Loteria jurídica

Não existe jurisprudência sobre direitos autorais

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3 de março de 2015, 8h28

É um chavão nos corredores dos fóruns, salas de aula ou palestras, o comentário de que as decisões judiciais são um autêntica loteria ou que nunca se sabe o que vai vir da cartola de um magistrado. Os variados tipos de interpretação da lei, sejam eles literal, restritivo e extensivo, ou os seus métodos, como o gramatical, lógico ou sistemático, além de um desapego aos precedentes judiciais, transformam, pelo menos os direitos autorais, numa roleta de emoções.

Dos exemplos, aos montes, seleciona-se três. O primeiro envolvendo um famoso pintor modernista, já falecido. Suas prestigiadas obras estampavam as capas de diversos livros de outro popular escritor. Em vida, havia a suspeita de uma autorização verbal para tal utilização, sem qualquer pagamento, registro, contrato ou carta. Após a sua morte, sua herdeira passou a cobrar por essa utilização, já que esse tipo de uso não se presume e sendo, via de regra, oneroso. Contudo, o seu pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça fluminense sob a tese de que a utilização dessas pinturas em milhares de capas de livros seria apenas acessória, sem intuito de lucro ou em detrimento da boa fama do pintor, não obstante a própria lei, a praxe do mercado literário e os precedentes afirmarem exatamente ao contrário.

O segundo exemplo invade o mundo das paródias, tema, aliás, pouco explorado em pesquisas e debates. Uma emissora de televisão, reconhecida pela criação intelectual do seu próprio conteúdo, volta e meia tem os seus personagens parodiados por outra emissora concorrente, através do seu principal comediante e apresentador de programa do gênero. Nenhuma pretensão de abstenção de uso via judicial teve sucesso. Ao contrário, pois, de outra emissora, que viu-se obrigada a cessar a paródia e, além disso, indenizar àquela emissora e o parodiado.

Por último, o exemplo é a recente confirmação da sentença que reconheceu a culpa do órgão oficial que registra nomes de domínio no Brasil por fraude de terceiros. Em resumo, uma atriz deparou-se com o seu nome artístico registrado no ambiente virtual por um empresário do segmento erótico. O órgão recusou-se a reconhecer a falcatrua, motivo pelo qual foi condenado a não só desfazer o ato ilícito, como também em indenizar a atriz em altas cifras. Não havia, até então, julgamento semelhante, ou seja, a regra era excluir o órgão nesses tipos de ações. Agora, a pioneira sentença forcará mudanças nos procedimentos de registro de nomes de domínio no país.

A sorte está lançada, pois como se vê, em direitos autorais ou em nomes de domínio, não se têm jurisprudência, afinal não existe prática reiterada, muito menos prudência nos julgados dessas matérias no Brasil.

Autores

  • é advogado e professor. Graduado pela PUC-Rio, Especialista em Direito Civil pela UERJ e Mestre em Inovação, Propriedade Intelectual e Desenvolvimento pela UFRJ.

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