Guardiães do erário

Operação zelotes fortalece ainda
mais Receita Federal dentro do Carf

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27 de março de 2015, 7h05

Foram seis os escritórios de advocacia visitados pela Polícia Federal em Brasília nesta quinta-feira (25/3) durante a deflagração da operação zelotes. A investigação é conduzida pela PF, pelo Ministério Público, pela Corregedoria do Ministério da Fazenda e pela Receita Federal e apura acusações de corrupção de conselheiros e servidores do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a última instância administrativa para recorrer de autuações fiscais.

A preocupação dos conselheiros do Carf com essa operação é com os efeitos. O receio é que ela seja usada para desmoralizar o órgão ou para dizer que todas as decisões são resultado de influências “pouco republicanas”. Até por isso evitam se aproximar das investigações: querem deixar claro que a zelotes trata de casos pontuais, e não de uma postura institucional do Carf.

A taxa de sucesso da Receita Federal no Carf desmente o pensamento de que se trata de um órgão corrupto que pende a favor de quem paga. O Fisco comemora que 96% das autuações fiscais de 2010 julgadas até 31 de dezembro de 2014 foram mantidas pelo Carf. E em 75% das vezes o valor da autuação foi confirmado pelos conselheiros. Já a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional contabiliza que, durante 2014, “evitou” a União de desembolsar R$ 55,5 bilhões com sua atuação em processos tributários administrativos.

Por isso, advogados já começam a considerar o Carf uma "instância de passagem" antes do Judiciário. Recorrer ao Conselho virou uma estratégia para interromper a contagem de juros sobre a autuação para ganhar tempo, algo como um provisionamento, para muitas empresa.

Também viraram normais casos de consultores que “vendem” decisões já decididas pelo Carf. Por conhecerem a jurisprudência do órgão, procuram empresas e oferecem seus serviços de articulação, garantindo vitória num caso cuja tese já foi definida a favor do contribuinte. “Hoje mesmo aconteceu isso com um cliente meu”, conta uma advogada.

Gotas no oceano
De acordo com o Ministério da Fazenda, são analisados 70 processos administrativos sob suspeita, os quais envolvem R$ 19 bilhões em autuações fiscais. Os casos já encerrados pelo Carf, segundo o MF, resultaram em redução ou extinção de R$ 5 bilhões “do montante de créditos tributários lançado pela fiscalização da Receita Federal”.

Mas só em 2014, o valor discutido nas decisões do Carf chegou a R$ 33,5 bilhões, segundo informações do órgão. Levando em conta os processos em acervo, o Carf tem em seu poder o destino de R$ 565 bilhões, distribuídos em 117 mil processos.

Por causa da operação, o presidente o do Carf, Carlos Alberto Barreto, suspendeu as sessões de julgamento e os conselheiros ainda não decidiram datas para compensar os cancelamentos.

Diligências
Dos seis escritórios alvos de diligências em Brasília, quatro ficam no Lago Sul, um fica na Asa Norte e outro no Setor Comercial Sul. O Lago Sul é uma região eminentemente residencial do Plano Piloto, mas pequenas embaixadas e escritórios de advocacia são autorizados a se instalar no setor.

Ao todo,  foram 41 diligências de busca e apreensão, 24 das quais em Brasília. Além de advogados, também foram alvo de diligências escritórios de consultoria, segundo informações do Ministério da Fazenda. Nas casas em que foram feitas diligências da PF, foram apreendidos dinheiro e arquivos digitais que comprovariam as relações desses advogados com servidores e conselheiros do Carf.

Julgamentos suspeitos
A operação investiga denúncias de que integrantes do órgão se associaram a consultores e advogados para, mediante pagamento, influenciar nos resultados de julgamento do Carf.

De acordo com as informações divulgadas pela PF na manhã desta quinta, essas associações eram feitas para anular autuações fiscais ou para manipular o andamento dos processos. Essa manipulações aconteceriam, por exemplo, por meio de pedidos de vista ou de atrasos em levar o caso à pauta de julgamento.

Ações populares
Tem ganhado força em Brasília a tese de que a operação zelotes se insere num contexto maior, mais antigo. A cronologia dos fatos suporta a teoria. A operação teve início no fim de 2013. No fim de 2012, o ex-procurador da Fazenda Nacional Renato Chagas Rangel ajuizou 59 ações populares contra o Carf por conta de decisões do órgão a favor de empresas. Ele questionou casos famosos, como da Petrobras, do Santander ou da Vivo, vitórias emblemáticas dos contribuintes.

Naquela ocasião também os conselheiros decidiram parar de julgar, diante da insegurança do que poderia vir a acontecer caso votassem a favor das empresas, e não da Fazenda. A decisão de parar veio depois que a Procuradoria da Fazenda Nacional, em uma das ações populares, apresentou parecer favorável ao pedido de Renato Rangel. Concordou com a alegação de que a União foi omissa em seu papel de tributar quando permitiu que o Carf decidisse pela inexistência de crédito tributário.

Depois desse parecer, o procurador-chefe da PGFN no Carf, Paulo Riscado, defendeu o colega. Disse que não poderia ser outra a postura da Fazenda: se o órgão se põe a favor do crédito tributário na instância administrativa, deve manter a mesma postura no Judiciário. Posteriormente, a Justiça Federal considerou as ações uma "aventura jurídica" e as negou.

A defesa de Riscado levantou em todos a suspeita de que a própria PGFN era quem estava orquestrando o ajuizamento das ações populares por seu ex-procurador — que foi demitido do órgão por improbidade administrativa e corrupção. A operação zelotes estaria na esteira desse contexto, embora alguns conselheiros discordem veementemente dessa interpretação dos fatos.

Fiscalização de malas
Conta a favor da tese conspiratória a postura que a Fazenda adotou em relação ao Carf nos últimos anos. Caso famoso é o da Gerdau. A empresa foi alvo de autuações fiscais depois que promoveu uma operação de reorganização societária interna e tentou usar o ágio aplicado a essa movimentação para abater da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido.

O abatimento é permitido pela Lei 9.532/1997, aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso para estimular as privatizações. A discussão promovida posteriormente pela Receita Federal, já na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi que esse ágio só poderia ser aproveitado em operações feitas entre empresas independentes, e não em movimentações internas. Isso foi resolvido pela Medida Provisória 627/2013, que positivou o entendimento do Fisco Federal.

Quando o caso chegou ao Carf, o conselho decidiu separar os processos por CNPJ das subsidiárias da Gerdau. Em 2012 foi decidido o primeiro dos casos e o Carf entendeu que o ágio interno poderia ter sido usado. A votação estava empatada e o voto de minerva foi dado pelo então conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro.

Em abril de 2013, quando venceu seu mandato no Carf, o Ministério da Fazenda não o reconduziu ao cargo. O Carf é composto, em quantidades iguais, por conselheiros indicados pela Fazenda e por uma comissão que representa os contribuintes. Guerreiro, auditor fiscal, representava a Fazenda. E a Receita Federal o mandou para Porto Alegre para trabalhar na fiscalização aduaneira do aeroporto.

A transferência de Guerreiro assustou a todos. Um ano depois, quando o Carf decidiu sobre outra parte da operação de reestruturação da Gerdau, o entendimento foi de que o ágio fora forjado para que a empresa pagasse menos imposto. Ou seja, não houve o tal do “propósito negocial” que a Fazenda entende ser essencial para que uma operação de reestruturação seja considerada legítima. A autuação ficou em torno do R$ 1,5 bilhão, mais a multa de 1,12% ao mês.

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