Opinião

O chargeback nos tribunais brasileiros: O risco de fraudes é das operadoras

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2 de novembro de 2015, 14h55

Chargeback é o procedimento adotado pelas administradoras de cartões de crédito quando uma compra não é reconhecida pelo titular, ou quando é considerada suspeita ou irregular pela própria operadora. É o que ocorre nas compras feitas com dados roubados e cartões clonados, quando a transação é cancelada antes que os valores sejam pagos aos estabelecimentos.

Em um país em que a quantidade e valores das fraudes financeiras sequer é revelado, o chargeback se tornou um dos principais fantasmas do e-commerce brasileiro. Contratualmente, o ônus financeiro é assumido pelo lojista, que deixa de receber os valores das compras canceladas, mesmo que a mercadoria ou serviço tenham sido entregues. É o que preveem os contratos oferecidos pelas entidades credenciadoras, em que os riscos são integralmente repassados ao estabelecimento.

Porém, esta responsabilidade pode ser “devolvida” às operadoras e às instituições financeiras pela via judicial. Recentemente, com efeito, os tribunais brasileiros têm se mostrado cada vez mais solidários aos lojistas, reconhecendo que o ônus financeiro das operações canceladas deve ser absorvido pelas administradoras de cartões e entidades credenciadoras, e não pelos estabelecimentos de venda.

São casos que têm se tornado cada vez mais frequentes no Judiciário brasileiro. Isso porque as atividades de concessão de crédito (emissão de cartões) e de processamento de pagamentos remotos (entidades credenciadoras e meios de pagamento) são atividades de risco, conforme o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. Diante disso, os riscos envolvidos nestas operações – tais como fraudes, roubos e clonagens de cartões – devem ser assumidos pelas entidades que operam e autorizam as transações, e não pelos lojistas.

Dessa forma, se o contrato padrão da operadora atribui ao estabelecimento a responsabilidade por uma compra cancelada – o prejuízo -, é possível contestar esta cláusula no Judiciário e obter o pagamento dos valores retidos.

Vamos a um exemplo prático, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. No processo 0029777-07.2012.8.26.0003, julgado em agosto do ano passado, o Desembargador Felipe Ferreira manteve a condenação imposta à Redecard S.A., ao concluir o seguinte: “É importante lembrar que a responsabilidade da ré decorre do risco do negócio e, portanto, possui natureza objetiva. Assim, autorizado o pagamento pela requerida, o autor poderá realizar a venda, sem que à ele incorram futuros prejuízos por desídia da primeira. Se posteriormente o portador do cartão questiona o lançamento que foi feito em sua fatura e a impugnação é aceita, quem arca com o prejuízo é a requerida, e não o vendedor. (…) Ao vender o sistema de vendas 'on line', a Redecard também negociou a segurança e as garantias do seu produto.”

Em mais um exemplo, também do tribunal paulista, a conclusão foi análoga: “Ao conceder ao lojista a autorização para que a venda se efetive, a administradora assume o risco inerente à sua atividade empresarial, que é, justamente, a de prestação desse tipo de serviço oferecido aos estabelecimentos comerciais, para que possam expandir seus negócios” (Apelação 0205112-11.2010.8.26.0100, julgada em 20/10/2013).

Em outro caso – Processo 0003875-13.2011.8.26.0577, julgado em janeiro deste ano – a Cielo S.A. foi condenada a restituir quantia superior a R$ 150 mil, referentes a transações que não foram pagas ao estabelecimento. “Se o lucro da Cielo vem justamente dos pagamentos efetuados através de cartões de crédito, não resta dúvida que é dela a responsabilidade pela segurança do sistema.” (TJ-SP, Apelação 0028719-32.2013.8.26.0100, julgada em 02/06/2014).   

Julgamentos como os citados já são maioria na corte paulista, estado de origem das principais administradoras e operadoras de pagamentos. São inúmeras as ações ajuizadas contra a Cielo S.A. e a Redecard S.A. que foram julgadas de maneira favorável aos estabelecimentos (processos 0210780-94.2009.8.26.0100, 0213287-91.2010.8.26.0100, 0029777-07.2012.8.26.0003, 9101934-33.2009.8.26.0000, 0193188-71.2008.8.26.0100, apenas para citar alguns exemplos).

Estas decisões encontram fundamento também nos princípios contratuais da boa-fé, equidade e lealdade, tendo em vista que a atribuição do risco exclusivamente à parte economicamente mais vulnerável – que não tem o poder de discutir e alterar as cláusulas – fere o equilíbrio do contrato.

Em alguns casos, porém, o julgamento pode ser desfavorável ao lojista. Isso pode ocorrer quando a operadora de pagamento demonstrar que o lojista foi negligente com as precauções de segurança recomendadas (TJ-SP, 4002064-28.2013.8.26.0011, julgado em 26/11/2014).

Porém, uma decisão favorável ao vendedor, quando fundada nas peculiaridades do caso concreto, dificilmente poderá ser revertida no Superior Tribunal de Justiça, que não admite o reexame de fatos em situações como estas (AgRg no AREsp 63.715/DF, julgado em 18/06/2013; AgRg no AREsp 328.043/GO, julgado em 27/08/2013). Com isso, as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como de como de outros Tribunais estaduais, tendem a ser tornar definitivas.

A responsabilidade das operadoras de pagamentos e das administradoras de cartões, portanto, pode e deve ser questionada judicialmente pelos lojistas, exigindo-se o pagamento das transações canceladas. A tendência é que casos como os descritos acima sejam cada vez mais frequentes nos Tribunais brasileiros, o que pode corrigir o desequilíbrio econômico hoje existente nos contratos impostos aos estabelecimentos pelas instituições financeiras e entidades credenciadoras.

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