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Paulo Périssé: Eufemismo da bengala mostra precariedade da proposta

16 de março de 2015, 16h57

Por Paulo Guilherme Santos Périssé

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Os canais de mídia foram inundados recentemente por um assunto polêmico, ainda abordado sob o ângulo da conveniência política de a atual presidente indicar os nomes dos futuros integrantes do Supremo Tribunal Federal, órgão que dentro do cenário atual tornou-se central para a estabilidade de nossa democracia.

Sinteticamente, em razão do longo período no exercício do poder, com as novas indicações que estão por vir, a exceção de um dos ministros, todos os demais integrantes da corte teriam sido indicados pelo mesmo grupo político. A solução encontrada para evitar o que é visto como um infortúnio é ampliar a idade limite para aposentadoria compulsória dos seus membros, dos atuais 70 para 75 anos.

A questão tem claros contornos políticos relacionados às disputas por indicações, mas esse é apenas um dos seus vértices, já que atingirá todos os demais integrantes do sistema.

A mal denominada “PEC da bengala”, já ensaia com esse eufemismo problemas estruturais importantes para o funcionamento do sistema judicial. Pretender ampliar o limite de idade para afastamento compulsório dos seus membros seria uma medida prudente e benéfica às nossas combalidas contas públicas, como afirmam alguns. Nesse sentido, a mudança traria vantagens econômicas com o aproveitamento do trabalho de magistrados ainda em condições de prestar bons serviços à população. Por outro lado, permitiria ajustar o limite de idade ao aumento geral da expectativa de vida da população.

A primeira curiosidade é que retornamos a um tema que desde 2005 paira no Congresso Nacional, não por suas virtudes, ainda que discutíveis, mas em meio a disputas entre os grupos políticos hegemônicos. A PEC em questão é uma ferramenta nesse cenário e convenhamos não é essa a melhor forma para lidarmos com temas sensíveis como esse, onde está em jogo um aspecto estrutural.

Nossa magistratura tem uma carreira com poucas possibilidades de ascensão e hoje é majoritariamente ocupada por pessoas ainda jovens, em média entre 40 e 50 anos, cujas expectativas de crescimento já reduzidas sofrerão nova inflexão. Dos quase 18 mil juízes brasileiros em atividade apenas algo em torno de 3 mil atua nos tribunais, postos que maioria jamais ocupará. O agravamento dessa situação certamente trará maior dificuldade de preenchimento dos atuais cinco mil cargos vagos em todo o país. O cenário esperado envolverá, ainda, crescente desmotivação, antecipação de aposentadorias voluntárias e baixa renovação do pensamento jurídico.

Esses efeitos não são, entretanto, uma questão limitada aos atrativos da carreira e ao desempenho dos magistrados. Se olharmos nosso entorno sul-americano, percebemos que uma das virtudes do nosso sistema democrático tem sido manter imunes às disputas políticas a estrutura do nosso sistema de justiça e de outras instituições a ele relacionadas, como o Ministério Público. Por certo as mudanças e inovações são sempre necessárias e tem sido feitas de forma pontual com resultados importantes, como revela o eficiente modelo da delação premiada aprovado pelo Congresso Nacional.

A pretensão de alterar a estrutura do sistema judicial dentro do cenário das disputas politicas, abre um flanco novo e incerto de mudanças e assinala um processo ainda pouco explorado de politização da justiça. Por sinal, o eufemismo da bengala bem reflete o grau de incerteza desse movimento e deixa transparecer a precariedade da proposta. No universo institucional, uma medida de conveniência destinada a amortecer os efeitos de uma patologia pode, acima de tudo, significar o aprisionamento futuro de valores tão caros à democracia, como a liberdade e a independência das nossas instituições.