Jurisprudência Fiscal

Carf, o sigilo bancário do advogado e outras questões tributárias

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

12 de março de 2015, 8h00

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]Em autuação por omissão de movimentação bancária sem origem comprovada, surgiu a questão de poder a Receita Federal intimar o contribuinte, que é advogado, para informar a origem dos depósitos recebidos.

A questão é que o contribuinte alegou estar protegido pela cláusula do sigilo profissional (artigo 7º, inciso II, da Lei 8.906/94), já que sua conta bancária era instrumento de trabalho, pois os depósitos na conta bancária correspondiam a valores pertencentes aos clientes, em decorrência de levantamento de alvarás, depósitos e custas judiciais; portanto decorrentes da atividade de advocacia.

Apreciando a questão, Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) considerou que informar quem são os clientes depositantes da conta bancária de um advogado não viola o sigilo profissional; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 2201-002.632 (publicado em 10.03.2015)
SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO. INAPLICABILIDADE COM RELAÇÃO A INFORMAÇÕES SOBRE ORIGEM DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS DO PRÓPRIO PROFISSIONAL. LEI Nº 8.906/94.

O sigilo profissional do advogado abriga as informações referentes ao patrocínio da causa sob o aspecto técnico e jurídico. A prestação de informações acerca da origem de depósitos bancários do profissional da advocacia, solicitado pela autoridade fiscal, não se encontra albergada pelo sigilo profissional, pois apresenta aspecto financeiro e econômico do exercício da atividade empresarial da advocacia.

Voto (…)

A argumentação do Contribuinte não se sustenta haja vista que não acarreta violação ao sigilo profissional do advogado a imputação de valores que circularam em suas contas bancárias aos respectivos clientes. A simples imputação quanto a qual cliente se referia determinado depósito, com o correspondente débito concernente à transferência ao cliente não viola o sigilo profissional, uma vez que o Contribuinte não estaria revelando, o conteúdo do trabalho jurídico realizado, informações ou documentos que obteve em decorrência do patrocínio da causa. (…)

O art. 7º, II, da Lei nº 8.906/94 visa resguardar o conteúdo das informações e documentos repassados pelo cliente ao advogado. (…)

Isso posto, uma vez que as informações solicitadas não adentram no conteúdo do patrocínio da causa, não se vislumbra violação do sigilo profissional do advogado e imputação de valores que transitaram em suas contas aos respectivos clientes.


RESPE subjetivo
Para pacificar divergências internas, o Regimento Interno do Carf prevê um recurso especial para a Câmara Superior de Recursos Fiscais, que fica condicionado à apresentação da outra decisão divergente à que se recorre; acrescentando que não pode ser invocado como divergência um entendimento já superado na própria CSRF (artigo 67, parágrafo 10, da Portaria MF 256/09).

Discutindo o que significaria um entendimento já superado, a CSRF apontou que não seriam decisões reiteradas em sentido contrário; assim ementado:

Acórdão 9101-001.963 (publicado em 10.03.2015)
NORMAS PROCESSUAIS – RECURSO ESPECIAL – REQUISITO – ARTIGO 67 DO RICARF – TESE SUPERADA – ANÁLISE SUBJETIVA – EXISTÊNCIA DE DECISÕES REITERADAS, POR SI SÓ, NÃO INIBE A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL – ADMISSIBILIDADE.

Não há definição do que deve ser considerado “tese superada”, termo previsto no §10, do artigo 67 do RICARF. Diante da subjetividade presente na interpretação do termo, a existência de decisões reiteradas em determinado sentindo, por si só, não inibe a interposição de Recurso Especial pleiteando a aplicação de posicionamento diverso, desde que cumpridos os demais pressupostos recursais.


Crédito presumido limitado
Para manter uma negativa de ressarcimento de Crédito Presumido de IPI, Turma do Carf afasta a aplicação da contagem prescricional de 10 anos (REsp 1.002.932), mesmo para os pleitos anteriores a 2005, pois, utilizando analogicamente outro julgado do Superior Tribunal de Justiça em relação ao Crédito-Prêmio de IPI (REsp 1.129.971), restou decidido que o prazo limite para pleitear o crédito não deveria ser buscado em norma tributária.

Não discutido que, sendo afastada a natureza tributária do crédito presumido, a rigor tornaria inconstitucional o pleito administrativo perante a Receita Federal, já que os questionamentos contra a Fazenda Pública, acerca de dívidas passivas comuns da União, só podem se processar judicialmente, pela via do precatório (CRFB/88, art. 100); situação a que teve de se submeter o Crédito-Prêmio de IPI; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 3802-004.115 (publicado em 05.03.2015)
PRESCRIÇÃO – PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE IPI – 5 ANOS

Não se aplica, aos pedidos de ressarcimento de IPI, a tese do Superior Tribunal de Justiça de 5 + 5. Esta tese apenas tem guarida nos casos de pagamento indevido de tributo sujeito ao lançamento por homologação, onde existe a figura do auto lançamento tributário.

Voto (…)

O benefício fiscal concedido pela Lei n.º 9.363/96, não se trata de restituição de indébito tributário, pois não decorre de pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido, nem de erro na identificação do sujeito passivo ou no cálculo do montante ou da alíquota aplicável, nem de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, tal como previsto no art. 165 do Código Tributário Nacional.

Trata-se de despesa pública do Estado com vistas a tornar as exportações de produtos brasileiros mais competitivas no mercado internacional, que, após satisfeitas as condições para seu recebimento, torna-se direito do produtor exportador e dívida passiva da União, motivo pelo qual deve atender ao disposto no art. 1.º do Decreto n.º 20.910/32, que dispõe ser de cinco anos o prazo prescricional para das dívidas passivas da União.

É cediço que a tese do STJ é aplicável à restituição dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, isso porque o contribuinte declara o valor que seria devido a título do tributo, “constitui” o crédito tributário e a fiscalização tem, pelos termos da Lei, 5 (cinco) anos para “validar” este lançamento. Somente a partir desta “validação do lançamento” é que ele se tornaria definitivo, então apenas neste instante é que seria possível pedir o valor pago indevidamente de volta. Por isso é que o prazo de restituição torna-se de 10 anos, porque o início da contagem dos 5 anos é postergada para começar após 5 anos, quando o lançamento torna-se definitivo.

Neste aspecto, não se admite a aplicação do prazo de 5+5 para pedidos de ressarcimento de IPI. É que aqui não se trata de lançamento de tributos sujeitos à homologação, mas de créditos fiscais. No caso, não há a “postergação” do início da contagem do prazo prescricional porque o “lançamento ainda não se tornou definitivo”.

Em consonância com este entendimento, o STJ, 1ª Seção, no Recurso Especial nº 1.129.971/BA, representativo de controvérsia, decidiu que o prazo prescricional das ações que visam ao recebimento do crédito prêmio do IPI, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, é de cinco anos.


JCP limitado
Em ato oriundo da Câmara de Comércio Exterior, visando aplicar medida antidumping para importação de certos produtos, foi feita apreciação crítica dos Juros sobre Capital Próprio como redutores do resultado das empresas, batizando a situação como “planejamento tributário”; o que deixa claro que a visão da Camex sobre a questão não foi inspirada pela ótica fiscal, que tem dedutibilidade reconhecida (artigo 9º da Lei 9.249/95):

Resolução CAMEX 10/2015 (publicada no D.O.U. em 05.03.2015)
Esclarece-se inicialmente que, para uma análise fidedigna, a conta referente aos juros sobre o capital próprio, enquadrada pela empresa na rubrica de despesas financeiras, foi retirada do demonstrativo de resultados. Entende-se que essa conta reflete apenas planejamento tributário e não representa despesa incorrida.


Decisões variadas
a) No Acórdão 1101-001.241 (publicado em 04.03.2015), Turma do Carf afasta a possibilidade de, para fins de inclusão em parcelamento, contribuinte desistir de sua defesa de forma condicional, ou seja, para só ser considerada a desistência caso o Carf não acolhesse certa alegação; assim ementado: “a renúncia ao direito de discutir administrativamente o crédito tributário não pode ser condicionada à rejeição de preliminar deduzida em impugnação. Confirmada a adesão da contribuinte ao parcelamento especial, manifestada a renúncia e verificando-se decisão judicial desfavorável à interessada acerca do tema, não deve ser conhecido o recurso voluntário na parte em que aborda as matérias originalmente não impugnadas”.

b) No Acórdão 3401-002.890 (publicado em 05.03.2015), Turma do Carf mantém interpretação restritiva para negar creditamento de PIS/COFINS em relação a aluguel de propriedade rural porque a previsão normativa só se refere a aluguel de prédios; assim ementado: “não há como reconhecer o direito à apuração de créditos da Cofins não cumulativa em relação as despesas de aluguel de propriedade rural, por falta de expressa autorização em Lei”.

c) No Acórdão 2202-002.976 (publicado em 03.03.2015), Turma do Carf, apreciando autuação de ganho de capital sobre cessão de precatório advindo de indenização em desapropriação, considerou que (a) o que foi tributado foi a cessão e não a isenta indenização, e (b) que devia ser mantido o estabelecido de que o custo é zero, pois precatório também recebido com esse valor por herança; assim ementado: “o contribuinte que cede a terceiros o direito de crédito previsto em precatório judicial sujeita-se à tributação do imposto de renda sobre o ganho de capital, considerando-se na apuração o custo como zero, nos termos do artigo 16, § 4º, da Lei nº 7.713, de 1988”.

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    é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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