Segurança jurídica

Novo CPC busca prestação jurisdicional mais rápida, eficiente e completa

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29 de março de 2015, 7h30

O novo Código de Processo Civil vem recheado de mudanças, que trazem esperanças, preocupações e desafios.

Nos dias que antecederam a sanção presidencial assistimos a vários debates entre parte da magistratura, de um lado, e advogados e juristas, de outro. O ponto que mais rendeu discussão foi o da fundamentação adequada das decisões, especificamente aquela prevista no artigo 489, § 1º, IV, que dispõe:

“§ 1º- Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

(…)

IV-  não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.”

Juristas e advogados aplaudiam a exigência de fundamentação de “todas” as teses, como prática concreta de uma prestação jurisdicional democrática e do direito dos litigantes de saberem, à exaustão, as razões pelas quais seus pedidos foram acolhidos ou rejeitados.

Magistrados, de modo geral, criticavam o dispositivo, considerando-o impertinente. A preocupação nuclear, veiculada pelas associações de juízes, era clara: se hoje já não se consegue dar vazão à demanda – mesmo com o entendimento de que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão –, quanto mais na vigência do novo Código, que determina que deverão ser enfrentados “todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.”

No outro polo, as queixas eram quanto à qualidade das decisões judiciais, considerando deficientes os níveis de fundamentação.

É razoável destacar, porém, que, se há insatisfação com a qualidade da prestação jurisdicional, igualmente há críticas à qualidade da postulação. O trabalho de muitos advogados também é questionado pela magistratura. As petições são cada vez mais extensas e carentes de precisão e objetividade, o que dificulta, e muito, o exame de seu efetivo conteúdo.

Daí a preocupação dos juízes de que poderão se avolumar, com o novo Código, as teses que podemos chamar de “onde está Wally?", tal como nos livros tão populares nos anos 90. São aquelas teses que ficam praticamente escondidas no emaranhado de laudas e laudas das petições, rendendo ensejo, por exemplo, ao argumento de que o "sub-item 57 do item 35 da contestação" não foi enfrentado, mas seria capaz de infirmar a conclusão do julgador.

A sequência previsível dessa realidade é a abertura para “sedutores” embargos de declaração, notadamente por aqueles que não querem a rápida solução do processo.

Outra crítica da magistratura, penso que com boa margem de razão, era direcionada à redação extremamente genérica do dispositivo.

Todavia, o que fica de todo esse debate, após a sanção do CPC, é a necessidade de buscar caminhos para que a vontade do legislador se torne realidade.

Gostemos ou não, as decisões precisarão enfrentar as teses basilares invocadas pelas partes, em cumprimento ao artigo 489, § 1º, IV.

Mas será que os juízes ficarão reféns daquelas petições com pouca qualidade ou com teses camufladas, para só depois serem alertados nos embargos de declaração de que faltou examinar a tese “a” ou “b”?

Penso que não. O próprio Código apresenta as soluções para evitar essa sensação de aparente desconforto, com previsão de técnicas de saneamento, organização e preparação do processo rumo à decisão de mérito, em nítida evolução do que hoje está posto no CPC.

Pessoalmente, na condição de juiz, sempre fui adepto da técnica de proferir decisão de saneamento em audiência, com base no artigo 331, § 2º do Código atual. Os resultados eram muito bons – ótimos eu diria.

Explico: Marcava a solenidade e intimava as partes e advogados. Inviável a conciliação, depois de superadas eventuais questões preliminares, passava, em diálogo franco e direto com os advogados, a fixar os pontos controvertidos sobre os quais incidiria a prova e quais as modalidades probatórias pretendidas pelas partes.

Quantas vezes alguém pedia a inquirição de testemunhas e eu alertava que o fato específico já estava provado por memória documental. Via de regra o advogado concordava e desistia. Se assim não fizesse, a prova era indeferida, justificando o motivo e relatando que a circunstância tinha sido exposta ao requerente naquele ato; noutras vezes eu demonstrava que o fato era incontroverso e por isso não demandava dilação probatória – e as adesões eram praticamente unânimes ao aceitar a ponderação. Tudo isso ficava consignado em detalhes no termo de audiência e era praticamente zero o número de agravos decorrentes de tais decisões.

Quando se chegava na audiência de instrução e julgamento, o processo estava todo organizado, o que permitia a coleta do material probatório com bastante objetividade.

E tudo era alcançado, frise-se, pelo contato direto com os advogados e com as benesses da oralidade, que rende muito mais, em poucas palavras, que as justificativas alongadas das decisões escritas.

Pois bem, o novo Código de Processo Civil avança muito em tal perspectiva e amplia, sobremaneira, as possibilidades de organização do processo para uma boa decisão de mérito, e isso não se restringe à atividade probatória, porque poderá haver a explicitação e delimitação dos temas jurídicos a serem enfrentados.

Confira-se:

"Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:

(…)

II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;

(…)

IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;"

Essas regras devem ser comemoradas!

Além da delimitação das questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, surge a  grande e auspiciosa novidade do inciso IV: a delimitação das questões de direito relevantes para a decisão do mérito.

Esse compartimento do Código convida todos os participantes do processo a contribuir para uma boa qualidade da prestação jurisdicional.

E também é muito bem-vinda a regra e a inspiração do § 2º:

“As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.”

Trata-se de compartilhamento democrático da cena processual, na qual as partes dizem ao Estado-juiz o que elas esperam do resultado da prestação jurisdicional.

Aqui, o Código cristaliza, mais uma vez, a ideia de cooperação prevista no artigo 6º, que diz:

“Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”

Se a matéria for complexa, o § 3º indica a necessidade de designação de audiência, para que o saneamento seja feito em cooperação, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.

Mesmo que a matéria não seja complexa sob o ângulo probatório ou de mérito, abre-se porta para a designação de tal solenidade, porque o princípio da oralidade e as vantagens da interação presencial justificam a adoção dessa providência.

E o desdobramento natural é que a delimitação prévia das questões de direito não fique restrita às hipóteses em que o processo chegue na fase do saneamento concentrado. Mesmo nos casos de julgamento antecipado do mérito, pode (e deve) o juiz intimar as partes para que explicitem, por petição, quais as questões de direito e de fato (teses) querem ver examinadas na decisão, mesmo que elas não tenham chegado ao consenso referido no § 2º.

Isso permitirá que o magistrado saiba, sem surpresas posteriores, o que as partes esperam da prestação jurisdicional.

Essa técnica de organização do processo rumo à decisão de mérito não deve ser encarada como um fardo procedimental; ao contrário, é exatamente pela adoção de tais medidas que serão abertos os caminhos para uma decisão segura, com responsabilidades devidamente compartilhadas.

Ficará, assim, bem mais previsível e estável a obrigação de enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão do julgador.

Em outras palavras, há que se buscar a prévia delimitação das questões de direito relevantes para a decisão de mérito, a fim de que todos os sujeitos do processo saibam de antemão quais teses devam ser enfrentadas, permitindo melhor rendimento à atividade decisória e evitando “aquelas bombas de efeito retardado”, detonáveis pelo manejo dos embargos declaratórios nos quais se sustentam as omissões.

Prestígio à cooperação e ao diálogo, segurança jurídica, prestação jurisdicional mais completa e razoabilidade no tempo para a solução justa do litígio – eis o que busca o CPC/2015.

Assim, ao mesmo tempo em que o novo Código exige dos magistrados o exame das teses basilares sustentadas pelas partes, também fornece as técnicas para a identificação dos temas que necessariamente devam ser enfrentados.

E esse diagnóstico, a ser realizado mediante contraditório substancial, não será tarefa isolada dos juízes. Em cooperação, estarão a seu lado os advogados das partes.

Vamos abrir nossos corações ao novo Código de Processo Civil. Sejamos humildes para desaprender o que é preciso e para reaprender o que é necessário. E há muito por fazer, nos dois sentidos.

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