Opinião

Quebra de sigilo de advogado torna defesa absolutamente imprestável

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3 de novembro de 2015, 5h58

A notícia de que dois renomados advogados tiveram seus sigilos bancários quebrados a pedido da Polícia Federal e do Ministério Público lançou sobre o mundo do Direito uma sombra de preocupação. Ainda mais por ter sido uma autoridade do Supremo Tribunal Federal a autorizar tal medida.

Por mais que a legislação pertinente ao exercício da advocacia imponha limites, a inviolabilidade do advogado decorre do direito sagrado à defesa, sob pena de se transformar em letra morta o artigo 133 da Constituição, que diz: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

A Lei 8.906/ 94, cuja origem decorre desse preceito constitucional, não autoriza a quebra do sigilo bancário de um escritório de advocacia, pois isso permitiria ao juiz, promotor ou delegado devassar as relações que dizem respeito ao advogado com o seu cliente, e, portanto, devem ser protegidas.

A defesa fica absolutamente imprestável não só para o caso concreto, como também em relação a todos os demais clientes, que ficam expostos a um acusador. Decorre daí o papel do advogado, nem sempre compreendido, mas essencial, vital mesmo, para garantir o limite entre a função do Estado repressor e as garantias individuais.  Por isso, o aspecto sacro da relação cliente-advogado.

Aliás, este é um dos motivos pelos quais a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reagiu e nunca se deixou submeter à fiscalização do Tribunal de Contas da União, como ocorre com outros conselhos profissionais. O próprio STF, mais tarde, reconheceria que sendo habilitada constitucionalmente a questionar atos do Legislativo e do próprio Judiciário, por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), a Ordem precisa de independência.

O precedente noticiado, em que pese tratar-se de dois escritórios, atinge, de forma mortal, essa independência, que é ameaçada quando os tempos são de totalitarismo ou de obscurantismo. No Brasil, tudo leva a crer que caminhamos perigosamente para esta última hipótese, numa situação em que é quase impossível não lembrar Niemöller, o autor de uma adaptação do célebre poema de Vladimir Maiakovski:

“Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse.”

Espero, sinceramente, que sobre alguém.

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