Diário de Classe

Ferrajoli ensina que a democracia
apenas é possível através do Direito

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14 de março de 2015, 8h00

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Qual o papel do(s) direito(s) para a realização da democracia? Esta é a questão que atravessa a última obra de Luigi Ferrajoli lançada no Brasil — cuja tradução tenho a satisfação de assinar, juntamente com outros colegas, entre eles Alfredo Copetti Neto e Hermes Zaneti Júnior, que também estiveram estudando sob a orientação do maestro — publicada, recentemente, pela editora Revista dos Tribunais.

O livro parte da premissa de que o constitucionalismo é a orientação que, atualmente, prevalece na teoria e da filosofia do Direito. Isto porque, como se sabe, após a Segunda Guerra Mundial, ocorre uma profunda restruturação dos sistemas jurídicos europeus, com a introdução das Constituições rígidas, a ampliação dos catálogos de direitos fundamentais e a intensificação do controle de constitucionalidade das leis. Estas mudanças colocaram em xeque não apenas o paradigma paleo-juspositivista, de viés kelseniano, segundo o qual a validade – no caso, a existência – era verificada com base na sua forma de produção, e não em seu conteúdo, mas também a própria noção moderna de democracia, na medida em que lhe acrescentou uma dimensão substancial, ligada à chamada esfera do indecidível.

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Na primeira parte, Ferrajoli dedica-se ao constitucionalismo como modelo teórico, confrontando as concepções que pretendem explicar as transformações ocorridas no campo do Direito ao longo dos últimos séculos, desde o paradigma jurisprudencial, passando pelo paradigma legislativo, até chegar ao paradigma do Estado Constitucional de Direito.

Após apresentar as quatro dimensões (política, civil, liberal e social) que conformam a noção de democracia nos termos propostos garantismo, Ferrajoli desenvolve as bases do chamado constitucionalismo garantista (que é uma complementação do positivismo jurídico), entendido como um modelo normativo de ordenamento produzido por uma mudança de paradigma, seja do Direito, seja da democracia, por meio do qual a validade das leis e a legitimidade da política são condicionadas ao respeito e à efetivação das garantias dos direitos estipulados na Constituições, em oposição ao constitucionalismo principialista (para muitos, neoconstitucionalista) — marcado por sua tendência neojusnaturalista —, segundo o qual os princípios ético-políticos de justiça introduzidos nas Constituições e aplicados mediante ponderações teriam restabelecido a conexão entre direito e moral.

Na segunda parte, reconhecendo a potencial e fisiológica ilegitimidade do Direito, Ferrajoli aposta na expansão do constitucionalismo garantista como projeto político através do qual é possível suplantar a profunda crise que, atualmente, assola a democracia em todas as suas dimensões. Isto porque, para o autor, a única alternativa racional a um futuro de desordem, violência, autoritarismo e desigualdade é o fortalecimento das garantias do paradigma constitucional e sua ampliação no âmbito supranacional.

Trata-se, em suma, de um livro cuja leitura é fundamental para a compreensão (e, sobretudo, a superação) dos desafios que se colocam no Direito contemporâneo. Afinal, como adverte este que um dos maiores juristas da atualidade: “as concepções teóricas do Direito não são nem verdadeiras nem falsas. São mais ou menos adequadas às finalidades explicativas, e reconstrutivas buscadas pela teoria. Além de uma dimensão semântica […], elas possuem também uma relevante dimensão pragmática, pois servem para construir o imaginário jurídico […] Este imaginário jurídico, quando se afirma nas culturas jurídica e política, incide nos sistemas institucionais que são objeto da reflexão teórica, contribuindo para lhes modelar a normatividade e para orientar as práticas e a deontologia dos operadores do Direito e dos atores da política. Disso se extrai a relevância prática das teorias e, em geral, das culturas jurídicas e políticas, determinadas por seu papel amplamente performativo do artifício institucional, que é, ao menos em parte, como ela o concebem e o teorizam” (FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015, p. 14).

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