Processos originários

Ao delegar execução de decisões, STF escolhe solução de extrema praticidade

Autor

  • Abhner Youssif Mota Arabi

    é juiz auxiliar da presidência do Supremo Tribunal Federal coordenador do Centro de Mediação e Conciliação do STF doutorando em Direito do Estado (subárea: Direito Constitucional) na Universidade de São Paulo (USP) mestre em "Direito Estado e Constituição" pela Universidade de Brasília (UnB) ex-assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal (2014-2018) e autor de livros capítulos de livros e artigos jurídicos.

28 de março de 2015, 9h19

Uma questão interessante emergiu na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal em meio ao julgamento das listas, as quais usualmente tratam apenas de matérias menos controversas e já bastante repetidas naquela Corte. A sessão do dia 17 de março, que ficou marcada pela despedida do ministro Dias Toffoli, em migração para a 2ª Turma, teve um final movimentado, quando chamada a julgamento a Lista nº 4 de relatoria do ministro Luiz Fux.

A lista, composta de seis processos, tratava de agravos regimentais em ações originárias já transitadas em julgado e nas quais a única questão pendente é a execução, em favor da União, dos honorários advocatícios.

Monocraticamente, o ministro relator havia entendido por remeter os autos a juízo de primeiro instância (no qual as ações foram inicialmente propostas antes da declinação de competência do juiz de primeiro grau e a consequente remessa ao STF, conforme o art. 102, I, ‘n’, do texto constitucional), ao fundamento principal de que “a execução de honorários, por si só, não enseja a atuação originária do Supremo Tribunal Federal”.

Ele concluiu ainda que, apesar da regra geral segundo a qual a execução dos honorários sucumbenciais tramita no mesmo juízo em que foi apreciada a fase cognitiva, não haveria fundamento constitucional para ensejar a manutenção do feito meramente executivo naquela corte.

Iniciado o julgamento, porém, o ministro Marco Aurélio inaugurou a divergência, no que o ministro Roberto Barroso sinalizou em acompanhá-lo. Ele votou no sentido de que, nos termos das disposições regimentais, as execuções de sentença de decisões proferidas pelo STF em processos originários deveriam ser conduzidas nesse mesmo tribunal.

O curioso, porém, é que a mesma questão foi igualmente levada a julgamento na 1ª Turma menos de um mês antes, no dia 24 de fevereiro, ocasião na qual a tese defendida por Fux foi unanimemente aprovada pela Turma. Cito, por exemplo, os já publicados acórdãos proferidos nas AOs 1.518, 1.615, 1.929, 1.764 e 1.786[1], todas de relatoria do indicado ministro e julgados em sessão na qual estava presente Marco Aurélio.

De todo modo, o debate parece interessante: justifica-se ocupar ainda mais a corte suprema brasileira para mera execução de verbas sucumbenciais que, muitas das vezes, constituem montantes de valor inexpressivo?

O texto constitucional de 1988, ao fixar as competências do Supremo Tribunal Federal, dispõe em seu art. 102, I, ‘m’, que cabe àquela corte processar e julgar, originariamente, “a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais”.

Na mesma linha se coloca o Regimento Interno do tribunal, ao prever como uma das competências do relator “executar e fazer cumprir os seus despachos, suas decisões monocráticas, suas ordens e seus acórdãos transitados em julgado, bem como determinar às autoridades judiciárias e administrativas providências relativas ao andamento e à instrução dos processos de sua competência, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais não decisórios a outros Tribunais e a juízos de primeiro grau de jurisdição” (art. 21, II, do RISTF).

A rigor, pela redação dos dispositivos normativos, tanto a nível constitucional, como a nível legal (art. 475-P, I, do Código de Processo Civil) e até mesmo regimental, parece não haver espaço para discussão: nas causas de competência originária do STF, compete a essa corte a execução das verbas decorrentes da fase cognitiva dos respectivos processos. Entretanto, a tese empreendida pelo ministro Luiz Fux se revela como de alta praticidade, na medida em que, ao mesmo tempo em que desafoga da apreciação do STF os processos nos quais a questão meritória já foi resolvida, remete o feito executivo a juízos localizados nas regiões de onde provenientes as partes, facilitando o procedimento de execução (tais como a prática de atos processuais como intimação, penhora, avaliação, etc.), conferindo maior celeridade a estas ações.

Nesse sentido, talvez a solução mais prática e comportada pelo ordenamento jurídico seja justamente aquela que se coloca no meio dos polos das duas teses: reconhece-se a competência do STF para a execução, porém delega-se a prática dos atos processuais executivos à autoridade judiciária de primeira instância, de acordo com a conveniência de cada caso, tendo em vista, destacadamente, os princípios da celeridade e da satisfatividade do crédito judicial.

Ressalte-se que tal solução seria permitida pelo texto constitucional, tendo em vista que se faculta ao tribunal “a delegação de atribuições para a prática de atos processuais” (art. 102, I, ‘m’, segunda parte), bem como pelo texto regimental, que prevê a possibilidade de “delegação de atribuições para a prática de atos processuais não decisórios a outros Tribunais e a juízos de primeiro grau de jurisdição” (art. 21, II, do RISTF, segunda parte).

Destaque-se, por sua similitude, que o texto regimental do STF possibilita a delegação de atos processuais a outras autoridades judiciárias também em outros casos relativos a ações de competência originária desse tribunal, como o interrogatório de extraditando, no caso de Extradição (art. 211); o interrogatório do réu ou “qualquer dos atos de instrução”, no caso de Ação Penal Originária (art. 239, § 1º); e os atos instrutórios, nos casos de Ação Cível Originária (art. 247, § 2º) e Ação Rescisória (art. 261, parágrafo único).

Historicamente, aliás, a execução de decisões do STF em processos de sua competência originária era competência da Presidência do tribunal, até mesmo porque o setor de contadoria da corte (a Secretaria de Controle Interno) é hierarquicamente subordinada ao ministro presidente. Entretanto, pela Emenda Regimental 41/2010, editada sob a presidência do minisro Cezar Peluso, a competência foi redefinida aos relatores.

De toda sorte, a delegação de atos processuais não é prática inovadora na condução dos processos originários no STF, de modo que sua adoção em procedimentos de execução seria uma solução de extrema praticidade e constitucionalidade. Aliás, tal procedimento poderia ser adotado inclusive em procedimentos penais, como as Execuções Penais em trâmite na corte e referentes à Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão. A discussão empreendida pela bancada do lado direito da Turma parece ter sido exagerada, notadamente porque aquele mesmo órgão aprovou tese idêntica três sessões antes.

A conclusão do julgamento é que não houve conclusão: após o debate inaugurado pela divergência levantada pelo ministro Marco Aurélio, o relator, após defender sua tese, resolveu adiar a apreciação da lista para outra sessão.

Bom, pelo menos uma conclusão pode se formular: algumas vezes os debates mais interessantes podem vir de onde menos se espera. Foi o que surgiu das listas dessa vez.

 


[1] Para exemplificar que a tese inicialmente aprovada à unanimidade pela Turma era a mesma da que se discutia na sessão do dia 17/3/215, veja-se, a propósito, a ementa do acórdão proferido na AO 1.518, publicado no DJe em 10/3/2015: “AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO ORIGINÁRIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE TODOS OS MEMBROS DA MAGISTRATURA. INCOMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO 1. A competência constitucional originária do Supremo Tribunal Federal para a ação prevista no art. 102, I, n, da Constituição Federal, demanda a existência de situação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados e que o direito postulado seja exclusivo da categoria. 2. In casu, a não constatação de interesse da magistratura enseja a inocorrência de competência originária do Supremo Tribunal Federal pra o prosseguimento do feito. 3. Agravo Regimental a que se nega provimento.”.

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