estatuto Jurídico da Igreja Católica. Depois, esse decreto foi confirmado pelo Decreto Federal 7.107/2010.
Por isso, o pedido era para que o STJ declarasse a inconstitucionalidade dos artigos 12 de ambos os decretos, que têm a mesma redação. O dispositivo diz que o casamento celebrado de acordo com as leis canônicas que também atendam às exigências do Direito brasileiro “produz os efeitos civis”.
Em seu voto, o ministro Fischer cita trechos da exposição de motivos do Ministério das Relações Exteriores para a assinatura do acordo. E ali fica clara a posição de que o acerto do Estado brasileiro com uma entidade religiosa foi possível, nesse caso, porque a Santa Sé é “personalidade jurídica de Direito Internacional”.
A partir disso, o ministro cita outro voto dele, o primeiro sobre a matéria, segundo o qual “as decisões eclesiásticas confirmadas pelo órgão superior da Santa Sé são consideradas sentenças para efeitos de homologação”. “O caráter laico do Estado brasileiro não constitui óbice à homologação de sentenças eclesiásticas, tanto que nosso País reconhece a personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas, nos termos do artigo 3º do Decreto Legislativo 698/2009”, concluiu Fischer.
SEC 11.962
Clique aqui para ler o voto do ministro Felix Fischer.
Comentários de leitores
4 comentários
Suponhamos...
OLD MAN (Advogado Autônomo - Civil)
...que alguém seja excomungado. Então o STJ, submisso a "Santa Sé" impediria esse alguém de comer pão e tomar vinho pro resto de seus dias??? Sei não...
Correção - complementação
Danilo Gavião (Servidor)
A mensagem foi cortada. O que eu quis dizer foi: "no fundo, o que o lobby católico queria (e conseguiu) foi dar a mesma legitimidade de decisões de Tribunais civis a decisões de Tribunais religiosos."
Laicidade vilipendiada
Danilo Gavião (Servidor)
Na época da assinatura dessa "concordata", os católicos tentaram minimizar a polêmica em torno do acordo afirmando que "não passava da formalização de uma situação de fato" etc etc. Como alertaram os defensores da laicidade estatal, não era nada disso. E essa decisão do STJ, ao se basear nos termos da concordata, confirmou: no fundo, o que o lobby católico queria (e conseguiu) foi o de Tribunais civis a decisões de Tribunais religiosos. Se continuar assim, é já que estaremos queimando bruxas em praça pública novamente. Lamentável.
Comentários encerrados em 12/11/2015.
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