Sem provas

EUA desistem de denunciar policial que matou jovem negro em Ferguson

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5 de março de 2015, 10h20

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou na quarta-feira (4/3) que não vai denunciar à Justiça o policial branco Darren Wilson, que matou o jovem negro Michael Brown, que estava desarmado, em Ferguson, Missouri, em 9 de agosto de 2014. Wilson também escapou de ser indiciado por um “grand juri” estadual em 24 de novembro de 2014.

Desde então, o Departamento de Justiça (DOJ), pressionado por protestos populares, iniciou uma ampla investigação, para determinar se poderia denunciar o policial por violação de leis federais. Um possível processo criminal, com base na legislação penal do estado, já havia sido descartado pelo “grand juri”, em que o promotor da cidade foi “acusado”, pelos manifestantes, de defender o policial, em vez de tentar incriminá-lo.

Isso é um procedimento estratégico costumeiro do DOJ. O órgão, vez ou outra, inicia processos investigativos para tentar denunciar um réu por violação de alguma lei federal, sempre que um julgamento estadual salva a pele de uma pessoa branca, quase sempre um policial, que matou um pessoa negra, provocando revolta popular. Esse foi o caso do assassinato do jovem negro Trayvon Martin, que também estava desarmado, pelo vigilante de condomínio George Zimmerman, em 26 de fevereiro de 2012.

Logo depois de um tribunal do júri declarar Zimmerman não culpado, milhares de manifestantes saíram às ruas para protestar. Para acalmá-los, o DOJ anunciou que abriria um processo investigatório, para determinar se Zimmerman provocou a morte de Martin movido por preconceitos raciais. Em 24 de fevereiro deste ano, o DOJ anunciou que não denunciaria Zimmerman, porque não encontrou provas. E Zimmerman anunciou que iria mover uma ação indenizatória contra o DOJ.

No caso do policial de Ferguson, um relatório de 86 páginas, distribuído ontem pelo DOJ, explica, na seção “Análise Jurídica”, que “as provas investigadas não atendem os padrões para a apresentação de uma denúncia [à Justiça], determinadas pelo Manual dos Procuradores de Justiça dos EUA e pela legislação federal aplicável”. E que “sobreviveriam a um pedido da defesa de absolvição  em um julgamento”.

Na seção “Padrão Jurídico” do relatório, o DOJ afirma que, para obter a condenação de Darren Wilson, os procuradores teriam de “provar, acima de qualquer dúvida razoável, os seguintes elementos: 1) que Wilson estava exercendo suas funções públicas; 2) que ele agiu de forma intencional; 3) que ele privou Brown de um direito protegido pela Constituição; 4) que essa privação resultou em dano físico ou morte”.

O DOJ sustenta que não tem provas para mover uma ação contra Wilson, por violação dos direitos civis de Brown. Enfim, o órgão chegou a conclusões favoráveis ao policial branco e desfavoráveis ao jovem negro, o que estava destinado a enfurecer a população negra, que formalizou pedido de desmantelamento de todo o Departamento de Polícia da Ferguson, começando pela demissão do chefe do departamento.

Porém o DOJ estava preparado para a possibilidade de que a divulgação do relatório iria agravar as tensões raciais na cidade e em todo o estado de Missouri. Por isso, no mesmo dia, divulgou um segundo relatório, de 102 páginas, em que acusa o Departamento de Polícia de Ferguson de estar alastrado de más condutas, por preconceito racial.

As investigações em Ferguson revelaram que 93% das prisões efetuadas entre 2012 e 2014 foram de pessoas negras, embora eles representem apenas 67% da população. De todas as vezes que a polícia parou um carro na área de Ferguson, 85% dos motoristas eram negros e 90% deles foram multados, diz o relatório.

Na verdade, o relatório traz uma grande variedade de atrocidades cometidas pela polícia contra cidadãos negros. E também exemplos de e-mails trocados entre policiais brancos, que constituem quase a totalidade da força policial da cidade (apesar de 67% da população ser negra), ou entre policiais e funcionários dos tribunais locais.

Um e-mail escrito em 2008, depois das eleições presidenciais, afirmava que o futuro presidente Obama não ficaria no cargo por muito tempo, justificando a previsão com uma pergunta: “Que negro se mantém em um emprego fixo por quatro anos?”. Outro e-mail descreveu Obama como um chimpanzé. Um e-mail de 2011, trazia a foto de um grupo de africanas dançando, com os seios descobertos, com a legenda: “Reunião colegial de Michelle Obama”. Outro e-mail popularizou entre os policiais uma piada cruel, segundo a qual “uma mulher negra contribui para reduzir a criminalidade quando faz aborto”.

A estratégia de escangalhar oficialmente práticas racistas dos policiais de Ferguson, provavelmente fruto da genialidade de profissionais de Relações Públicas do DOJ, surtiu o efeito desejado — especialmente porque as primeiras pessoas a tomarem conhecimento das razões do DOJ para não denunciar o policial (relatório 1) e da “condenação” por escrito do preconceito racial que predomina no Departamento de Polícia (relatório 2) foram os familiares de Brown.

Logo depois da divulgação dos relatórios, a família de Brown divulgou uma nota, em que se dizia triste pelo fato de o DOJ não conseguir processar o policial, por falta de provas, mas esperançosa de que, com a divulgação do relatório 2 do DOJ, as coisas deverão melhorar na cidade e no estado para a população negra.

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