Garantias individuais

Especialistas criticam delação premiada em evento no Rio de Janeiro

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27 de março de 2015, 8h48

Questionamentos quanto à ética, eficácia e legitimidade dos acordos de delação premiada deram o tom das discussões nesta quinta-feira (26/3) no I Congresso Nacional do Instituto de Proteção das Garantias Individuais. O evento aconteceu no auditório do prédio da Bolsa de Valores, no centro do Rio de Janeiro.

Em sua palestra, o desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do RJ, afirmou que o instituto transfere para o particular a condução da investigação que deve ser de responsabilidade do Estado, que acaba ficando à sua mercê. “O Estado só vai atrás do que ele disser, para ver se é verdade”, explicou.

Segundo Rangel, nos moldes atuais, o delator pode tumultuar a investigação ao delatar fatos verdadeiros e falsos, de forma deliberada para implicar pessoas inocentes. “Nisso, se for um político, não haverá mais eleição para ele. Se for particular, a empresa dele vai à bancarrota”, disse.

O desembargador também criticou a condução das delações. “Vi um depoimento no qual o juiz perguntou: ‘Você acha que fulano sabe?’. Está errado. Deveria ser: ‘o senhor  sabe se fulano tem conhecimento?’. Tem que se buscar fatos. Achar… isso não é pergunta. E é muita covardia. Isso macula a honra das pessoas, que muitas vezes não conseguem se levantar”, criticou.

Para Rangel, a delação premiada encontra fundamento no direito penal do inimigo — discurso que tem no combate à criminalidade a principal justificativa para a defesa das propostas que visam reduzir as garantias individuais no processo penal. Nesse sentido, o desembargador questionou as penas previstas para quem optar pelo acordo de delação. Em muitos casos pode ser menor, mesmo se a participação dele no crime foi maior que a dos demais investigados.

Sem acordo
O problema ético relativo à delação sempre vai ser objeto de crítica, segundo o procurador da República José Maria Panoeiro, que também participou do evento. Ele explicou que o melhor seria não oferecer a possibilidade de acordo de delação às lideranças da prática criminosa conforme restrições existentes na Lei 12.529/2011, que trata do acordo de leniência no Conselho Administrativo de Defesa Econômica. “A questão da proporcionalidade da pena será resolvida pelo juiz na sentença”, afirmou.

Ele também criticou a celebração de acordos com todos os réus de um mesmo processo, onde “todo mundo entrega todo mundo e ninguém é punido". "A ideia da delação é que alguns entreguem todos os demais, sendo que esta colaboração é imprescindível para a compreensão de todo o complexo esquema criminoso", disse.

Panoeiro avalia que a estrutura penal não foi pensada para o combate ao crime organizado segundo a estrutura de uma empresa, como tem se verificado em muitos casos investigados nos últimos anos.

Lava jato
Em relação direta aos acordos firmados na operação “lava jato”, que investiga a corrupção na Petrobras, o procurador disse que os fatos têm de ser checados por outros elementos — por isso os pedidos de abertura de inquérito feitos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Eufemismo
O advogado Christiano Fragoso, que presidiu a mesa de debates, reclamou da mudança na nomenclatura do delator para colaborador a fim de evitar a "repugnância" que marca o instituto. O advogado também criticou as renúncias a direitos estipulados em muitos acordos, entre eles ao silêncio e de se recorrer da sentença.

“Me parece absurdo que se imponha no acordo de delação que não se possa recorrer da sentença. Isso é uma flagrante violação da legalidade. A renúncia ao silêncio também. Em nenhum momento me parece que a lei diz que o delator tem que falar tudo o que sabe. Mas os acordos estão invariavelmente sendo firmados nesse sentido”, afirmou.

*Alterado às 17h desta sexta-feira (27/3) para correções.

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