Opinião

Estado não pode atuar como vingador dos atos ilícitos

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1 de novembro de 2015, 12h36

Sem qualquer recurso ao emocional, preocupa o destino do direito à justiça em nosso país. Preocupa não por apego ou compaixão, mas por respeito à vida em sociedade. Sem o controle da violência estatal por meios racionais, a existência pacífica da sociedade está efetivamente em perigo.

A realização da justiça pelos aparatos estatais determinados a este fim não nos deixa espaço para a flexibilidade dos papéis impostos a cada um dos atores deste processo. O Poder Judiciário julga, e como julgador deve se debruçar sobre o que lhe é trazido em todos os tribunais do país, com neutralidade para decidir racionalmente.

Sem meias palavras, decidir racionalmente significa decidir com argumentos lícitos e legais, construídos legitimamente durante o processo. O juiz não pode decidir fundamentado em qualquer coisa. Ele deve seguir a lei. Parece muito óbvio?

Adiciona-se a este caldo de racionalidade a função constitucional do Ministério Público de se opor às violações à legislação nacional. Lutar, pois, com as armas lícitas para que o sistema jurídico não seja diariamente violado. Tal significa, por algumas vezes, a acusação por crimes praticados, e por outras vezes, a defesa de dispositivos constitucionais como a proibição da utilização de prova ilícita, bem como violação aos dispositivos processuais.

Encerrando o tripé que sustenta a realização da justiça legítima em um Estado de direito, a defesa ergue-se como escudo ao monopólio da violência estatal sobre o cidadão. O advogado obriga-se a defender o cidadão das acusações que lhe são imputadas, e garantir que a ele seja aplicada a pena que lhe é racionalmente justa, adequada e necessária.

Nem mais nem menos. E para exercer o seu papel, os advogados de defesa representam seus clientes perante os órgãos competentes, contudo não são avalistas dos atos dos seus representados. Atuam no interesse da justiça e desta forma devem ser respeitados.

E assim não se fez o nosso sistema por capricho de maus legisladores ou levianos juristas, a fim de priorizar os “fora da lei”, ou dificultar a aplicação das penas. Mas assim se fez pelo desenvolvimento histórico da racionalidade jurídica, para que se construa elementos dignos de um julgamento legítimo, desenhe-se a solução pacífica aos conflitos sociais inerentes à convivência humana. Assim deve ser, para ser efetivamente justo.

Argumentos contraditórios e oposição racional são, portanto, elementos essenciais à boa realização da justiça. A defesa e os seus instrumentos lícitos determinam, pois, esta oposição e são elementares ao livre desenvolvimento da racionalidade jurídica.

Trata-se de justiça institucional, distribuída pelo Estado, cumprindo sua função de pacificação dos conflitos sem absorver as paixões de seus súditos. Nada sobre a justiça vingativa, passional, fruto dos íntimos sentimentos de cada um de nós.

Se o Estado arvora-se como vingador nacional dos atos ilícitos realizados em seu território, não há mais espaço para o cumprimento de regras impostas pelo exercício democrático. Aí sim a violência de tudo contra todos se impõe.

A busca por soluções mais eficazes na luta contra a criminalidade passa pelo reconhecimento da racionalidade necessária das decisões jurídicas. Não basta originar-se do Judiciário para ser legítima. A decisão deve ser racional, e para isto ela deve ser o sopesamento entre o que se acusou e o que se defendeu, legitimamente, perante o Judiciário. Só assim ela será eficaz!

Não se passa um dia sem a estampa – nos diversos meios de comunicação do país – da justiça irracional e seus atores. Parece, por tudo que se assiste, que a realização da justiça racional está cada vez mais longe e mais intangível.

Os ataques constantes ao papel do defensor perante a justiça criminal fulminam de morte a racionalidade da prestação jurisdicional. Neste caminho não há heróis e nem vilões. Perdem todos e perde a sociedade em sua eterna luta pela coexistência pacífica.

Autores

  • Brave

    é sócia do escritório Costa, Coelho Araújo e Zaclis Advogados; doutora em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra. Membro do Instituto de Defesa de Direito de Defesa (IDDD); coordenadora da Revista Brasileira de Ciências Criminais- biênio 2015/2016; membro da Comissão de Direito Penal e Processual Penal da OAB/SP; professora de Direito Penal e Direito Processual na Universidade Paulista (UNIP). Autora do livro Tipicidade Penal: Uma análise funcionalista, além de diversos artigos sobre Direito Penal Empresarial; pesquisadora na Universidade de Munique (LMU) entre 2003 e 2004 e pesquisadora na New York University (NYU) em 2012

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